Comportamento

Há mais sofrimento pelas preces atendidas do que por aquelas que não o foram

Andrea Brunetto* | 28/09/2014 08:43
A cineasta Isabel Coixet. (Foto: Reprodução/Internet)
A cineasta Isabel Coixet. (Foto: Reprodução/Internet)

A obra da cineasta espanhola Isabel Coixet é impressionante, pois consegue duas façanhas. A primeira é fazer um cinema hollywoodiano com a densidade do cinema europeu; e a segunda, se repetir sempre em filmes com histórias tão diferentes. Sim, achamos que todos seus filmes falam do mesmo: o amor perdido, a felicidade inalcançável, que seus personagens buscam para aplacar uma falta, e sua consequente impossibilidade de alcançá-la, a relação entre as palavras e o desejo.

O cinema tem uma estética que necessita de belas imagens e Coixet triunfa no visível para dizer que o que realmente importa são as palavras, suas histórias secretas, as coisas não ditas, o desejo, a perda. E o amor irrealizado, sempre o amor irrealizado. E para isso usa a ficção. Aliás, não é só no cinema, é próprio da verdade ser dita a partir da ficção.

Vou enfatizar o filme Coisas que nunca te disse. Nele, uma voz faz perguntas sobre o amor: podes amar tanto uma pessoa, que tendo medo de perdê-la, estrague tudo e acabe perdendo-a? Podes despertar ao lado de alguém que nem tinha imaginado conhecer? E estas duas perguntas retratam os protagonistas, Don e Ann. Os dois vivem o sofrimento de uma perda e o desejo que surge por outra pessoa. Don, pós-separação, buscando sentido para sua vida, participará de um projeto intitulado Disk Esperança, no qual escuta ao telefone pessoas que sofrem e, sobretudo, cogitam suicidar-se.

É assim que escutará Ann, que após ser deixada pelo namorado, toma um vidro de removedor de esmaltes. Ela vive atormentada em busca de uma resposta que seu ex-namorado não pôde lhe dar: se até vinte dias atrás, ele a queria, o que aconteceu que agora não quer mais? Como isso é possível? É uma pergunta sobre o desejo, embora ela use a palavra felicidade. No telefonema em que Don a escuta, ela diz: “eu era uma pessoa feliz. (...). Quando somos felizes não nos damos conta, mas agora não tenho a pessoa que quero. Isso é injusto, deveríamos poder guardar um pouquinho da felicidade para o momento de não mais a termos, armazená-la como fazemos com os cereais em nossa despensa”.

Impossível armazenar a felicidade como cereais ou um pote de sorvete Häagen-Dazs, que ela busca ansiosamente no filme. O filme evidencia que o desejo está nas palavras. Em uma loja, Don reconhecerá Ann como a moça que escutou pelas palavras – sua teoria sobre a injusta felicidade – e será ela a mulher que não tinha imaginado conhecer e que surge inesperadamente.

Ann grava um vídeo para seu ex-namorado em que faz o seguinte questionamento: “em que momento eu comecei a querer-te?” E a resposta: “no momento em que me ligou para dizer que me deixava. Nesse momento me lembrei do amor que sentia, da ternura, do sexo, da tua língua. Dei-me conta que o que sentia antes não era mais do que um simples reflexo do que é o amor. Descobri que não tinha te querido nunca”.

A mesma Ann que tinha definido a felicidade como impossível, agora começa a mostrar o porquê da impossibilidade: tem certeza do amor a partir do momento em que ele é perdido. Essa é a grandeza desse filme: mostrar que o caminho para a satisfação passa entre duas muralhas do impossível. Assim, duas personagens dizem, seguindo Santa Tereza: “há mais sofrimento pelas preces atendidas do que por aquelas que não o foram. Então, tens cuidado com o que pedes”.

 

*Andrea Brunetto é psicanalista e colaboradora do Lado B.

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