Comportamento

Xote partiu, mas deixou rastro nas “Memórias Inventadas” de Manoel de Barros

O menino pantaneiro teve a sorte de ser amigo e inspirar um dos maiores poetas brasileiros

Thailla Torres | 12/10/2018 08:17
Onesimo Gomes de Mello , conhecido como Xote, ao lado de dona Charlot Saab Mello, o grande amor durante 50 anos. (Foto: Kísie Ainoã).
Onesimo Gomes de Mello , conhecido como Xote, ao lado de dona Charlot Saab Mello, o grande amor durante 50 anos. (Foto: Kísie Ainoã).

Faz 20 anos que Onesimo Gomes de Mello se despediu dessa vida. Homem pantaneiro e de palavras simples, ele é o avô que desperta saudade e ainda emociona a família. Hoje, no mês que lembra sua partida, o que ficou para o neto mais velho, Oton Nasser, é descobrir que alguns versos de Manoel de Barros também foram inspirados nas conversas com seu avô, conhecido como Seu Xote.

“Memórias Inventadas” é a parte do livro “Meu quintal é maior do que o mundo”, uma antologia publicada em 2015, com diversos poemas feitos por Manoel ao longo da vida e que lembram Xote. “Há poucos meses eu soube disso, numa conversa com a Martha, filha do Manoel, que me disse que nesse livro estão memórias do meu avô”, conta o advogado, de 52 anos.

Xote foi capataz de fazenda, trabalhou desde menino na propriedade São Sebastião, no complexo da Nhecolândia, no Pantanal. Numa dessas idas e vindas as propriedades vizinhas, conheceu Manoel de Barros, um homem que, segundo Xote, “escrevia umas coisas bonitas”, conta Oton.

Neto se emociona ao dizer o que ficou do avô que partiu. (Foto: Kísie Ainoã)
O livro que há poucos chegou à mesa de Oton e nunca mais sairá das mãos. (Foto: Kísie Ainoã)

Nos anos de 1960, Xote veio para Campo Grande morar com os filhos e a esposa, dona Charlot Saab de Mello, que na cidade tornou-se amiga de dona Stella, esposa de Manoel. “Meu avô tinha um Fiat, carro para ele andar com minha avó e que dona Charlot chegou a passear com a dona Stella”.

Da amizade restaram muitas lembranças, sem nada de fotografias. “Assim como Manoel, meu avô era um homem simples, do Pantanal, que nunca combinou com a vida na cidade”.

Xote era um homem que chamava atenção pelos passos, por isso o apelido ao "pé de valsa" dos tempos dos bailes. O neto descreve que a simplicidade fez o avô se tornar um doutor em lições de vida. “Correto, justo, carinhoso, firme, homem de verdade. A palavra bastava para ele”.

Nunca fez poesia em papel, mas interpretava como ninguém os bichos. “Foi isso que chamou atenção o poeta. Meu avô pescava pacu sozinho nos rios, sem traia de pesca, bastava um dedal, silêncio e a massinha”.

Xote na fazenda, durante o trabalho como capataz. (Foto: Arquivo Pessoal)
No livro de Manoel, trecho de "Sobre Importâncias", detalhes de Xote um dia falou ao poeta. (Foto: Arquivo Pessoal)

Único pio na hora da pesca era o dos pássaros. Em casa, também amava o canto dos canarinhos e ao longo da vida foram muitos pássaros mirradinhos, cuidados por Xote, que depois voaram livremente, das próprias mãos. “Ele cuidava, na gaiolinha, depois soltava”, lembra Oton.

Quanto aos conselhos de pai e avô, Xote fazia sempre referências ao Pantanal. “Ele falava do dia a dia de um animal, que para ser homem, tinha que ser como um touro”.

O prazer dele era tomar a cervejinha, tomava devagar, mas o copo não ficava cheio. Amava a comidinha de mãe, da esposa e da dona Vilma, mãe de Oton. Torcia pelo América e para o Palmeiras. “Sou palmeirense por ele”, diz o neto.

Mas um dia o doutor proibiu de vez Xote de fumar cigarro e ele deu conta de fumar escondido por meses. Não era à toa que chamava carinhosamente dona Charlot de Branquinha, mas também de dona Bronquinha, afinal, ela sabia o amor teimoso que tinha.

Xote era apelido por ser um exímio pé de valsa.

Foi então que em 4 de outubro de 1998, um enfisema pulmonar fez parar de vez o coração de Xote, que deixou esposa, dois filhos e seis netos.

O que ficou de quem partiu? Ao ouvir a pergunta o neto se emociona. Com olhos marejados ele segura o livro de Manoel que ainda não terminou de ler, porque cada palavra o faz reviver os melhores instantes de Xote. “O que ficou? A simplicidade. Porque hoje a sociedade é carente de pessoas que falam de coisas simples. Mas ele e seu amigo Manoel de Barros, eram pessoas com visões simples da vida. Hoje, vejo que somos nós que complicamos demais, nos escravizamos e distanciamos das nossas origens”, declara o neto.

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