Comportamento

Na padaria, no carro, na vida, não morda a isca do bate-boca eleitoral gratuito

Para sobreviver com dignidade nesse mar de gente enlouquecida, o mais saudável é nadar contra a corrente.

Ângela Kempfer | 10/10/2018 09:26
Como o peixe que morre pela boca, o momento é de muita gente louca puxando briga e os tolos mordendo a isca.
Como o peixe que morre pela boca, o momento é de muita gente louca puxando briga e os tolos mordendo a isca.

A guerra civil já começou e a arma é a impaciência. O pãozinho na chapa de manhã, quando chega frio à mesa, é motivo suficiente para a artilharia pesada. Um “quase” atropelamento no trânsito então...é capaz de gerar granadas de histeria coletiva. Nas ruas de Campo Grande ou de qualquer outro lugar do Brasil, a única bandeira branca possível hoje é a paciência.

No fim do ano passado, quando as coisas já estavam bem nervosas, em uma formatura de Direito ouvi de um dos professores o melhor conselho dessas eleições: “Não morda a isca”. Gente doutrinada não muda de ideia e melhor que ter razão é exercitar a sabedoria.

Complicado é resistir a esse pesque e solte. Os trogloditas andam por aí puxando briga e os tolos morrem pela boca. O esquema “morde a isca e volta para a água corrente” transforma a rotina em manicômio.

E os relatos de como o jogo saiu do controle são diários, com fatos triviais que viram batalha entre desconhecidos ou gente, até então, muito próxima. 

Um dia na trincheira - Logo cedo, escuto o relato da briga em padaria do Carandá Bosque envolvendo publicitária e advogado, dois eleitores em lados opostos politicamente, disputando o voto de um dos funcionários, com direito a gritos e palavras de ordem. 

Depois, ao virar uma esquina na Rua Euclides da Cunha, com sinal verde, aberto, e em baixa velocidade, a cena é de uma mulher “triscando” em um pedestre que atravessa na faixa de segurança. Ele está certo. Ela errada, claro. 

Apesar de nenhum ferido e do “errar é humano”, a "vítima" ganha potência com palavras de ordem no meio do cruzamento, tira fotos, faz vídeo. Porque, afinal, em tempos de discursos de honestidade e perfeição, qualquer erro é munição impossível de desperdiçar.

Ao invés de responder com desaforos, ela pede desculpas. O homem se acalma e "perdoa". Mas ao redor, gente de todo tipo esbraveja porque o personagem da vez é o de defensor da ética e dos bons costumes na véspera do 2º turno.

No mesmo dia, a filha leva um tiro no coração ao pedir ajuda ao pai para pegar a neta na escola, como ocorre uma vez por semana, religiosamente. A resposta tem o efeito de bala perdida: “Por que você não pede para os seus amigos LGBT?” (isso aconteceu comigo!). 

Nessa guerra civil, não há chance de debate sério. A ditadura do maniqueismo se instalou no Brasil. Não há outro tom disponível na paleta de cores entre o amarelo e o vermelho. 

Para sobreviver com dignidade nesse mar de gente enlouquecida, o mais saudável é nadar contra a corrente.  

Daniel Miranda, professor do curso de Ciências Sociais da UFMS e doutor em Ciências Políticas reforça que  "está tudo muito aflorado". Na avaliação dele, "as pessoas transportaram sentimentos para o campo da política de uma forma muito intensa. O problema começa com os candidatos que acabam incendiando o coração das pessoas".

A rede social influencia e, para quem não quer briga, a tendência é se isolar, excluir, bloquear ou colocar no modo "soneca". Mas Daniel acha importante o debate, desde que seja sério. "É positivo que as pessoas estejam se colocando na política, uma pena que há tantas noticias falsas e isso perturba as discussões. É bacana que estejam mobilizadas, isso de certa forma torna o cidadão mais consciente".

Para não morder a isca e transformar o que pode ser produtivo em algo tóxico, ele aconselha: "Se você percebe que a pessoa vem com uma visão alimentada e não vai mudar, que é difícil contrapor naquele momento, é melhor abrir mão da conversa. A primeira estratégia para não se envolver em um bate-boca é perceber se a pessoa está disposta a expor a opinião e ouvir o outro lado, senão essa conversa é realmente uma perda de tempo."

Em mais uma tarde de jogo de damas e conversa fiada na Praça Ary Coelho, Raimundo Carlos Sobrinho, de 75 anos, é sabedoria popular de quem já viveu muito. “Eu nunca me envolvi em confusão. Se o cara está caçando briga eu saio de perto para viver um dia a mais. Briga não vale para nós e nem para os políticos. Está bravo? Afasta um pouquinho, acalma e depois segue adiante", ensina.

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