Comportamento

Ñemyrõ, mbyasy...só um monte de letras para quem não se importa com significados

Ângela Kempfer | 19/04/2016 15:11
Ñemyrõ é o “estado bastante melancólico, quando uma profunda tristeza abate-se sobre a pessoa. (Foto: Marcos Ermínio)
Ñemyrõ é o “estado bastante melancólico, quando uma profunda tristeza abate-se sobre a pessoa. (Foto: Marcos Ermínio)

Descobri hoje uma expressão guarani que fala muito sobre a sensação que tenho em relação à luta indígena em Mato Grosso do Sul, apesar de viver longe de qualquer aldeia, só geograficamente.

Fiquei tocada pelo significado da palavra ñemyrõ. Para os índios, é o “estado bastante melancólico, quando uma profunda tristeza abate-se sobre a pessoa que não vê mais solução para seus problemas”.

Se for olhar só para o nosso umbigo, é também como muitos brasileiros dizem se sentir em relação ao País hoje.

Mas chega a ser desrespeitoso recorrer a essa palavra para traduzir emoção que não seja de um guarani. Para os índios, ñemyrõ é também o estado de espírito que, geralmente, precede o suicídio.

Na língua deles, depois de morte tão trágica, o coração é tomado pela mbyasy, “a tristeza por ter perdido um ente querido ou algo muito valioso”. Uma condição que leva às lágrimas e muitas vezes, à bebida. Sobra então na família o jahe’o, “sentimento que é resultado de perdas, estado de choro, lamento constantemente”.

O ex-aluno indígena da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), Tonico Benites, colocou todos esses sentimentos no E-book Avañe'e, de língua guarani, lançado nesta terça-feira (19) para comemorar o Dia do Índio.

Ele é guarani-kaiowá e cresceu em Tacuru, uma das regiões mais pobres do Estado. Conquistou o diploma de graduação e não parou mais.

É invejável o currículo de Tonico. Aos 44 anos, já concluiu o mestrado e o doutorado em Antropologia Social, com ênfase em Educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agora, faz o pós-doutorado, com estudos no Brasil e na universidade Sorbonne, na França. É o primeiro índio de Mato Grosso do Sul a cursar o pós-doutorado.

O dicionário criado por ele é dirigido ao não-índio e foi feito ao lado do professor do Curso de Letras, Adilson Crepalde, com apoio do guarani Adão Ferreira Benites.

O livro surgiu para simplificar as coisas. "Muitos profissionais da saúde, do turismo, que trabalhavam com comunidades indígenas na área de fronteira do Brasil com o Paraguai, me procuravam porque eu falava guarani. Eles queriam informações, queriam aprender a língua", explica Tonico.

O E-Book ensina de sentimentos, ao básico para uma conversa. “Mba’éichapa nde réra?”, por exemplo, significa “Qual é seu nome?”

E, apesar da melancolia que abre este texto, o livro também fala de “Vy’a”, na tradução para o português, de “alegria, de contentamento”.

Veja aqui o E-Book guarani.

 

Nos siga no