Comportamento

Ensinada em 1979, receita de fatia húngara deu gosto à saudade da amiga Malu

Paula Maciulevicius | 26/11/2015 06:23
Para falar da receita, Sônia precisa contar a história da amiga que a ensinou. (Foto: Gerson Walber)
Para falar da receita, Sônia precisa contar a história da amiga que a ensinou. (Foto: Gerson Walber)

O cheiro toma conta da última rua do bairro Otávio Pécora, em Campo Grande. Do forno sai o gosto da saudade. Uma única receita dá até três assadeiras. Ensiná-la? Sônia até diz que pode, mas explica que a quantidade exata não sabe por medidas e sim de "olho". "É uma receita de boca a boca, sabe? Tem as de livro, mas essa não. Eu aprendi vendo ela ser feita várias vezes em 1979", conta Sônia Honorato Carneiro, de 56 anos.

Como sabe da data? Sônia relaciona a receita com a idade do filho, à época com 1 ano. "Para falar da receita eu tenho que contar a história dela, para você entender a importância dessa receita", me adianta. 

A fatia húngara tinha dona: Maria Luiza Neri, ou "minha Malu", como Sônia prefere resumir. "Tem umas coisas que marcam a vida da gente, ela se mudou para uma casa próxima da minha, morava aqui do lado, aí começamos a fazer", conta.

Diferença entre as assadeiras mostra o que já está pronto e o que será assado. (Foto: Gerson Walber)
Leite com açúcar usado para dar "cor" e o ponto final da fatia húngara. (Foto: Gerson Walber)

Malu foi namorada do irmão de Sônia. A relação deles não evoluiu tanto quanto a amizade delas. Por ter família pequena e que morava fora, Malu "adotou" Sônia. "Ela se afeiçoou tanto a mim, porque tinha família pequena e distante. Eu não consigo lembrar dela sem me emocionar. Era a minha irmã de coração e todas as vezes que eu faço a fatia húngara, eu lembro dela".

A fatia se faz a partir da massa de pão. "Comum mesmo, você faz e deixa descansar. Depois abre com rolo, mas mais grosso, como se fosse fazer pizza", descreve Sônia. O próximo passo é passar calda de margarina com açúcar e polvilhar com coco ralado. "Aí você vai cortando na largura de três dedos", ensina. Colocada para assar, a fatia fica pronta, mas falta o último detalhe: as pinceladas ou colheradas de leite com bastante açúcar, responsável por dar o brilho e a "cor".

"Tira do forno e está pronto, para mim é uma receita que de certa forma é simples", acrescenta. A amiga lembra rindo que apesar da receita ser de Malu, foi ela quem ficou famosa. "Se tornou a minha marga registrada", admite.

Sônia lembra da amiga todas as vezes em que faz a receita. (Foto: Gerson Walber)

Malu se transformou em uma lembrança muito querida porque partiu, seis anos atrás, de câncer no fígado. A amizade e o afeto iam além da troca de receita. Quando Maria Luiza fez a cirurgia de redução de estômago, considerada delicada, deixou por escrito que a vontade dela era de que o filho ficasse nas mãos de Sônia.

"Não aconteceu nada e ela viveu mais seis anos. Quando ela estava no CTI, eu fui lá, peguei na mão dela e falei: Malu eu vou estar sempre perto do Gabriel'. Dizem que os batimentos cardíacos dela aceleraram muito, eu tenho certeza que ela me ouviu", recorda Sônia.

A última fatia húngara que elas comeram foi em fevereiro de 2009, a receita era de Malu, mas uma outra amiga que havia feito, em comemoração ao aniversário dela. "Ela me disse, olha eu saio do hospital dia 2 de março e você vai lá dormir comigo. Ela não saiu do hospital e morreu dia 3", narra.

Na agenda, ficou anotado o dia do aniversário da inesquecível amiga Malu. (Foto: Gerson Walber)

"A receita é tipo um vínculo que eu tenho. Eu não esqueci dela, ela não saiu da minha cabeça e eu tenho certeza que um dia eu vou encontrá-la novamente", acredita a amiga.

A tristeza fica, por ter visto a vizinha partir de forma tão prematura. "Mas ela foi um presente muito bom na minha vida. Nada se compara à amizade que eu tive com a Malu", resume.

O que ficou da amiga? "Tudo, inclusive a receita. As 'minhas fatias húngaras são as melhores', ela era corumbaense e vinha de família carioca, então tinha um sotaque muito engraçado, até hoje a gente imita ela", responde Sônia.

A fatia húngara é mesmo a melhor. Na doçura do açúcar e também no sentimento de quem a faz. Por enquanto são só amigos e vizinhos que podem prová-la. "Quando eu me aposentar, talvez eu faça em longa escala, por encomenda", brinca Sônia.

Curta o Lado B no Facebook.

O que ficou da amiga? As fatias húngaras. (Foto: Gerson Walber)
Nos siga no