Comportamento

Estudantes que trocaram MS pelo Paraguai têm vida de "bacana" em Assunção

Ângela Kempfer | 30/10/2013 07:27
Iago e Andressa cursam Medicina e hoje são namorados.
Iago e Andressa cursam Medicina e hoje são namorados.

Em um sábado de balada em Assunção, os mais animados estão no grupo de universitários brasileiros. Eles andam pela festa como quem domina o pedaço. A maioria muito jovem, bonita e bem vestida, que não parece ter motivos para reclamar.

Eles trocaram o Brasil pelo Paraguai para fazer Medicina em uma das 10 universidades que oferecem o curso do outro lado da fronteira e conseguem curtir muito mais a vida com muito menos dinheiro. São privilegiados em um país pobre.

“Gasto no máximo R$ 1,5 mil por mês. Isso com tudo que tenho direito, até comprando roupas. Para ter essa vida no Brasil, gastaria o dobro”, explica Iago Andrade, de 18 anos. Depois de 6 meses de cursinho e nenhuma aprovação no Brasil, ele partiu para Assunção. “Tem gente aqui até de Tocantins”, comenta.

Na cidade, arrumou uma namorada, também brasileira e estudante de Medicina. Loirinha e linda, Andressa Santos é filha de agricultores do interior do Paraná e só optou pela mudança radical depois de não conseguir vaga em 2 universidades brasileiras.

Além da disputa praticamente desumana por uma vaga aqui, o pagamento de um universidade particular é inviável, primeiro pela mensalidade, depois porque a maioria fica longe de casa e a mudança de cidade demanda custos extras.

Já no Paraguai, no primeiro ano do curso, Andressa divide casa com outros 4 amigos, pelo custo de R$ 250,00 ao mês para cada um. No cinema, os ingressos custam de R$ 7,00 a R$ 20,00, outra economia em relação ao Brasil. “Na academia são mais R$ 75,00”, soma a jovem de 18 anos. Mas é a mensalidade o maior atrativo, cerca de R$ 400,00 de ínicio, contra R$ 5 mil, pelo menos, em solo brasileiro.

Um dos colegas a dividir o aluguel é Henrique, um rapaz gente boa que ao terminar o Ensino Médio também se mudou para Assunção fazendo o mesmo caminho da irmã. “Tenho família em Ponta Porã, então já conhecia bem o Paraguai. Aqui é tudo muito bom, só tem alguns abusos contra brasileiros às vezes, por isso a gente tenta falar sempre em espanhol”.

De Dourados, Nova Andradina, Ponta Porã, Jardim, Campo Grande e Paraná, estudantes chegam em peso ao Paraguai. Primeiro, por conta da faculdade que não cobra nem vestibular, apenas a matricula. Só a universidade nacional (pública) e outra faculdade católica têm exames de admissão, mas a última não recebe estrangeiros.

Com o tempo, os estudantes descobrem muitas outras vantagens. Mais velho, aos 25 anos Lucas Jaques tentou primeiro Buenos Aires. Cursou Veterinária por um ano, não gostou e acabou em Assunção. “O que mais gosto aqui é a tranquilidade. É uma cidade pequena, não vejo crimes, assaltos. O paraguaio gosta muito do brasileiro. Lá na Argentina é bem mais complicado”, justifica.

Andressa saiu do interior do Paraná para estudar em Assunção.

Maduro - Para Artur Ovando, a escolha ocorreu há 6 anos. Prestes a se formar na Unida (Universidad de la Integración de las Américas), ele diz que nunca teve dúvidas sobre a decisão de estudar em Assunção. De Jardim, terra natal, já saiu para morar em 8 cidades. Também fez Veterinária, mas só agora, aos 29 anos, diz estar convicto sobre o futuro. “Escutava muita coisa negativa sobre o Paraguai, mas desde que cheguei tenho boa impressão sobre o país”.

Segundo ele, mais de 100 brasileiros chegam todos os anos para tentar a faculdade de Medicina, mas a maioria desiste quando descobre que a rotina é bem puxada. “Ficam só uns 10. Eles acham que é fácil porque não tem vestibular, mas é bem difícil seguir em frente. Só quem está aqui vê o quanto é séria a formação”, garante.

O início é de aulas das 8h às 18h, depois os alunos passam a misturar pratica com alguns créditos teóricos. Quando começar a residência, o aluno tem de estar entre os primeiros na turma para ter direito a escolher a especialidade, o que significa manter média alta durante todo o curso.

O custo de vida é outro bom motivo para uma vida longe de Campo Grande. De aluguel, Artur paga R$ 600,00 em um apartamento mobiliado e bem localizado. Quando chegou, não tinha carro e com R$ 8 mil comprou recentemente um completo, automático. De alimentação são mais R$ 25,00 por dia. "Isso porque como nos melhores lugares, poderia economizar muito mais", explica. Fã de música clássica, também elogia a quantidade de atrações culturais, muitas de graça. Na faculdade, em estágio avançado, pagará neste mês só R$ 1,1 mil.

Por tudo isso, não cogita a possibilidade de retornar ao Brasil depois da conclusão do curso. Hoje está muito bem adaptado. Só alguns "eventos" ainda provocam espanto. "O transporte coletivo é muito precário, mas custa R$ 1,00, nem dá para reclamar. Mesmo assim, há algum tempo, um grupo se crucificou de verdade, exigindo redução da tarifa", lembra.

 

Artur já está se formando.

Artur é do tipo que aproveita as horas de folga para explorar a região e conhecer costumes. Adora empanada e Chipaguaçu, pratos típicos. Mas não é todo elogios a Assunção. Critica o trânsito caótico, a sujeira, mas é otimista. “As coisas estão mudando aos poucos. Antes, ninguém nem andava de cinto de segurança aqui. Mas campanhas têm mudado isso”. Ainda assim considera estranha, por exemplo, a forma como um jovem consegue habilitação para dirigir. "Não tem nem teste de direção", explica.

O universitário também reclama que não há lixeiras pela cidade e dia desses deu até uma de repórter, enviando foto e informações ao jornal ABC Color, um dos mais importantes do Paraguai, para denunciar o desleixo. “Passei depois e tinham resolvido o problema”, conta.

Ele considera o povo paraguaio “companheiro”, uma conclusão depois de boas surpresas. “Um dia meu carro ficou sem gasolina. Passaram 2 caras em uma moto, dei dinheiro para eles comprarem para mim e eles voltaram com o combustível”.

Até time do coração Artur já definiu, é "Libertad" do Paraguai. Torcedor do São Paulo, descobriu a nova paixão em 2011, quando os paraguaios eliminaram justamente o time brasileiro na copa Sulamericana. "Nem fiquei triste. Quando vi, já era Libertad".

Sobre o preconceito com quem tem um diploma paraguaio, Artur diz que sabe que vai enfrentar isso, mas não tem medo. "Nunca vou negar ou esconder o lugar onde estudei, porque confio na minha formação", justifica.

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