Comportamento

Rede de apoio deixou mãe bombeira combater incêndio no Atacadão

Há uma semana, Daniela que é cabo do Corpo de Bombeiros se juntou aos colegas no incêndio do Atacadão, graças à ajuda que teve

Paula Maciulevicius Brasil | 20/09/2020 09:04
De folga, Daniela foi para incêndio porque tinha com quem contar, a rede de apoio da bombeira, foi a irmã que cuidou das filhas caçulas.
De folga, Daniela foi para incêndio porque tinha com quem contar, a rede de apoio da bombeira, foi a irmã que cuidou das filhas caçulas.

Há uma semana as chamas do incêndio que destruiu o Atacadão na Avenida Duque de Caxias viralizaram. Fotos e vídeos, tanto do local quanto de longe - onde a fumaça era vista -, inundaram as redes sociais. Mas uma postagem em específico chamou a atenção. Era o print de uma conversa no WhatsApp, na qual a bombeira Daniela Bertão pedia à irmã para ficar com os filhos para que ela, de folga, fosse ajudar a "família", como ela chama os colegas militares.

- Fá, fica com as meninas pra mim. Incêndio de grandes proporções no Atacadão.
- Claro que sim, mas você não está de folga hoje?
- Sim, vou de voluntária, tá feia a coisa lá
- Estão precisando de ajuda.
- Nossa, estou indo aí.
- Minha segunda família está lá

Postagem feita pela irmã da bombeira, Fabiana Bertão. (Foto: Reprodução/Facebook)

Me marcaram em um dos compartilhamentos e a postagem conseguiu, aos meus olhos, falar tanto sobre maternidade, rede de apoio, trabalho, carreira e sonhos. Daniela conseguiu ir para o incêndio porque teve ajuda para poder ajudar, como ela mesma vai dizer mais para frente. Essa é a história de uma mãe de quatro filhos, que dirige caminhão de incêndio, atende as mais diversas tragédias e, ainda, se preocupa em como fazer os filhos seguirem o caminho do amor. 

Daniela só soube da publicação feita pela irmã, que juntou o print da conversa e fotos que Daniela enviou do fogo no mercado, e dos compartilhamentos que houve no dia seguinte. Cabo COV, termo designado a quem conduz veículos de emergência, Daniela Bertão tem 46 anos e 13 deles dedicados ao Corpo de Bombeiros. 

No domingo passado, por volta das 19h, ela pediu ajuda à irmã para ficar com as duas filhas menores, de 5 e 10 anos, depois de ver a notícia do incêndio e a preocupação dos colegas de farda. "Nós temos um grupo de Whats do pessoal do quartel e, quando saiu a notícia, gerou aquela preocupação entre os militares, que disseram que iam precisar de ajuda. Aí um já se disponibilizou e foi todo mundo", conta. 

O tempo entre a mensagem enviada e a irmã chegar à casa da cabo foi pouco mais de meia hora. "Lá eram bens materiais, mas a nossa preocupação eram com os militares que estavam la de serviço. A carga de trabalho é muito grande, o desgaste físico também. A gente tinha que ir lá ajudar os irmãos de farda, como nós nos chamamos, porque querendo ou não, é uma família. A gente passa 24h de serviço junto, não tem como você ser indiferente a isso", explica. 

Trabalho registrado na noite do incêndio no Atacadão. (Foto: Arquivo Pessoal)

Daniela ficou até 3h da manhã no incêndio. E para lá voltou às 7h30, horário em que entrava no serviço regular de segunda-feira. "Nessas horas eu dou graças a Deus, porque tenho esse apoio da minha família. Precisei, tenho com quem contar para ajudar os outros que precisam de mim", agradece. 

Quando viu a publicação e a proporção que ela tomou, Daniela se emocionou. Mãe de quatro filhos, dois rapazes (um de 28 anos e outro de 18) e duas meninas (de 10 e 5), a cabo já tem até netos. "Pode parecer piegas, mas meu sonho desde pequena era ser bombeira. Como no Estado o primeiro concurso para mulheres soldado foi só em 2003 e 2004, quando fiquei sabendo que ia ter, não tive dúvidas", recorda.

Daniela entrou na turma de 2008 e enfrentou a parte mais complicada do processo contando com a ajuda da mesma irmã e da então sogra para ficar com os dois filhos maiores. "Depois que você passa todas as etapas, vai para a formação. Me doeu o coração, mas eu tive que dividi-los. O Murilo tinha 16 e ficou com a minha irmã, e o Matheus, 6, com a avó, porque eu tinha horário para entrar, mas não para sair e a carga é bem pesada durante o curso", justifica.

Foram oito meses de formação, tempo em que Daniela só via os filhos aos finais de semana. "Foi bem tenso, porque é atividade física constante, que requer muito do físico e principalmente do seu psicológico, justamente para você poder atuar nas mais diversas ocorrências. A gente não pode cair, não pode se abalar. E você só vai entender isso depois que se forma", afirma.

Até foto do perfil em rede social é bombeira subindo na viatura em que dirige. (Foto: Arquivo Pessoal)

Neste tempo, Daniela segurava o choro para não desabar quando o caçula pedia a volta dela e o retorno para a casa da família. Do outro lado, ela explicava que estava estudando e já já tudo voltaria ao normal, com a diferença de ter uma mamãe bombeira. 

Em um dos episódios de treinamento, ao ligar para a irmã, a bombeira desabou. "Liguei para saber como eles estavam, e desabei a chorar, mas foi um choro de desabafo, justamente por isso, pela carga", recorda. 

Depois de formada, ela viu a importância de ter passado por tudo aquilo durante o treinamento. "Não é fácil o trabalho de rua, a população sempre espera que você dê o sangue por ela e o Corpo de Bombeiros é uma entidade em que as pessoas depositam muita confiança. A gente tem que fazer por onde". 

Ao relatar a sua experiência, a bombeira faz questão de dizer que assim como ela, existem várias mães fardadas, "que têm histórias de batalha, de luta, mães bombeiras que engravidaram durante o curso", frisa. 

As meninas caçulas, que ficaram com a irmã no domingo passado, já nasceram com a mãe fardada e eram amamentadas entre ocorrências. "Quando eu não conseguia passar em casa para amamentar, minha ex-sogra levava ela para eu amamentar", lembra Daniela. Ainda na primeira menina, Lara, a volta de um incêndio marcou a história das duas. 

"Fomos combater um incêndio e demorou muito na ocorrência. Meu peito começou a inchar de leite e derramar na farda, já tinha passado várias horas de dar o mamá. Terminamos o incêndio e o quartel era caminho de casa, pedi autorização para amamentar rapidinho em casa. Cheguei, só passei um paninho e tirei o seio para mamar, o pessoal começou a dar risada e a falar 'tadinha da Larinha, está tomando leite defumado'", conta.

Daniela Bertão e parte da família. (Foto: Arquivo Pessoal)

Entre fardas e ocorrências, Daniela conseguiu amamentar a filha até os 2 anos e a segunda, a caçulinha, até 1 ano e 8 meses. 

Diante do incêndio da semana passada - em que bombeira deixou as filhas com a irmã para ir de voluntária trabalhar - e de tantas outras ocorrências, o que Daniela quer passar aos filhos é o respeito. "Tento passar isso para eles, de respeitar o próximo. Respeito é tudo nessa vida e um outro sentimento que tenho é o de receio, de medo, porque a gente trabalha com tragédias, vamos dizer assim, de um modo geral, e a gente nunca quer que isso aconteça na vida da gente, com os filhos da gente. Tento passar a eles o caminho do bem". 

Tem uma história de mãe inspiradora que precisa ser compartilhada? Me mande um e-mail para: paulamaciulevicius@gmail.com.

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