Comportamento

Juiz surpreende casal gay ao autorizar adoção de menino de 10 anos

Elverson Cardozo | 23/10/2014 06:19
Juiz Fernando Moreira lendo a sentença. (Foto: Assessoria)
Juiz Fernando Moreira lendo a sentença. (Foto: Assessoria)

“Hoje eu acordei, fiz café da manhã, levei ele para fazer atividade física.... Ele me chama de tio ainda. Entendo que ele precisa desse tempo para sentir que sou o pai dele, mas quando alguém pergunta o que ele é do Gil, ele fala: 'sou filho'. Até ele me chamar de pai vai demorar um pouco, mas ele sabe que o amor é de pai”.

O relato é do educador físico Gil Alessandro Xavier, morador de Campo Grande, que se tornou pai esta semana, aos 31 anos, ao lado do marido, o administrador Rogério Souza Sarat, da mesma idade. O casal está junto desde 2006.

O filho em questão é um garoto de 10 anos, fruto de uma adoção concedida pelo juiz da 2ª Vara Civil Criminal, da Infância e Juventude de Sidrolândia, Fernando Moreira Freitas da Silva. A decisão, inédita no município, que fica a 71 quilômetros da Capital, foi proferida, em uma leitura emocionada, ao final de um curso de adoção realizado pelo Fórum da cidade na segunda (20) e na terça-feira (21).

No último dia, Gil e Rogério foram convidados para dar depoimentos já que, semanas antes, os dois haviam participado da mesma ação e saíram bastante satisfeitos, com uma nova visão acerca do assunto, especialmente sobre adoção tardia. O que eles não sabiam é que, desta vez, deixaram o Fórum como pais.

“Fui crente de que daria só o depoimento para estimular outros casais, só que, ao final do discurso, o juiz chamou eu e o meu companheiro no palco para dizer que estava entregando a guarda e que a gente poderia passar no abrigo e voltar com ele para casa”, conta.

Foi um sonho realizado e uma verdadeira surpresa porque o processo, pelo menos para eles, foi super-rápido. Demorou cerca de duas semanas. Gil e Rogério caíram no choro e, claro, emocionaram a plateia.

Nem Fernando Moreira, o juiz, conseguiu segurar as lágrimas. “Não teve como. Nós, juízes da infância, fazemos um trabalho muito mais braçal que intelectual, que é de correr atrás, buscar, ficar na torcida, na expectativa. Então, quando aparece uma situação dessa, que era um problema que eu esperava resolver, mas não agora, só depois de muitas tentativas, a gente fica realmente emocionado”.

Ele fala em problema porque a situação, de fato, era um problema, e dos grandes. Na fila da adoção, o garoto, com 10 anos, era considerado uma “criança idosa”. Desde o início do ano, Fernando estava procurando casais interessados, mas nenhum quis adotar o menino. A grande maioria prefere os “novinhos”.

De repente, o juiz se deparou com o pedido de Gil e Rogério, que queriam ser pais, não importava a idade e nem o sexo do futuro filho. Foi aí que ele decidiu fazer a surpresa e conceder, de forma pública, a adoção aos dois.

Hoje, a criança, afirma Gil, está feliz e fazendo a felicidade da casa. Tem uma lar para chamar de seu e pais que o amam. A relação de afeto é uma novidade para ele porque o passado, ao lado da família biológica, foi um terror.

“Ele é o último em um grupo de quatro irmãos. Foi vítima de negligência. Foi abandonado pela mãe e pelo pai, que são usuários de drogas. Foi morar com a vó, mas ela não quis mais ele depois de um certo tempo. Desde então, ele estava em um abrigo”, conta o juiz.

Em Sidrolândia, a decisão é inédita, porque nunca ocorreu algo assim na cidade, mas isso, pontua o magistrado, sinaliza uma mudança positiva em todo o país.

“Atualmente o judiciário tem se mostrado, quebrado tabus e preconceitos. O próprio Supremo [Tribunal Federal] dizia que não era possível casamento de pessoas do mesmo sexo e, de repente, mudou o pensamento. Todas as consequências disso vão sendo possibilitadas”, argumenta. “O amor é a chave. […] O que nos une é o amor”, finaliza.

Os novos papais, Gil e Rogério, tem certeza disso. “Quando foi perguntado se ele se importava em ter dois pais, ele falou: posso ter dois, três... O que quero é ser amado. Eu posso, e o Rogério também, dar amor para essa criança e fazer ela feliz”, declara o educador físico.

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