Comportamento

Para viver em MS, ele abriu mão do "arriégua" mas dobra todo mundo no bom dia

Aposentado, ele não conseguiu lidar com os dias livres e vende salgadinho no ponto de ônibus.

Thailla Torres | 30/06/2017 07:27
Nordestino largou gírias de lado para ensinar boa maneiras a quem passa na rua.
Nordestino largou gírias de lado para ensinar boa maneiras a quem passa na rua.

Se você pega ônibus na Rua 26 de Agosto, esquina com Avenida Calógeras, já deve ter esbarrado com jeito simpático do seu Carlos. Alagoano que chegou em Campo Grande em 1960, ele é do tipo que não nega conversa a quem passa pela rua. E mesmo na correria do dia a dia, até quem prefere o silêncio, ele dobra na base do bom dia, ensinando que educação é bom e todo mundo gosta em qualquer lugar.

Quando a história dele chegou ao Lado B, a única informação era que de alguma maneira a experiência de vida poderia ser valiosa e, de fato, na simplicidade, Carlos Monteiro da Silva, de 76 anos, tem muito a ensinar.

Só é preciso paciência para ouvir o nordestino conversador, que não tira o sorriso do rosto desde a hora que chega no ponto de ônibus para mais um dia de distração, apesar do trabalho. Aposentado desde os 68 anos, ele não conseguiu lidar com os dias livres e decidiu vender salgadinho no ponto de ônibus.

Para se acostumar ao jeito sul-mato-grossense, ele deixou até alguns costumes de lado, só para ninguém achar que está sendo mal educado. "A gente tem nossas gírias, mas desde que cheguei aqui nunca mais falei arriégua e cabra da petes . Hoje é só bom dia mesmo", garante.

Na base da conversa conquista amigos e clientes fiéis. (Foto: André Bittar)

Ele diz que não sobrevive das vendas, mas a iniciativa foi um santo remédio para qualquer tristeza e depressão dentro de casa. "Sempre fui um homem trabalhador, tudo que conquistei foi na raça. O dia que me aposentei e vi que teria que passar o resto dos dias dentro de casa, eu fiquei doido e vim pra rua". 

Com pouco investimento, ele comprou um carrinho e também construiu um salão pequeno na frente da casa em que mora no Jardim Imá, só para a esposa tomar conta dos negócios. Mas pela experiência de casado, nem de longe ele quis trabalhar ao lado dela como sócio. "Homem e mulher tem que trabalhar mesmo, mas marido e esposa como patrões? Não dá certo, por isso eu prefiro trabalhar longe", brinca. 

É nas ruas que o nordestino se destaca e ganha mais amigos do que imaginava. Depois de chegar em Campo Grande em busca de uma vida melhor, Carlos só teve motivos para agradecer e agora não encontra razões para deixar de ser feliz com as pessoas. 

"Sempre tive esse jeito alegre mesmo. Acho que coisa de nordestino levar os problemas de um jeito mais simples, então tudo que eu conquistei está bom demais pra mim".

Carlos fica no ponto de ônibus todos os dias.

Por isso, no ponto de ônibus todo dia é uma lição de boas maneiras a quem insiste sair de casa com bom humor. "Nordestino tem um sistema, bom dia, obrigado, por gentileza e com licença é coisa que não pode faltar. Então, quando alguém passa e não fala comigo, eu dobro no bom dia e no tudo bem. Ter mal humor pra que? Todo mundo tem problema, mas a gente tem que ser educado".

Assim como veio ao mundo para aprender, ela acredita que tem muito a ensinar. "Eu sei do que falo por experiência de vida. Também vim de um lugar difícil, mas é só a gente vê a vida com outros olhos, minha filha".

Pai de 4 filhos e 6 netos, Campo Grande hoje é moradia eterna para Carlos. "A vida no Nordeste era difícil naquela época. Mas hoje melhorou muito, mas tenho tanto orgulho de ter sido bem recebido, que eu voltei pra lá, trouxe toda minha família e continuo aqui". 

Se alguém pensa que está velho demais para ficar no ponto de ônibus faça chuva ou sol, ele diz que força de sobra. "Aqui aguenta muita coisa. Eu já me acostumei com o Centro. É o melhor lugar para ouvir as pessoas e fazer amizade. Não vivo disso daqui, mas sobrevivo longe de ficar em casa sem fazer nada", ensina.

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