Comportamento

Festa do Tranca Rua das Almas celebra Exu, figura respeitada na Umbanda

Eduardo Fregatto | 28/08/2017 06:05
A festa é uma homenagem e agradecimento a Exu, considerado guardião e mentor. (Foto: Willian Goully)
A festa é uma homenagem e agradecimento a Exu, considerado guardião e mentor. (Foto: Willian Goully)

Muito se fala se especula sobre as crenças da Umbanda, dos terreiros e da figura "misteriosa" que é o Exu. Por ignorância ou até mesmo má intenção, a imagem dessa entidade é geralmente associada a coisas ruins, energias negativas e até mesmo a alguma espécie de demônio. Representado pelas cores branca, preta e vermelha, e visto geralmente com um tridente, muita gente tira conclusões precipitadas a respeito da entidade. Mas, alguma vez, você já foi a um terreiro para ver de perto o que é um Exu e o que ele representa para os umbandistas?

No sábado à noite, o Lado B foi conferir a 29ª edição da "Festa do Sr Tranca Rua das Almas", organizada pela Tenda de Umbanda Vovó Catarina e Pai Benedito, no bairro Caiçara. Pra quem não sabe, o Sr. Tranca Rua das Almas trata-se, justamente, de um Exu. No caso, o guardião do centro comandado pela Yalorixá Janice de Iemanjá.

Fomos recebidos pela Mameto Tina Odoyami, que é a segunda maior "autoridade" daquele centro. Com muito didatismo e simpatia, ela nos explica um pouco de toda a tradição e história por trás da figura do Exu.

"O Sr. Tranca das Ruas é um Exu guardião, é a entidade, o espírito, que corre os nossos caminhos, que nos projete, nos guia, nos ilumina e nos livra de todo mal e de toda perturbação. É o nosso mentor, que nos ensina, nos educa", esclarece Tina. "Hoje é o dia dele. O terreiro está em festa. Nós vamos fazer uma homenagem e agradecer".

Yalorixá Janice ao lado de Iraci Barbosa, Presidente da Federação dos Cultos Afro-Brasileiros e Ameríndios do Estado de MS. (Foto: Eduardo Fregatto)
Mameto Tina com outros dois médiuns da Tenda de Umbanda Vovó Catarina e Pai Benedito. (Foto: Eduardo Fregatto)

O terreiro, que fica nos fundos de uma residência, estava todo infestado com um cheiro bom, de incensos. "Alecrim, mirra, guiné, arruda, são várias coisas misturadas", contou Tina. O incenso serve como "defumador", para abrir o astral e limpar as energias. Tudo é uma preparação para a vinda de Exu a esse plano, por meio do corpo da Yalorixá Janice.

Várias médiuns, as mulheres usando os vestidos largos e os homens trajes brancos, dançavam e cantavam. Logo, as luzes foram apagadas. Ficaram acesas apenas luzes vermelhas, representando Exu e também a pomba gira, outra entidade espiritual da Umbanda que faria parte da noite, segundo uma das médiuns nos explicou.

Muito animados, como que em uma festa mesmo, os umbandistas cantam e dançam. Giram e fazem reverências. As letras das músicas sempre falando de Exu de maneira afetuosa e positiva. "Tenho certeza que agora não ando sozinho, o Tranca Rua é dono do meu caminho", diz uma das canções. "Companheiro e amigo leal", diz outra.

Com três músicos na percussão e uma churrasqueira assando carne, a energia vai ficando cada vez mais forte. A Yalorixá Janice é retirada do local e, a partir desse momento, não pudemos mais fotografar, a pedido de Tina.

Quando Yalorixá Janice retorna, ela está vestida como Exu, com capa e cartola vermelhas, e um charuto na boca. Seu jeito mudou, parece outra pessoa. Logo outras médiuns também parecem serem "tomadas" por entidades, com risadas altas, os olhos fechados e uma movimentação diferente. A partir daí, saem e volta com roupas diferentes.

Detalhe do altar montado para Exu, na celebração. (Foto: Willian Goully)
Um pouco mais da festa, com a iluminação vermelha, uma das cores da entidade. (Foto: Willian Goully)

A festa prossegue nesse clima de comemoração. A dança, a cantoria e os giros não param nunca. Antes da homenagem começar, Tina havia nos explicado que é tradição do centro servir um jantar após o término de toda sessão. Por isso a carne assando na churrasqueira.

"Nenhum convidado ou médium vai embora de estômago vazio. E durante nós vamos oferecer uma farofa e bebida, vinho tinto seco, mas aqui não é boteco", enfatiza. "É uma saudação. Ninguém fica de fogo. A sessão não vai até às 3h da manhã. Tem horário pra começar e horário pra terminar, às 23h, estourando à 00h", destaca sobre o evento, que começou às 20h.

Sobre a questão do preconceito e das associações negativas feitas com Exu, Tina é enfática. "Toda religião, seja ela espiritismo, o evangélico, o budista, todas têm lado bom e aquelas pessoas que fazem coisas ruins. Aqui ninguém faz mal pra ninguém. É proibido. Se alguém vem no nosso portão pedir pra fazer mal, a gente nem atende. Aqui é Umbanda de caridade, de fazer o bem", explica. "O Exu é o guardião. Tem gente que usa pro mal, mas aqui não".

Além dos médiuns, que ficam no centro da festa, também têm os convidados, que assistem a tudo mais de longe. Uma delas é a artesã Renata Resende, de 28 anos. "Eu venho aqui porque me tranquiliza a alma", explicou. "Preconceito tem em todo lugar, eu já nem ligo mais", responde, sobre a questão da discriminação.

Outra umbandista é a técnica de enfermagem aposentada Neuza Rodrigues, de 67 anos. Era a primeira vez que ia aquele centro. "Tem lugares do Brasil que não tem tanto preconceito, como na Bahia. Aqui eu acho que estamos começando a nos impor", opina, com otimismo.

"Eu venho aqui há 16 anos", disse outra, a dona de casa Ana Paula Ballatore, de 38 anos. "É maravilhoso, me dá paz, tudo de bom. As pessoas falam mal porque são ignorantes, não sabem o que é de verdade", finaliza.

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Mameto Tina e a Yalorixá Janice dançando e cantando na sessão. (Foto: Eduardo Fregatto)
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