Comportamento

Em grupo de ajuda, de 40 homens, 37 nunca mais bateram em mulheres

Apesar do cenário de violência contra a mulher, queda no número de reincidentes é um alento.

Thailla Torres | 03/05/2019 07:34
Participante das reuniões do Cijus “Dialogando Igualdades”.  (Foto: Paulo Francis)
Participante das reuniões do Cijus “Dialogando Igualdades”. (Foto: Paulo Francis)

Depois que o “amor” vira caso de polícia, transformar essa relação pode começar dentro de uma sala do Centro Integrado de Justiça (Cijus), em Campo Grande. Uma vez por semana, 16 homens se encontram para discutir o machismo, violência contra a mulher e masculinidade tóxica. Em comum, todos respondem a processo por violência doméstica, depois de bater ou agredir verbalmente uma mulher.

A sala tem cadeiras, muitas histórias e alguns arrependimentos. Psicólogos que vão conduzindo a conversa estendem a mão e abrem os ouvidos para quem “tenta” percorrer um caminho longe da violência. Esse é o clima de um dos encontros do grupo reflexivo “Dialogando Igualdades”.

O Lado B não teve autorização para participar da reunião na última semana, mas pode em uma sala reservada do Cijus conversar com um dos participantes. Aos 44 anos e pai de uma menina, ele comemorava sua última reunião desde a determinação judicial, após agredir fisicamente a esposa com quem é casado há 8 anos.

Ele descreve como a violência começou. (Foto: Paulo Francis)

O dia 22 de dezembro de 2018 parece ter ficado mais distante do que é de fato. O pai de família que foi preso há poucos meses por bater na mulher já deixou de lado o peso que isso teve. O que não é muito diferente dos outros homens que naturalizam a violência. Embora os tapas e chutes deixem marcas para toda vida, eles resistem em assumir que são homens que batem ou bateram em suas companheiras de vida.

“Foi só um desentendimento com a minha esposa. Na verdade, ela me agrediu e eu revidei. Mas como é desproporcional a nossa força acabei machucando-a. Ela levou a pior porque o braço é pesado e osso da minha mão acabou pegando em cima do olho dela. Para a Lei Maria da Penha nada justifica. Só de arranhar uma mulher já está totalmente errado e os homens são marginalizados”, descreve o participante sobre o que o levou a fazer parte do grupo.

Ele também custa acreditar que bateu. “Eu não bati na minha mulher, eu só me defendi”. O diálogo é ainda mais semelhante com outros casos de violência doméstica. “Tem homens que fazem barbaridades e, ao longo da reunião, vão mostrando até que ponto chega à agressividade de um homem. Às vezes acho que meu problema não foi nada”.

O “problema” citado pelo participante deixou a esposa machucada. Após boletim de ocorrência na delegacia e o pedido de medida protegida, ele ficou preso durante quatro dias e passou outros 30 com tornozeleira eletrônica.

Desde então participa do grupo para entender e debater com outros homens os ciclos da violência e atos violentos que são naturalizados no cotidiano de um casal.

Apesar de não aceitar a medida judicial e desconsiderar o ferimento à esposa uma violência, ele cumpriu à risca todos os dias de reunião. “Sou revoltado até hoje porque eu não achei justo. É um tempo que eu poderia estar com minha família e estou aqui por uma coisa que acho que a outros homens caberia mais, no meu caso não. Porém teve uma serventia legal, puder ver acontecimentos de outras pessoas e perceber o que não quero mais para minha vida”.

Sandra é psicóloga e responsável pela coordenação do grupo. (Foto: Paulo Francis)

As reuniões trouxeram ao participante um entendimento sobre as agressões. “Poucos admitem que batem ou bateram na mulher. Todos justificam a agressão e sei que isso não está certo. Mas acho que isso acontece por uma série de fatores. É uma cultura brasileira do homem impor, falar mais alto, e na minha casa é assim, mas com uma certa dosagem”.

Sobre “Dialogando Igualdades” - O grupo tem como público-alvo homens autores de violência doméstica sob determinação judicial. Ao final dos 16 encontros são aplicados questionários socioeconômicos e inventários que visam verificar a concepção da masculinidade e o nível do sexismo apresentado pelos participantes.

Nos dados levantados durante 1 ano de funcionamento, o Cijus aponta que ao todo foram encaminhados ao grupo 173 homens sendo que, destes, 40 homens (23,12%) concluíram a carga horária estabelecida e 39 homens encontravam-se ativos nos grupos (22,54 %). Dos ausentes, 62 homens não iniciaram o grupo (35,83%), 28 abandonaram as reuniões (16,18%) e 4 (2,31%) foram desligados por motivos diversos.

Para Sandra Regina Monteiro Salles, psicóloga e responsável pela coordenação do grupo, o número de homens que ingressaram no programa é importante. “Vários fatores podem estar associados a essa permanência: temor quanto a possíveis consequências diante do descumprimento, vinculação ao grupo e à proposta apresentada, conhecimento de mudança de comportamento, enfim, multifatores que podem ser melhores investigados nas próximas avaliações”, explica.

Na visão dela, apesar do número de violência ainda não ter zerado, o fato de quatro dos 40 participantes terem reincidência é um alento entre tantos casos de violência a mulher. “Não é um processo rápido. Eles ficam quatro meses com a gente, então também não tem uma perspectiva terapêutica. A gente tem a proposta de trazer várias questões que levam a desconstrução do machismo, a naturalização das práticas de violência e, no decorrer do grupo, eles trazem aspectos positivos sobre entendimento dessas situações. É como plantar uma sementinha da reflexão”.

Na maioria dos casos de violência, o passado dos homens que batem também é narrado sob uma perspectiva agressiva. “Muitos deles vieram de relações familiares que ensinaram a resolver um problema a partir de agressividade. Cresceram usando a força para impor o desejo”.

Nem sempre eles terão uma mudança de comportamento, explica a psicóloga. Mas o reconhecimento declarado de que cometeram uma violência é importante. “Isso já muda muita coisa e, independente dele participar ou não do grupo, o processo judicial vai continuar e ele será penalizado pelo crime que cometeu”.

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