Meio Ambiente

Paraíso em risco: troca do boi por lavoura ameaça águas de Bonito

Depois da lama em novembro, Rio da Prata volta a ser cristalino; Mas problema está longe de ser águas passadas

Aline dos Santos, enviada especial a Bonito | 13/12/2018 11:26
Fazenda arrendada trocou pastagem por lavoura a 21 km da área urbana de Bonito. (Foto: Kisie Ainoã)
Fazenda arrendada trocou pastagem por lavoura a 21 km da área urbana de Bonito. (Foto: Kisie Ainoã)

O susto veio em novembro: as águas cristalinas do Rio da Prata, que se espalham por Bonito e Jardim, se tornaram águas turvas. Com o passar dos dias, o rio restabeleceu sua fama, mas o problema está longe de ser águas passadas e parte dele está no avanço das lavouras de grãos onde era pastagem.

A 21 quilômetros da área urbana de Bonito, o município de belezas naturais que atrai 230 mil turistas por ano, às margens da MS-178, uma extensa faixa de terra mostra marcas recentes da troca do gado pelo cultivo de soja. O verde ainda incipiente das pequenas plantas domina a paisagem. Pela área, árvores foram retiradas e repousam no solo.

O local também exemplifica um problema comum nesse retorno das terras de Bonito para a lavoura: não há curvas de nível, que têm função de reter a água da chuva. Sem barreiras físicas, a enxurrada segue para as estradas, chega aos rios menores, que vão desaguar nos chamados rios cênicos e os sedimentos turvam as águas cristalinas. A falta da curva de nível em lavouras de soja em duas fazendas levou lama ao Rio da Prata.

Os guias de turismo contam que os rios – como o da Prata e do Peixe – tinham alterações na cor da água quando acontecia chuva forte, com duração de um dia e uma noite, por exemplo; agora, qualquer chuva já turva as águas e com demora cada vez maior para a normalização.

A lavoura também preocupa pelo uso de agrotóxicos e vazio sanitário da soja. “A atividade agrícola gera mais renda, mas o turismo, mais empregos”, afirma o guia turístico Igor Luiz Biolo, que trabalha na área há 18 anos.

Estrada vicinal separa pastagem para o gado de plantio de soja. (Foto: Kisie Ainoã)

Há 25 anos levando turistas para conhecer as maravilhas de Bonito, Francisca do Carmo Firmo, a Carminha, é porta-voz do grupo “Unidos conquistamos”, que organizou mobilização na última terça-feira (dia 11) com pedido para salvar os rios do município. “O negócio é urgente. Tem que juntar o poder público, Ministério Público, trade turístico, agricultor, pecuarista para pedir socorro, todo setor é importante”, afirma.

Até a década de 1980, o município tinha a agropecuária como principal atividade econômica, a partir de 1992, as fazendas, com suas grutas e cachoeiras, foram se abrindo para o turismo, num equilíbrio entre os dois setores.

“Faço os passeios todos os dias há 25 anos. É muito triste quando você chega com o cliente para apresentar uma água cristalina e a situação está diferente”, diz guia.

Dono do restaurante Casa do João, João Roza Vizcaino afirma que a situação é preocupante e por isso participa da mobilização. O empresário - que há 21 anos trocou Santos, no litoral paulista, por Bonito-, emprega 60 pessoas.

São Pedro, estradas e fazendas

Na audiência pública realizada segunda-feira (dia 10) em Bonito, o coordenador do Núcleo Ambiental do MP/MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), promotor Luciano Loubet, apontou três causas para o turvamento dos rios.

Para ele, participam dessa conta São Pedro, santo considerado o guardião da chuva; as estradas , que responderam por 70% do problema; e as propriedades rurais nas margens dos rios, com responsabilidade de 30%.

Promotor Luciano Loubet apresentou diagnóstico na Câmara de Bonito. (Foto: Kisie Ainoã)

“Como não dá para fazer um TAC com São Pedro, temos que recuperar a mata ciliar e fazer as caixas de retenção nas estradas”, afirma promotor.

TAC é um termo de acordo utilizado pelo MP para resolver demandas sem judicializar as questões. Na reunião, com público de 400 pessoas e pitadas de animosidade entre representantes do turismo e do agronegócio, foi apontado o caminho para fazer as pazes. No caso, o manejo correto do solo, para que as propriedades rurais tenham mecanismo para reter a água da enxurrada. 

Porém, o cenário mais comum são áreas arrendadas, com uma jogada arriscada: plantio direto, mais barato, porém, onde a chuva forte pode vir e lavar o solo, levando todo o investimento.

“O produtor que teve a sua lavoura lavada e jogada no Rio do Prata perdeu todo o serviço de gradeamento que fez na fazenda, todo o adubo e correção de solo, toda a semente que ele jogou no chão e mais a máquina que usou no trabalho. Agora, além de ter perdido todo o investimento do plantio, ele tem que fazer conservação do solo a toque de caixa”, afirma o secretário de Meio Ambiente de Bonito, Edmundo Costa.

Bonito atrai 230 mil turistas por ano com suas águas cristalinas. (Foto: Kisie Ainoã)

No caso da fazenda citada no começo da matéria, a informação no local é que o dono da terra mora no interior paulista e que a área trocou de arrendatário, passando de pastagem para lavoura.

O relato é de que, devidos a muitas denúncias, o arrendatário já deixa documentação na fazenda para mostrar para a fiscalização e provar que o dono efetivo da propriedade rural fez os procedimentos corretos no Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul).

Outra possibilidade suscitada nos debates foi a exigência de licenciamento prévio para a lavoura. Ou seja, antes de retirar a vegetação e preparar a terra para o plantio, o proprietário deveria apresentar um projeto e provar que executou as medidas corretas para o manejo do solo.

Porém, a hipótese foi descartada pelo titular da Semagro (Secretarias Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar), Jaime Verruck. “Não temos e não teremos”, disse, sobre a possibilidade de licenciamento prévio.

De acordo com o secretário municipal de Turismo, Indústria e Comércio, Augusto Mariano, as lavouras em Bonito passaram de 17 mil hectares para 51 mil hectares. 

Segundo secretário de Turismo, Augusto Mariano, lavoura passou de 17 mil hectares para 51 mil hectares. (Foto: Kisie Ainoã)

“Isso pressiona o meio ambiente, não é um desmatamento absurdo, mas transforma”, diz secretário. 

“Que não se fique culpando um único setor”

Presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Mauricio Saito, defendeu a agricultura durante a reunião e colocou a área técnica à disposição para auxilar na conservação do solo.

“Que não se fique culpando um único setor. Há 40 anos, Mato Grosso do Sul era importador de alimento e hoje responde por 50% dos grãos e carne”. Para ele, o turvamento das águas do Rio da Prata foi uma fatalidade, com a concentração de muita chuva (220 milímetros) em pouco tempo.

O governo do Estado vai publicar decreto ainda em dezembro mudando as regras do comunicado de "licenciamento ambiental para corte de árvores nativas isoladas para uso alternativo do solo".

Conforme Verruck, a alteração será válida para Bonito, Jardim e Bodoquena. Ou seja, agora, ao solicitar a retirada das árvores isoladas na pastagem, necessária para que se comece a lavoura, o produtor terá que apresentar projeto de conservação de solo e microbacia.

Estrada de lama 

Bonito tem 4,5 mil quilômetros de estradas vicinais, que também são caminhos para conduzir as enxurradas até os rios. Mas, para a prefeitura, a “culpa” das estradas é relativa, porque a água vem das propriedades rurais.

Já o governo do Estado corre atrás de reparos para duas rodovias: MS- 178 (que liga Bonito a Bodoquena) e MS-382 (Bonito a Guia Lopes). Estão sendo executadas bacias de contenção com três metros de profundidade nas laterais das rodovias para segurar os sedimentos.

Protesto na Praça da Independência, Centro de Bonito, faz apelo para salvar rios. (Foto: Kisie Ainoã)
Peixes nos aquários naturais de Bonito. (Foto: Kisie Ainoã)
Setor do turismo cobra proteção aos rios em audiência pública na Câmara de Bonito. (Foto: Kisie Ainoã)
Na zona rural, lavouras se espalham. (Foto: Kisie Ainoã)
Boi tem perdido espaço para soja. (Foto: Kisie Ainoã)
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