Comportamento

Na era da selfie, latas de sardinha ainda viram câmeras fotográficas

Thailla Torres | 12/07/2016 06:25
Entre latas e olhares, crianças criam, fotografam e participam de exposição em Museu. (Foto: Fernando Antunes)
Entre latas e olhares, crianças criam, fotografam e participam de exposição em Museu. (Foto: Fernando Antunes)

Enquanto recorta um pedaço de papelão e olha para a lata de sardinha, Yasmin, de 13 anos, demonstra a incerteza na voz. "Eu ainda duvido que isso daqui vai fazer uma foto", descreve, mas sem desistir de finalizar sua própria câmera.

Com a latinha na mão, ela e mais 20 crianças e adolescentes não tiram os olhos do agente social que dá instruções de como fazer o equipamento. A ação faz parte do projeto Entre Latas e Olhares, do grupo Fronteira Social no espaço Casa Azul em Campo Grande. 

Entre tantos projetos, a ideia é desmistificar a fotografia, ensinando de uma maneira lúdica e didática. Sem equipamentos profissionais, o grupo de voluntários e fotógrafos mostra que é muito fácil se expressar com imagens.

O projeto nasceu na Argentina e o cineasta Evandro Sudré decidiu trazer a referência para o Brasil. (Foto: Fernando Antunes)

O projeto foi idealizado na Argentina pelo missionário Jhonatan Cesar Bpn, mas chegou ao Brasil pelas mãos do cineasta e missionário Evandro Sudré, que participou da primeira edição durante um ação voluntária. O trabalho começa pela construção das próprias câmeras, chamadas pinholes, produzidas com latas. 

Evandro mostra que a maneira de fazer é simples e permite a garotada sair a campo para fazer os registros se divertindo. "As latas abrigam o filme que também servirá como câmara escura. Um buraco é feito com um alfinete na frente da lata, por onde entrará a luz, e um pedaço de papelão na parte externa fecha e abre o buraco, quando movido pelo fotógrafo faz o papel de obturador, expondo o filme à luz", explica. 

Utilizando materiais simples, o resto é tudo customização. Além da lata, na frente é um ralo de pia que simula a lente. Por dentro, são colocados os filmes. Na parte superior da latinha, está uma bucha de parafuso, que vai girando e fotografando.

Tudo é produzido com o auxílio dos voluntários e, depois de pronta, os alunos saem a campo para fotografar na região da Vila Aimoré. Após uma tarde de olhares, no fim do dia, os filmes de cada máquina são recolhidos e encaminhados para revelação.

A lata de sardinha e o ralo de pia foram alguns dos objetos utilizados. (Foto: Fernando Antunes)
Por dentro o filme que vai garantir os retratos. (Foto: Fernando Antunes)
Objetos utilizados para produção da câmera, foram doados por um laboratório de fotografia. (Foto: Fernando Antunes)

E é aí que surge a emoção e o desejo de sonhar cada vez mais. Quem nunca teve contato com a fotografia, segura nas mãos a liberdade de mostrar os seus próprios valores e a realidade onde vivem. "O resultado mostra a realidade da criança que as vezes a gente não conhece e o trabalho artístico. Porque fica uma fotografia um pouco abstrata, depois de revelada, ela não fica totalmente nítida", conta o professor.

Mesmo sem intenção, o olhar sempre mostra algo.  "O que a gente percebe é que são os valores delas. Porque quando você fotografa sem nenhuma intenção, você fotografa de coração aberto. E depois de reveladas, a gente percebe a realidade, os valores e a educação que eles têm", pontua. 

Segundo Evandro, é também uma maneira revelar a pureza que se perde na vida adulta. "Por exemplo, quando a gente vê um córrego todo sujo, não enxergamos com a mesma beleza. Mas para criança ainda é um rio. São bem interessantes para perceber as coisas que fazem parte do sentimento e do olhar delas", descreve.

O passo a passo desperta curiosidade. (Foto: Fernando Antunes)
Agentes sociais ajudam no manuseio de cola quente. (Foto: Fernando Antunes)

Depois de reveladas, as fotografias serão selecionadas. Cada aluno vai ter uma foto escolhida e todas as imagens serão expostas no dia 02 de agosto no MIS (Museu da Imagem e do Som).

O que se espera é um impacto social, envolvendo toda a família. "Aproximar a criança dos familiares, mostrar que elas são motivo de orgulho, trazer dignidade e quem sabe até instigar essas crianças a fotografar profissionalmente", comenta. 

Depois dessa experiência, a vontade é retornar, agora utilizando câmeras profissionais. "A gente quer aproveitar essa dinâmica mais didática para criar esse amor pela fotografia", explica. 

Além da fotografia, outros projetos como teatro e música também serão realizados com as alunas. A ideia do Fronteira Social é trazer profissionais para perto do voluntariado e trabalho social, não só aqui em Campo Grande, mas para qualquer lugar do mundo. "Queremos profissionalizar e contribuir no desenvolvimento humano. Essa câmera não tem valor de venda, mas dentro projeto ela já ensina a fotografar e a construir. Então o que a gente quer dar, são coisas de valor humano", destaca Evandro. 

A exposição será realizada no dia 02 de agosto no MIS (Museu da Imagem e do Som) que fica na Avenida Fernando Corrêa da Costa, 559, Centro. 

Veja na galeria os primeiros registros das crianças do projeto na Vila Aimore, região sul da Capital. 

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