Comportamento

No Dia de São João, xará do santo comemora recorde de vida: 115 anos

Elverson Cardozo | 24/06/2014 18:28
"Nos panos", Dominguinhos se mostrou alegre com o aniversário. (Foto: Cleber Gellio)
"Nos panos", Dominguinhos se mostrou alegre com o aniversário. (Foto: Cleber Gellio)

Não é todo mundo que chega aos 115 anos, mas João da Rosa alcançou a marca nesta terça-feira (24) e comemorou a data rodeado de desconhecidos, voluntários, jornalistas, amigos, também idosos, e funcionários que fez dentro do Asilo São Bosco, no bairro Tiradentes, em Campo Grande, onde mora há mais de duas décadas.

A idade, que o coloca como um dos homens mais velhos do mundo, é controversa, porque o registro de nascimento é mais um daqueles feitos tardiamente. Mesmo assim, independente disso, há motivos de sobra para comemorar.

A festa do vôzinho caiu bem no Dia de São João. Foi em ritmo junino, com direito a bandeirolas coloridas decorando o salão e algumas, poucas, comidas típicas, como arroz doce e curau.

Senhor chegou ao asilo sem documentos. (Foto: Cleber Gellio)

Não teve quadrilha, mas a banda de música mirim da PM (Polícia Militar) fez o som. O repertório incluiu dobrados militares, como "Semper Fidelis", "Marcha de Guerra do Brasil" e, entre outras canções, até “Rolling In The Deep" (instrumental), da cantora Adele. A "playlist" é usada na maioria das apresentações do grupo.

Teve o “Parabéns” tradicional, claro, mas João, Dominguinhos, como é carinhosamente chamado, não pôde ouvir e nem agradecer os cumprimentos. Há 3 ou 4 anos, não fala e nem escuta mais.

Sentado na cadeira de rodas, perto do bolo, da identidade e da Certidão de Nascimento, que estavam à disposição dos curiosos, ele se mostrou alegre. Permaneceu a maior parte do tempo com a cabeça baixa, mas sorriu. As fotografias não negam.

Vestia um terno cinza com risca de giz, uma camisa rosa e, nos pés, sapatos marrom com meias brancas à mostra. O look, de um loja popular, custou R$ 170,00. “Foi presente. Eu que comprei. Ele gosta”, disse a coordenadora administrativa Josinete de Oliveira Pereira, de 35 anos.

“Mas uma grife da cidade podia vestir ele, né? Não merece?”, questionou a supervisora de cuidadores, Djanira Aparecida, que pouco sabe sobre a história do senhor.

De onde veio ? - Irmã Fausta Costa Passionista, 86, tem mais detalhes. “Ele chegou por determinação de um juiz e depois de uma denúncia. Estava jogado na rua. Os parentes nunca vieram visitá-lo”, contou, ao dizer que, na época, era diretora da entidade.

Irmã Fausta foi quem correu atrás da documentação de João da Rosa. (Foto: Cleber Gellio)

Dominguinhos não tinha nem documentos. Só foi fazer o RG em maio de 1998, depois dos 90 anos. A data de nascimento que aparece no registro - 24 de junho de 1899 - foi informada por uma mulher que o conhecia e que o reconheceu durante uma visita. “Ela disse que ele trabalhou na fazenda do pai dela, em Maracaju”, relembrou.

Cecília Cristina da Rosa, que seria a mãe, aparece na filiação, mas irmã Fausta não soube informar como chegaram a esse nome.

Psicóloga do asilo, Selma Negreiros, de 61 anos, tem informações complementares e divergentes. Pelos relatos dela, o senhor nasceu em Maracaju, na Fazenda Santo Antônio, onde passou boa parte da vida trabalhando e ajudando a criar os filhos dos patrões.

Teria sido, segundo ela, “funcionário de grande confiança e anjo da guarda da família”, mas não construiu a própria história. Não casou e não teve filhos. Foi acolhido no asilo porque seu patrão, já com certa idade e doente, não conseguiu cuidar dele.

No asilo, poucos sabem da vida dele, mas a maioria tem a imagem de um senhor tranquilo que, quando gozava de boa saúde, não gostava de ficar parado. “Ele ajudava bastante a gente, lavando louça, varrendo fora, carregando baldes. Nunca falou da família”, relatou a cuidadora de alimentação especial Maria da Gloria, de 57 anos.

Hoje, ela também participou da festa. “É uma felicidade. Tem que agradecer a Deus por tantos anos de vida”, afirmou.

Festa reuniu desconhecidos, voluntários, jornalistas, idosos que moram no local e funcionários. (Foto: Cleber Gellio)

Lino Lima, de 65 anos, outro idoso que mora no local, comentou a mesma coisa. “Eu podia alcançar os 400”, brincou. Do lado das mulheres, Rosa Ferreira Gonçalves, 77, a Rosinha, que também vive no asilo, ficou impressionada com os 115 anos de Dominguinhos, mas ela mesma não tem planos para o futuro.

“Às vezes acho que já vivi muito tempo. Tenho muito desgosto por ter perdido minha vista, mas seja feita a vontade de Deus. A gente vive até quando ele marcou”.

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