Comportamento

Em tempos de protesto, o patriotismo é mais visto na favela do que na cidade

Paula Maciulevicius | 05/07/2013 08:47
O verde e amarelo foi tirado do lixão de Campo Grande para os barracos. O que a cidade jogou fora, a favela aproveita e não é nem pela copa. (Fotos: Marcos Ermínio)
O verde e amarelo foi tirado do lixão de Campo Grande para os barracos. O que a cidade jogou fora, a favela aproveita e não é nem pela copa. (Fotos: Marcos Ermínio)

As bandeiras foram achadas no lixão e nada tem a ver com a Copa das Confederações, que teve o Brasil campeão. A situação pela qual eles torcem é de vencer a vida todo dia, de conseguir uma casa e dignidade. Nos barracos da Cidade de Deus, no bairro Dom Antônio Barbosa, têm mais bandeiras do Brasil do que pela cidade toda. Quem tem todos os motivos para desistir do país que lhes é oferecido, é quem mais se orgulha de ter o verde e amarelo no portão, improvisado, de casa.

As estrelas e a frase "Ordem e Progresso" foram tiradas do lixão de Campo Grande. Seja pelo motivo que for, não tinham mais serventia dentro das casas, mas se tornaram orgulho e referência para essas famílias.

As pessoas que ocupam a área hoje estão desde dezembro do ano passado e a história é a mesma. As cores da bandeira chamaram a atenção na hora de procurar madeiras e o que pudesse ser aproveitado num barraco. A cena, apesar de triste por retratar as condições precárias, se torna digna de apreciação ao ver o vento fazer balançar o símbolo do Brasil.

A distância que separou esse povo dos últimos protestos realizados na área central de Campo Grande não pode ser medida em quilômetros. Não é o quanto é longe ou não, é a falta de oportunidade que eles vivenciam, até na hora de manifestar indignação. Mesmo compondo a região que mais têm do que reclamar. A situação dessas famílias se resume a mulheres cuidam das crianças durante o dia e homens que trabalham na cidade ou então no lixão, como coletores. Gente que sair para um protesto, seria luxo, que teria que passar até 1h30 dentro de um ônibus para chegar até a concentração. Mas não nega que tem a maior lista de reivindicações.

Além da beleza e do significado, bandeira em casa é referência de onde o barraco está.

Elaine Aparecida Arruda, 26 anos, se nega a sair na foto. Mas expõe a cria. Uma escadinha de 9,7 e 2 anos, que moram junto dela e da mãe. A bandeira no alto do barraco está até desgastada pelo tempo, mas se depender delas, só sai dali se for pra mudar em uma casa própria. "Eu não pretendo tirar não. Nós colocamos pela Dilma, pelo que ela tem feito", descreve.

Questionada se tem participado dos protestos, ela admite que sim, apenas pela televisão, mas não bota fé em mudanças. "Não vai virar nada. A tarifa baixou R$ 0,10, mas não está de boa andar de ônibus, o povo não reclama a toa, só indo pra ter certeza", avalia. Na região passam dois ônibus, que pela distância até o centro, faz com que toda antecedência em sair seja considerada.

Só que se a situação for de emergência, a história, se ainda não é drama, acaba se tornando. "O posto daqui não quer atender nós, não querem consultar, só pra vacina. De resto, tem que ser no 24h", comenta.

No terreno que 'seo' Sisto da Silva Maciel, 62 anos, ocupa, a bandeira no alto é do vizinho, mas também é de todo mundo. "Ele colocou por colocar, por ser brasileiro. Porque a gente coloca? Ah, porque do jeito que está indo nosso Brasil, a coisa está feia. Pra gente, filho daqui, está ruim, mas não tem outro jeito se não ficar aqui mesmo", revela. O que ele narra é a descrição exata de que o brasileiro não desiste nunca.

"Essas bandeiras não são para mostrar movimento, é do povo brasileiro que precisa de casa pra morar".

Na casa de Cássia Gemima da Conceição, 31 anos, a bandeira também foi achada no lixão e só precisou de um banho para ficar nova. Grande, bonita, imponente. É sob as cores verde e amarela que a família come. O "Ordem e Progresso" também virou referência. Todo mundo sabe onde mora dona Cássia. "Ele achou bonita e acabou sendo útil. É onde reúne a família e tampa o sol". Uma diferente explicação para a bandeira estar ali.

Entre as 300 famílias que hoje ocupam a área, o servente Ludmilson Moura de Freitas, 33 anos, mostra a indignação pela proporção de gente e de problemas, mas que se veem de braços cruzados diante do que lhes foi exposto.

"Aqui tem 300 famílias, se elas protestassem a dificuldade que passam..." Ele não termina a frase porque sabe da realidade do povo. É trabalhador que não consegue ser dispensado do serviço para ir às ruas, é gente que não tem capacidade de ter uma casa, de comprar um botijão de gás e de muito menos colocar todos estes problemas diários no cartaz.

"Aqui é família de bem, mas que não consegue sair daqui. Estou falando assim, sozinho pela comunidade que não tem passe, não tem leito em hospital. Se um carro atropela uma criança dessa aqui, como vai ser?", questiona diante dos acidentes que podem acontecer num lugar onde as regras do trânsito não chegam.

"Essas bandeiras não são para mostrar movimento, é do povo brasileiro que precisa de casa pra morar".

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