Comportamento

Esquizofrenia diminuiu diferença de 18 anos quando Jairo foi morar com Jânio

Paula Maciulevicius | 09/02/2017 07:05
Entre irmãos, a esquizofrenia ficou mais "leve" e a cumplicidade foi um grande aliado. (Foto: Marcos Ermínio)
Entre irmãos, a esquizofrenia ficou mais "leve" e a cumplicidade foi um grande aliado. (Foto: Marcos Ermínio)

De oito filhos, Jânio é o mais velho, enquanto Jairo, o caçula. A diferença entre os irmãos é de 18 anos. Um tem 58 é o outro 40. A convivência que nunca foi diária, passou a ser recentemente, depois que o diagnóstico de esquizofrenia de Jairo caiu sobre a família. 

No nascimento de Jairo, Jânio já estava no seminário. As idas para a cidade de Cáceres, no Mato Grosso, terra natal dos Macedo, se resumiam a duas anuais e quando o mais velho casou, também. 

Jânio é figura conhecida em Campo Grande, com quase quatro décadas vivendo aqui, o professor é presidente da Associação de Moradores do bairro Maria Aparecida Pedrossian, onde vive ao lado do irmão, mas agora é cada um na sua casa.

Jairo, caçula, foi diagnosticado perto dos 40 anos. (Foto: Marcos Ermínio)

Há dois anos, depois de um surto, Jairo veio morar na Capital para ser internado. "Ele está sendo acompanhado pelo doutor Marcos Antônio", diz Jânio Batista Macedo e em seguida, o irmão corrige: "É Marcos Estevão", frisa Jairo Félix Macedo. "Viu como ele é observador?" aponta Jânio. De fato o nome do médico não está errado das duas maneiras, mas é pela segunda que ele é conhecido.

Quando nascido, Jairo teve convulsões e ainda na década de 80, passou por exames como eletroencefalograma em Campo Grande. Tomou altas doses de medicações que só o permitiam dormir e muito.

"Você lembra disso?" pergunta o irmão e Jairo responde: "lembro". Quem não esqueceria dos fios e 'massinhas' sendo colocados na cabeça? Com o resultado em mãos, à época a miligrama foi ajustada e por anos as convulsões estiveram sob controle.

Na adolescência, Jairo passou por revoltas que o fizeram não seguir exatamente a sequência das medicações, mas nada que desencadeasse qualquer crise. Não havia até então nenhum diagnóstico.

Jânio, mais velho, é quem dedica os cuidados ao irmão, que inclui se divertirem juntos. (Foto: Marcos Ermínio)

A cumplicidade dos irmãos é tamanha que cada frase é completada por um na hora de dar uma sequência lógica à história. Eles também olham um para o outro a todo momento e risada é o que não falta.

O assunto não é tabu nem para o paciente psiquiátrico. Ele assume: é doente, tem esquizofrenia e precisa de cuidados. "O que meu irmão faz por mim? Ele me cuida, me ajuda e é divertido", explica Jairo.

Dando continuidade à trajetória do caçula até a vinda para Campo Grande, foi já perto dos 40 anos, que Jânio atribui como 'gatilho' para o surto, o término de um relacionamento. "Aí ele começou a ter crise".

E o que eram as crises, perguntamos a Jairo. Ele descreve sem receio. "Fiquei ouvindo vozes, não lembro o que elas falavam. Também fiquei meio revoltado", conta. A revolta não tinha foco específico, quem estivesse por perto, era atingido.

"Como se fosse perseguição, ele não queria receber ninguém. Nem mamãe. Ficou isolado na casa dele, sim, ele tem uma casa", narra Jânio. O caçula só aceitava o marmitex que a mãe lhe enviava, até porque a fome batia.

Se sentindo perseguido, Jairo quebrava tudo o que tivesse qualquer luz. "Ele achava que ali estavam as vozes", explica o irmão. Levado ao médico, o psiquiatra disse que o caso era de internação e foi assim que Jairo veio parar em Campo Grande, para seis meses de internação na Clínica Carandá.

"Melhorei", responde sobre o período. Na clínica, Jairo tocava e cantava violão com o irmão, que o visitava diariamente. Norma do hospital. Também fazia trabalho de artesanato e tocava pandeiro junto de um dos integrantes da equipe que atende os pacientes.

Sobre o que é esquizofrenia, Jairo responde: "não dorme direito e ouve vozes". Ele fala e ao redor, todo mundo que convive sabe, o que é ser esquizofrênico. "As pessoas reagem bem, só falam assim: 'tem que cuidar né? Para não ficar mal'", reproduz. 

São vários os medicamentos a serem tomados diariamente. Desde o café até a janta, mas é que além do transtorno mental, Jairo também tem diabetes e colesterol altíssimos. Depois do café, é hora de ir para academia. Nos últimos meses, os irmãos que antes dividiam a casa, agora dividem o bairro, a companhia um do outro e o almoço. 

"À tarde que eu não tenho muito o que fazer, assisto TV", conta. Mesmo sem o diagnóstico e tratamento, Jairo conseguiu estudar e fazer até Técnico em Agrícola. Só emprego que não conseguiu seguir carreira. "Eu gosto de mato", diz. Foram poucos os trabalhos, Jairo se sentia inquieto, ansioso e acabava por transmitir esses sinais ao ambiente. 

Remédios para a doença e também para diabetes e colesterol fazem parte da rotina do paciente psiquiátrico. (Foto: Marcos Ermínio)

A mãe dos dois é viva ainda e tem 78 anos. Foi para tirar dela esta preocupação, que o filho mais velho se reuniu com os demais irmãos e num consenso, decidiram que seria melhor para todos, em especial para Jairo, ter os cuidados de Jânio. 

"Mas eu faço de tudo, viajo sozinho", exemplifica Jairo sobre sua autonomia. Quando o diagnóstico chegou, a família até se tranquilizou. "Nós achávamos que o problema era pior", recorda o professor. 

Com um benefício recebido mensalmente, o mais velho abastece a geladeira e compra os medicamentos necessários. "Acho bacana isso, dele morar sozinho", destaca Jânio e Jairo emenda explicando que "O Jânio tem suas limitações". A resposta soa engraçado ao irmão. "Você acha? Achei legal essa sua palavra", como quem vê que os papeis se inverteram.

De fato, são as ocupações do professor que levaram o irmão a chegar a esta conclusão. Em casa, Jairo tem cama, rede e tudo pronto para ver filmes de ação, estilo que ele mais gosta. 

Sobre as limitações que a esquizofrenia poderia impor a Jairo, o paciente responde que nada é difícil. "Acho que nada". A convivência faz bem aos dois, tanto para quem cuida, quanto para quem recebe os cuidados.

"Somos muito carinhosos um com o outro. Ele é meu companheiro de luta", observa Jânio. "Ele faz churrasquinho, sai para lugar legal", responde Jairo. Ser feliz é, para o esquizofrênico, ter a vida que ele tem.

"Felicidade é ser rodeado pela família". E talvez esse seja um dos melhores remédios.

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"Felicidade é ser rodeado pela família", diz Jairo. (Foto: Marcos Ermínio)
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