Comportamento

Paquera no Alhambra chegou ao altar, uma história prestes a completar 60 anos

Paula Maciulevicius | 07/07/2016 07:24
Tarcísio e Nelly começaram a namorar no Cine Alhambra e se casaram em 1957. (Foto: Arquivo Pessoal)
Tarcísio e Nelly começaram a namorar no Cine Alhambra e se casaram em 1957. (Foto: Arquivo Pessoal)

No filme que Nelly protagonizou, o romance se passa em preto e branco no Cine Alhambra, na década de 50. A paquera que nasceu no local de trabalho do "mocinho", terminou no altar em 1957. Dona de uma história de amor passada próximo às telonas do cinema, Nelly abriu o álbum de casamento ao Lado B, uma parte de seu coração e todo amor que tem por Tarcísio.

Por telefone e pessoalmente, o receio era de não se lembrar das datas. Mas quando o assunto começou, foram poucas as vezes em que a memória de Nelly Hugueney Dal Farra, às vésperas de completar 85 anos, falhou. Se um acontecimento que lhe fugia das recordações, vinha do coração a resposta de quem amou no cinema e fora dele. 

Nascida no Rio de Janeiro, dona Nelly voltou a Campo Grande com 40 dias de vida. Era de praxe, cada filha nascida, a mãe ganhava o bebê ao lado dos avós e depois retornava para a Capital. E foi entre 18 e 19 anos que os olhos dela encontraram os de Tarcísio, o moço vindo de Botucatu gerenciar os cinemas aqui, à época em que ela trabalhava nos Correios.

Hoje, aos 84 anos, a dona da história abre para nós o álbum de casamento. (Foto: Marina Pacheco)

"Ele ficava no escritório na Dom Aquino, em cima do Santa Helena. A gente só dava umas olhadinhas, namoro mesmo foi bem depois", conta. A paquera evoluiu na porta do cinema, na Campo Grande do passado, quando as opções de lazer se resumiam à fila que ia da Afonso Pena até a 14 de Julho.

"Era só cinema mesmo. Chegava domingo, a fila para entrar às vezes descia até a Calógeras ou ao contrário, subia até a 14. Não tinha nada aquela época", descreve dona Nelly.

Tarcísio era o gerente de todos os cinemas: Alhambra, Rialto, Santa Helena e também do da UFMS, o autocine. "Ele ficava à noite lá e era ali que a gente frequentava. Eu o encontrava, conversava um pouquinho, mas não era bem namoro ainda", recorda.

O "namorico" - como prefere assim chamar a relação - só ganhou status mesmo quando Tarcísio foi visitar Nelly durante as férias dela, no Rio de Janeiro e foi assaltado. Os bandidos o esfaquearam e as irmãs foram de São Paulo para acompanhar. Depois de passado o episódio, é que o namoro virou compromisso.

"Só nos casamos em 57, foi um ano de noivado. Nessa foto aqui, ele me contava que era uma piada que eu tinha feito: 'Eu custei, mas te peguei', era isso que ele contava da foto. Não sei se estava brincando", narra a dona da história.

Tarcísio foi gerente dos cinemas de Campo Grande na época durante 45 anos. (Foto: Marina Pacheco)

Tarcísio era, na visão de dona Nelly, um homem muito educado, atencioso e trabalhador. Durante 45 anos tomou conta da rede de cinemas. "E nunca veio uma pessoa da firma para fiscalizar, sabe o que é isso? A confiança nele era máxima".

Ao longo de 12 anos, o casal morou ao lado do Alhambra, onde ele gerenciava e ela abastecia e cuidava da bombonière. Os três filhos cresceram ali: Ricardo, Carlos e Denise. E quando o cinema foi arrendado, Tarcísio se aposentou e a família mudou para um edifício poucas quadras acima.

Quatro anos depois, o gerente do cinema se despediu do amor à Nelly e ao Alhambra, em decorrência de um câncer, em 1986, antes mesmo de completarem três décadas de casados.

No ano seguinte, dona Nelly sofreu mais uma perda. O cenário da sua história de amor viria ao chão. Da demolição do Alhambra, ela preferiu distância. "Não. Eu não assisti. Quando falaram que ia demolir, eu já morava aqui, o Tarcísio já tinha falecido. Eu senti muito, mas não fui ver, não quis saber. Por que? Ia me trazer recordações e não sei te explicar porque, mas seria difícil..."

A despedida de Tarcísio aconteceu antes de eles completarem 30 anos de casados. (Foto: Marina Pacheco)

Às idas ao cinema ficaram para trás, talvez no passado da Nelly menina e toda essa história lhe volta à memória ao coração porque ela tirou do armário o álbum. "Você me fez recordar tudo e é bom... Recordar, é viver e esse é um ditado certo, não é? A gente deve recordar sempre as coisas boas da vida", reflete.

Por curiosidade, pergunto em que parte da trama dona Nelly descobriu que o mocinho era o amor de sua vida. A resposta? "Sabe que eu não sei... Acho que foi o tempo de convivência e ele estava sempre, sempre presente. Quando precisava estava ali para ajudar, tinha uma rotina pesada, trabalhava até 1, 2h da madrugada", relata.

Apesar de estar a poucas quadras do Alhambra, são raras as vezes em que a senhorinha passa por ali. "Se eu sinto falta? Muita... Foi uma época gostosa, dos três filhos pequenos naquela folia, do Tarcísio ali do lado. Eu fui feliz, graças a Deus", diz.

Com o tempo, sem Tarcísio e sem o Cine Alhambra, foram os netos e hoje bisneto que preenchem o espaço que ficou. "Tudo vai enchendo a vida da gente, ele não viu nenhum dos netos..."

O cinema estará para dona Nelly, como dona Nelly estará para ele: sempre ali. A paquera dos anos 50 permanece no Alhambra, apesar de Tarcísio já ter partido e da estrutura do prédio, também. Há coisas que não se pode reencontrar, nem quando a gente volta ao mesmo lugar e deste amor ficaram as lembranças, como num filme branco e preto.

Curta o Lado B no Facebook. 

A paquera dos anos 50 permanece no Alhambra, apesar de Tarcísio já ter partido e da estrutura do prédio, também. (Foto: Marina Pacheco)
Nos siga no