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Contra violência obstétrica, enfermeira parteira ajuda mães darem à luz em casa

Paula Maciulevicius | 05/02/2015 07:02
Nos partos domiciliares, doulas trazem banheira e bola feitas especialmente para o parto. (Foto: Raquel Ovelar)
Nos partos domiciliares, doulas trazem banheira e bola feitas especialmente para o parto. (Foto: Raquel Ovelar)

Depois de vivenciar tanta violência obstétrica, quando a vontade da futura mãe em não ter intervenções na hora do parto não é ouvida, a enfermeira Karina Amaral se tornou parteira. Aos 36 anos, a capixaba que mora em uma fazenda próximo a Campo Grande já coleciona a felicidade de ter "assistido" partos em casa. 

A formação dela é em Enfermagem com especialização em Ginecologia e Obstetrícia, mas a paixão pelo parto humanizado surgiu das experiências que viveu, em especial no Estado do Amazonas, onde morou quando o marido foi transferido, em 2007. "Lá conheci sobre as doulas e me encantei desde então pela saúde da mulher", conta. 

O foco dos partos em que assistiu era a população ribeirinha e foi dentro deste contexto que ela passou a conhecer de fato a violência obstétrica. "Presenciei muitas, inclusive em Manaus, com episiotomias sanguinolentas. Uma certa vez um médico me chamou e disse 'olha isso, a tesoura cega, como cortar direito assim? Isso a menina de 17 anos parindo e ele fazendo uma episiotomia com esta tesoura. Eu segurava a mão dela e dizia 'eu estou aqui, não chora'... Aquilo me marcou demais", narra.

Karina é enfermeira com especialização em Ginecologia e Obstetrícia.

Já em Campo Grande, viveu mais 2 anos e meio até passar a lutar em defesa do parto humanizado. O primeiro caminho foram as redes sociais, de onde vieram gestantes do País todo compartilhando medos e dúvidas. "Me senti tão útil que eu disse que era hora de mudar a história".

De cara, eu que não tenho filhos e nunca passei pela experiência de um parto, me surpreendo com o termo adotado por Karina, de "assistir". "Na verdade, fazer o parto eu não faço, quem faz é a mulher. Eu assisto", explica sobre a assistência domiciliar prestada.

A apresentação como "parteira", Karina explica que é para facilitar ao máximo o entendimento das pessoas sobre o que ela faz. "Acho prático e simples", pontua. No dia a dia, Karina descreve que nunca procurou uma gestante, mas que elas chegam até ela por indicação de doulas.

"Eu acompanho o pré-natal, os exames, questiono sobre o desejo da mulher em ter o parto em casa e porque desta escolha. Tudo isso é para analisar se ela está apta ou não a ter um parto domiciliar", explica a parteira. Dentro da triagem, há um termo de consentimento que precisa ser assinado pela gestante.

O parto domiciliar, segundo Karina, acontece quando a futura mamãe começa a perceber que algo já está diferente em seu corpo. "A partir de 37 semanas o bebê pode nascer quando quiser. As contrações começam e a doula e eu somos informadas. Aí vamos para a casa dela, eu monto todo o meu material, monitoro o bebê e a mãe: comportamento, fluidos, pressão...", enumera.

Todo material e equipamento da parteira é levado para a casa da gestante. (Foto: Raquel Ovelar)

Adepta do humanizado mesmo, Karina conta que nem sequer faz o "toque". "Não há necessidade, pois a dilatação não quer dizer nada. É uma violência. A dilatação pode estar a 10 centímetros e o bebê não nascer e demorar horas ainda", exemplifica.

Cada mãe tem um corpo e um organismo que trabalham de uma forma. Nos partos domiciliares, Karina não faz nenhuma indução, apenas restringe a mãe aos cuidados básicos. "Ela come, toma líquidos, faz exercícios, anda, dorme, grita, berra..."

Numa primeira gravidez, por exemplo, Karina fala que o parto pode evoluir de 12 horas a 18 horas. "Elas sempre têm as contrações doloridas, eu peço para ela vocalizar quando dói, por pra fora com gritos, ou música, ou assoprar. A força, ela saberá quando fazer".

Seguindo a linha da parteira, o corpo da gestante é que vai pedir, implorar por força. "É o famoso 'puxo'. Às vezes se fizer força antes, podem haver riscos de hemorragias, entre outras consequências. Por isso eu só assisto a mulher se transformando", detalha a parteira.

O que orienta Karina são os batimentos fetais e o bem estar da mulher. Num dos últimos partos, depois de 9 horas de trabalho, a enfermeira pediu que a mãe fosse dormir. "Ela estava exausta e todo mundo me olhou com aquele olhar: 'você está doida?' Pois bem, ela foi dormir, fiz escurinho no quarto e depois de meia hora a bolsa estourou, com ela dormindo, sem esforço", conta.

No caso de qualquer complicação, ou se a enfermeira detectar que o bem estar da mãe ou do bebê está em risco, a equipe solicita e providencia o transporte imediato para o hospital. "O principal objetivo é um parto e nascimento seguro para a mãe e seu bebê. Apesar disso, há o risco inerente ao nascimento humano, sobre o qual não temos poder, mesmo sob a melhor e mais completa assistência. Por isso, o que podemos garantir é que faremos tudo o que está ao alcance profissional para garantir a melhor experiência de parto e nascimento, com a maior segurança existente dentro da sua faixa de risco", frisa a enfermeira.

Os partos domiciliares não são feitos às escondidas, a parteira faz questão de dizer que parte do consentimento assinado pela mãe prevê que em caso de risco, um médico ginecologista estará de 'stand by'. "Já até marcamos pediatra também, é tudo acordado antes".

Karina sustenta que receber cuidado por parteiras qualificadas durante o parto traz mais benefícios do que o modelo atual que se tem no Brasil, centrado basicamente na figura do médico obstetra. "Menos intervenções, mais resultados positivos para mãe e bebê. Quando a mãe, o casal, me procura, eles já sabem muito o que querem, empoderar não é preciso, eles já vem sabendo", afirma a parteira.

Karina tem uma Página no Facebook onde tira dúvidas de futuras mamães, a Florescer Parto em Casa. "Eu, na verdade me envolvo emocionalmente em tudo, até porque, ser parteira não é só assistir", resume. 

No currículo, Karina tem os cursos de: Cuidador de Idosos, Assistência em Enfermagem em UTI Geral e Coronariana, Curso de Capacitação e Atualização em Urgência e Emergência, de Pronto Socorrismo resgate 40h no Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, Emergência Obstétrica, Treinamento em reanimação Neonatal e Curso de Capacitaçao para Assistência ao Parto Domiciliar.

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