Comportamento

No lugar de um gole, jogadores anônimos lutam para evitar a primeira aposta

Thailla Torres | 26/09/2016 08:15
Nas reuniões, quem vai em busca de ajuda recebem sugestões e só segue adiante quem tem vontade. (Foto: Alcides Neto)
Nas reuniões, quem vai em busca de ajuda recebem sugestões e só segue adiante quem tem vontade. (Foto: Alcides Neto)

“Meu nome é Joaquim*. Sou um jogador compulsivo em recuperação. Evito a primeira aposta só por hoje...”. Nas mesmas palavras conhecidas pelos grupos de AA, começa o relato de quem luta contra a vontade de jogar, durante uma das reuniões do JA (Jogadores Anônimos).

Quem resolveu tomar uma atitude contra a compulsão, prova que o desejo sem limites de superar um oponente tem aparecido cada vez mais cedo. O bingo clandestino, o baralho e os jogos da internet sustentam a dependência.

O tamanho das reuniões varia muito. Dessa vez, só três pessoas participam de um momento que serve para fortalecer a luta individual. A explicação está nas recaídas. "Tem gente que fica sem jogar por um tempo e acredita que não tem necessidade de continuar frequentando. Mas a maioria falta porque voltou a jogar", explica um dos homens que coordena o encontro. 

Depois de uma oração e agradecimento por mais uma semana. A sala pequena é o refúgio e os ouvidos para quem tem a falar. 

Joaquim é um dos que chegou a passar noites fora de casa colocando o trabalho como desculpa, enquanto perdia as horas jogando em bingos clandestinos da cidade. Perdeu dinheiro, carro, casa e o casamento. A compulsão, ele conta, começou ainda na infância. “Eu já era compulsivo em jogos em parquinhos de diversão, tinha dificuldade em fazer algo como diversão e as vezes gastava todo dinheiro que eu tinha só para ganhar uma bola”, lembra.

Funcionário público e com vida financeira estável, aos 35 anos começou a fazer de tudo para permanecer jogando. “Eu precisava de dinheiro e, faltando para jogar, comecei a vender os pertences. A gente deixa de comprar carne de primeira para sobrar dinheiro. Depois o jeito foi recorrer ao agiota, troquei o carro novo por um mais velho, vendi um lote, vendi a casa e por fim comecei a andar de ônibus. As horas jogando me fizeram perder o casamento e minha família”, descreve.

Anonimato é um dos princípios de cada reunião. (Foto: Alcides Neto)

Em outro depoimento, Pedro*, de 43 anos, casado, pai de 2 filhos, conta que está sem jogar desde fevereiro. Entrou para o JA em 2004, de lá pra cá, assume que teve recaídas e precisou encontrar forças para não perder a família no jogo. "Na fazenda do meu pai tinha mesa de sinuca, comecei pequeno, olhando as pessoas jogarem. Reprovei na sétima série jogando. Adulto, me aproximei dos cassinos e bingos, jogava como se não tivesse fim", descreve.

Compulsivo pela jogatina, afirma que a busca por ajuda só aconteceu quando a família descobriu. "Quando mais você joga, mais você acredita que pode ganhar. O pior foi começar a colocar em risco a vida, assim que agiota começou a bater na minha porta para me cobrar. Nesse momento foi que minha esposa descobriu. Quase perdi meu casamento", conta. 

Quando o próprio jogador se dá conta da compulsividade, é um processo doloroso. Márcio*, de 46 anos, já está há 1 ano longe dos bingos, depois de muito dinheiro perdido. "Eu ia para a fronteira em Ponta Porã jogar em um bingo. Teve uma noite que cheguei no cassino com R$ 4,8 mil e sai de lá só com R$ 300. Quando eu vi que não tinha mais dinheiro, rasguei o que sobrou jurando pra mim que nunca mais jogaria. Não deu nem uma semana até conseguir mais dinheiro para voltar a jogar", lembra. 

A maioria quando chega até a porta, está no fundo do poço. Mesmo com meses ou até anos sem recaídas, a sala da reunião tem de ser uma rotina nessa luta. De cada 10, só a metade permanece.

“Muita gente pergunta porque continuamos vindo às reuniões sem vontade de jogar. Mas a verdade é que só um jogador compulsivo entende o outro. Surge a dor pela perda financeira, as dívidas e o desajuste familiar. Com isso, o jogador compulsivo se defende com todas as armas, uma delas é a mentira. Infelizmente, todos esses problemas levam o jogador ao pior, muito enfrentam o alcoolismo e até mesmo a depressão”, cita Joaquim.

A recuperação é demorada, pode levar anos, mas faz surgir uma nova vida.

“O jogador é um cara insatisfeito. Por mais dinheiro que ele tenha, aquilo é uma válvula de escape e se paga um preço alto. Não tem essa de condição financeira, no JA temos pessoas com um salário mínimo e gente que ganha 60 mil passando pelo mesmo problema. A doença é a mesma”, adverte.

Horas no computador - A péssima novidade nessa história é que o problema tem levado muitos adolescentes a uma vida amarrada ao computador, o que também acaba chegando as reuniões. “Não tem uma idade certa para isso acontecer, mas quem é propenso à compulsão, em algum momento ela aparece. Nossa maior preocupação hoje, é com os internautas. Temos companheiros que chegam aqui com 16 anos”, lamenta.

Em alguns casos, esses adolescentes chegam a passar 48 horas sentados em frente ao computador jogando. Não se preocupam com banho, comida e se esquecem de tudo que não seja marcar pontos, ultrapassar barreiras ou eliminar opositores.

Nas reuniões, quem vai em busca de ajuda recebe sugestões e só segue adiante quem tem vontade. “A sugestão é evitar primeira aposta só por hoje. O ontem já passou e o amanhã eu não sei se vem. Mas de 24 em 24 horas, assim que a gente faz essa determinação conosco, começamos a dormir melhor, se sentir fortalecido e olhar a vida de outra forma", comenta. 

Joaquim, Pedro e Márcio, estão sem jogar e hoje participam como membros no encontro mantido por homens e mulheres que compartilham suas experiências, força e esperança para resolver o problema. O grupo tem como princípio o anonimato, para garantir que os membros mantenham a participação.

Se você acredita que tem problemas com o jogo ou conhece alguém que tenha, as reuniões acontecem toda quinta-feira, às 19h, na Rua Maracaju, 249, sala 01. O telefone para contato é: (67) 98473-1321 ou informações pelo site.

* Joaquim, Pedro e Márcio são nomes fictícios para preservar a identidade dos membros do JA.

 

 

 

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