Comportamento

Sofrimento da mãe ensinou Talita que dizer adeus também é um gesto de amor

Rejane Helena faleceu em dezembro de 2018 após lutar bravamente pela vida com a ajuda da filha

Alana Portela | 08/07/2019 08:12
Talita Rangel abraçada com a mãe Rejane Helena Rangel (Foto: Arquivo pessoal)
Talita Rangel abraçada com a mãe Rejane Helena Rangel (Foto: Arquivo pessoal)

O amor vai muito além de ser feliz. Para a estudante Talita Rangel, significou deixar partir. Por quase dois anos, ela viveu o drama de ver a mãe, Rejane Helena Rangel, enfrentar o câncer no intestino e a metástase hepática. Os dias angustiantes ensinaram que dizer adeus também é uma forma de amar.

“Sempre pedia para que fosse feito o melhor para ela e não pra mim. Fui me preparando, pois não aguentava ver aquela pessoa que amava sua vida, não viver do jeito que queria. Existe o sofrimento da perda, mas não era justo tanto sofrimento com ela”, relatou.

Talita tem 24 anos e teve a vida virada de ponta cabeça no final de 2016, quando a mãe foi diagnosticada com câncer. Mas soube segurar a barra para dar apoio ao pai Ademilson Rodrigues, ao irmão Fábio e, claro, à Rejane.

“Descobrimos a doença depois que ela caiu e quebrou o pé, e durante o tratamento ela sentiu a dor no estômago. Foram meses passando mal até que uma médica decidiu fazer cirurgia para ver o que estava acontecendo, pois os exames não mostravam nada. Depois, em outubro daquele mesmo ano, começou o tratamento”, recordou.

Foram meses entre remédios, quimioterapia e exames, mas Rejane conseguiu encarar a doença bem. “O primeiro ciclo do câncer parou depois de um tempo. Contudo, nesse intervalo, final de 2017, descobrimos a metástase no fígado e que ela precisava de transplante. Isso era possível em São Paulo, então ficamos entre aqui e lá”.

Talita Rangel se emociona ao falar sobre a mãe (Foto: Alana Portela)

Por causa do fígado, Rejane deixou de fazer a quimioterapia e, em abril de 2018, o câncer voltou e avançou rápido, diz a filha. “Sabia que seria uma batalha difícil. Deixamos de ir para São Paulo e resolvemos fazer mais exames aqui”, lembrou Talita.

Após uma piora durante o tratamento, Rejane foi internada e ficou 90 dias no hospital até fazer um nova cirurgia. “Durante a cirurgia a médica constatou que eram só cuidados paliativos”.

Nesse tempo, muitas coisas aconteceram, principalmente na vida de Talita, que deixou a faculdade para se dedicar-se exclusivamente à mãe. “Meu pai parou de trabalhar e meu irmão ficou estudando. Três meses depois voltamos para a casa, mas com idas e vindas ao hospital. Em outubro, após eu passar por uma cirurgia vesicular, fiquei sem vê-la por uma semana e quando fui, notei que estava caidinha, magra. Apesar de tudo, continuava com a quimioterapia”.

No hospital, Rejane ganha beijo no rosto de Talita e do filho Fábio (Foto: Arquivo pessoa)

Susto - A visita da filha ocorreu num sábado e, na segunda-feira, quando retornou para visitá-la, viu seu pai sentado abraçando sua mãe, e percebeu que médicos haviam retirado a sonda. “Não acreditei no que estava acontecendo, porque era a sonda de NPT [Nutrição Parental Total]. Fizeram exames que mostraram que os órgãos estavam parando”, lembrou com os olhos cheios de lágrima.

Naquele momento a tristeza tomou o coração de Talita. “Fiquei do lado dela, fiz oração e avisei todos, disse que estava muito ruim, começando o estágio terminal. Nossos familiares chegaram e os médicos liberaram a nossa entrada conjunta no quarto. Oramos e ela abriu os olhos, com a voz bem fraquinha disse que estava bem”, para o alívio de todos.

Talita passou 2018 no hospital cuidando da mãe, e diz que não perdeu a esperança. Em novembro, Rejane queria voltar pra casa, mas para isso era necessário comprar remédios. No dia 17 de dezembro, recebeu alta, e ao chegar em casa foi recebida com festinha de boas-vindas.

Rejane Helena a esquerda cozinhando com a filha Talita (Foto: Arquivo pessoa)

Últimos momentos - Devido ao estágio final do câncer, Rejane não era mais a mesma, lembra a filha que fez de tudo para que a mãe aproveitasse seus últimos dias com alegria. “Para ela não se cansar do banho na cama, a colocava na cadeira de rodas e levava para debaixo do chuveiro, para a água cair nela. Era uma forma de fazê-la se sentir viva. Para passar o tempo, colocava filmes no computador e coloquei rodinhas na cadeira de fio para ela sair de casa”.

No Natal, Talita preparou a ceia para celebrar a data com a família em casa. No dia seguinte, percebeu que sua mãe estava fadigada, e ao final da tarde, chamou o socorro. Uma médica atendeu e deixou Rejane no soro. Antes de sair, pediu para que a filha retirasse o acesso do braço da mãe às 8h do dia 27 de dezembro.

“Naquele dia dormi abraçada com ela, quando deu o horário retirei o acesso e percebi que minha mãe estava com os olhos abertos e voz mais baixinha. Liguei para uma amiga que é enfermeira oncológica e expliquei a situação, ela disse que era para avisar que quem quisesse teria que visitá-la logo”.

Outra ambulância foi acionada novamente pela família e, por telefone, a médica disse que iria interná-la. Contudo, não dava mais tempo. “Quando a doutora chegou, minha mãe ainda estava viva, mas ela [médica] esperou só o tempo de acontecer. Não sei explicar o que senti, parecia que tudo estava em câmera lenta”, relatou Talita.

Rejane Helena Rangel era feliz (Foto: Arquivo pessoa)

Lição de vida - “O câncer é uma doença que destrói, mas, apesar dela ter falecido, ela venceu. Venceu porque acima de tudo estava contente e viveu intensamente. O que fica vai além do material, é a lição. Meu coração não está pesado por conta da perda, e sim pela saudade. No fundo, sabia que era o melhor pra ela, pois não sofreria mais. Ela descansou”, desabafa Talita.

A filha contou que não se entristece ao lembrar de Rejane porque aproveitou cada segundo ao seu lado. “Vivi tudo o que podia com ela, desde comprar uma coxinha pra ela comer, a passar batom, pintar as unhas dela no hospital”, disse. “Supero porque preciso”, concluiu.

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Foto da família; sentados está Rejane Helena Rangel ao lado do marido Ademilson Rodrigues, e em pé Talita Rangel e seu irmão Fábio Rangel (Foto: Arquivo pessoal)
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