Comportamento

Margarida reconstruiu a vida, mas nada apaga saudade da mãe deixada no Japão

O período mais difícil foi durante a 2ª guerra mundial, quando a comunicação com o resto da família foi cortada.

Kimberly Teodoro | 18/08/2019 07:46
No quadro, uma foto de Margarida aos 33 anos.
No quadro, uma foto de Margarida aos 33 anos.

“Só um pouquinho vaidosa”, a senhora de 93 anos espera pela equipe de reportagem sentada na varanda com os cabelos penteados e enfeitados por uma faixa vintage, dessas que voltaram à moda, no pescoço, um colar de pérolas para acompanhar os brincos e anéis cheios de brilho. Para completar o look, um cinto marca a cintura do vestido leve para as tardes quentes de Campo Grande.

Margarida Tsukiyo Tamizawe, escreve em letras firmes e cheias de voltas elaboradas para que eu entenda a grafia correta na hora de redigir a reportagem. Impressionada pela firmeza das mãos, pergunto se ela ainda tem esse hábito. “Desde que saí do navio em que vim do Japão. Terminamos a quarta-série em alto mar, como se nunca tivéssemos deixado a escola”, responde com um sotaque carregado mesmo depois de 80 anos vivendo no Brasil e falando português.

Ainda menina, “Dona Marga” como é conhecida, chegou por aqui em 1936 no terceiro navio a deixar o país natal. “Meu pai assistiu um filme que mostrava o Brasil, depois disso começou a achar que o paraíso. Tinham galinhas subindo em cima do fogão para comer milho, porquinhos pequenos correndo pela casa, uma vida no campo que não se via no Japão”.

Com o acordo de trabalhar nos cafezais do interior de São Paulo, a família não pagou a passagem, mas precisou deixar para trás a mãe de Margarida, que na época estava com conjuntivite e foi proibida de embarcar.

Nascida no Japão, Margarida chegou no Brasil ainda menina.

“Quando a minha mãe ficou no porto, meu pai prometeu que voltaríamos em três anos”, relembra. Foram necessários anos de planejamento para que a família pudesse vir ao Brasil, originários de Tóquio, eles precisaram se mudar para Fukushima, cidade natal da mãe de Margarida, para conseguir o visto que só era concedido a quem vivia no interior por pelo menos 24 meses.

Por lá, a família investiu em um hotel perto das fontes de águas termais e que foi gerenciado pela mãe de Margarida até idade avançada. Sem saber se o local ainda existe, ela mostra um panfleto colorido enviado pelo correio. Apesar da distância, o contato foi mantido por cartas até o início da segunda guerra mundial, quando a comunicação entre os dois países foi cortada.

“Foram sete anos muito tristes, em que não tínhamos notícia da minha mãe. Meu pai nunca se casou de novo e também nunca pudemos voltar para casa porque o dinheiro que meu pai tinha juntado para trazer foi roubado assim que chegamos aqui”.

Quando questionada sobre a decisão do pai, Margarida diz acreditar que ele se arrepende da decisão que separou a família.

 

Panfleto do hotel da família em Fukushima.
Na foto da esquerda, um retrato da mãe enviado por carta.

Ainda na infância teve osteomielite, uma doença que atinge os ossos e precisou passar quase toda a adolescência no Hospital de Lins, sem que a perna fosse completamente curada mesmo depois de várias intervenções cirúrgicas. No tempo que passou internada, aprendeu português e passou a observar as enfermeiras, seguindo a profissão pouco tempo depois. Especializada em obstetrícia, ela afirma com orgulho já ter feito mais de mil e quinhentos partos.

Sem poder voltar para casa, onde seria vista como uma mulher estrangeira e não conseguiria se casar, Margarida conta reconstruir a vida em terras brasileiras não foi fácil. “No Japão as mulheres são vendidas à família do noivo, cerca de vinte, trinta mil e precisam ser educadas à maneira tradicional para servir ao marido”.

Com uma vida dedicada a cuidar dos outros, Margarida só se casou mais tarde, depois dos 33 anos. Depois que o tempo de serviço da fazenda acabou, ela acompanhou a família ao Paraná, onde o pai passou a se dedicar à carpintaria e ela passou a trabalhar no Hospital de Londrina, região em que conheceu o marido Paulo Tsukiyo.

Diferente dela, os pais de Paulo vieram para o Brasil no primeiro navio a deixar a terra natal e ele nasceu aqui quando os pais já haviam construído a vida. Já em idade avançada para ter filhos na época, Margarida e Paulo adotaram um menino. “Eu queria muito ser mãe e ele era filho de uma das moças a quem ajudei a dar a luz. Ela era uma japonesa muito nova, ainda solteira e tinha se envolvido com um brasileiro. Fiquei com a criança para que ela não fosse desonrada e ela voltou para a vida normal”, conta.

Margarida e Paulo, na antiga casa no Coronel Antonino.
Margarida, o afilhado e o filho, Cláudio.

Mecânico, a companhia em que ele trabalhava no Paraná fechou as portas e o casal e o filho vieram se aventurar em Mato Grosso do Sul na década de 1970. Na época, o costume de partos em casa e nas fazendas era maior por aqui e Margarida acabou se afastando do trabalho no hospital e se envolvendo com a comunidade católica do bairro Coronel Antonino, onde morava.

Entre as maiores saudades, a do filho Cláudio, que partiu aos 32 anos em 2001, por complicações aos medicamentos que precisava tomar para controlar a esquizofrenia. Pouco tempo depois, há mais ou menos dez anos, Paulo também se foi e Margarida encontrou um novo lar na casa de Débora Freitas.

“Ela conheceu meus pais antes mesmo deles se casarem, cuidou de mim desde pequena e hoje é da família”, explica Débora. Pela idade, Margarida não pode mais morar sozinha e sem querer se afastar da Comunidade do Caminho Neocatecumenal, em que faz parte da primeira geração e nem dos amigos que fez no bairro.

Hoje, aos 93 anos ainda sente falta de casa, da mãe e dos três irmãos que ficaram para trás, mas ainda mantém contato com os sobrinhos, tanto os do Japão quanto os do Paraná. Por hábito e para se manter atualizada sobre a cultura da terra natal, assiste todos os dias à TV Nikkey. “A língua mudou muito, eles falam muito rápido, mas ainda consigo acompanhar”, conta.

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