Comportamento

É um absurdo, mas até professor avacalha e manda a gordinha ir para a academia

Liziane Berrocal | 01/06/2015 06:56
É um absurdo, mas até professor avacalha e manda a gordinha ir para a academia

“Gorda, vai pra academia! Vai para academia”. A frase ecoou como um “trem” na minha cabeça. Eu nem sabia se eu ria, chorava ou me revoltava, porque cada vez que a gente sofre preconceito vem na mente um pouco de tudo aquilo que sofremos desde pequena. “Ah, mas lá vem ela falar de novo desse troço de ser gorda”. Sim, é para isso que esse espaço existe gente!

Outro dia, num encontro casual com a editora do Lado B, Ângela Kempfer, ela me disse: “Lizi, lembro que quando eu era pequena minha mãe sempre me ensinou a não me referir as pessoas pelo físico. Não falar: Ah, aquela gorda, aquele narigudo, ou aquele não sei o quê. Ela quase batia na boca da gente”.

Conversamos sobre isso, sobre o que me ocorreu em meu ambiente de trabalho, sobre os comentários que rolam na página do Campo Grande News quando sai alguma matéria sobre os relacionamentos homoafetivos, sobre transgênero ou sobre racismo e preconceito.

Na verdade, nessa vida gorda vida, vida breve, durante muito tempo eu fiquei quieta para muitas coisas, e quando resolvi ir tratar os furos da alma por meio dos furos do estômago, resolvi que não deixaria mais nada para lá.
Sem mais delongas, fui mais uma vez ofendida pela minha forma física, por ser gorda (mesmo emagrecendo, ainda estou gorda) e pasmem, durante uma manifestação de professores.

Resumo da ópera: eu trabalho na Câmara de Vereadores, um caldeirão efervescente, às vezes o inferno na terra, e nesse fatídico dia estava uniformizada e fui ofendida por isso acredito eu. A ofensa? “Gorda, vai pra academia! Vai para academia”.

Eu bem bocó, não ouvindo direito, achei que estavam falando comigo, ainda fui ver o que era, quando vi os risos e pude ouvir a verdade cruel daquele “bullying didático”. “Vai para a academia”. Gritavam umas cinco delas, sonoramente, rindo. Quando viram que eu iria chorar e não ia dar boa coisa, saíram correndo dali.

Eu não chorei, fiquei sem reação, tentei reclamar com o sindicato que minimizou a situação, claro, não era com eles, ou seja, tanto faz. Não doeu nela. Mas doeu em mim, e só foi parar de doer quando eu escrevi sobre o assunto, quando eu sentei e chorei, igual criança. Fui é claro, amparada com palavras de força pelas minhas companheiras de trabalho, pelo meu chefe e por milhares de pessoas que me seguem no Facebook.

Posso falar da minha criação. Fui criada dentro do carrinho de papelão, eu e meus irmãos. Mesmo meus pais na época tendo um pouco mais de grana, em casa era tudo junto e misturado, amigos ricos e pobres, morávamos dentro do depósito do ferro velho e os “carrinheiros” eram nossos convidados das festas.

Na escola, eu fui uma aluna tão mimada pelos meus professores, aliás, até hoje sou, visto que sou acadêmica de Direito e meus professores vibram com as minhas conquistas. Por isso, esse episódio caiu como uma bomba para mim, que tenho como amigo meus professores de primário. Também tenho formação em Pedagogia e ex-alunos já formados em Medicina, Direito e outras profissões.

Na verdade sei que cada um tem seus motivos particulares para reclamar, considero a luta justa, no entanto eu não sou detentora de mandato e não admito ser esculachada por quem quer que seja, ainda mais pela minha aparência física e hoje, a única arma que tenho é a escrita.

No entanto o que me preocupa é como estão sendo formadas nossas crianças? Como está sendo formada essa geração de hoje que “cultua” o corpo perfeito e os potes de “wey” da vida? E como eu posso confiar que uma professora dessas não vai lecionar para um dos meus daqui uns tempos, ensinando a ele que ser gordo é feio e tem que “ir para academia”?

Sinceramente, acredito piamente que ali foi só calor do momento, até porque sei que uma delas é mãe de uma paciente bariátrica, outra é meio gordinha, mas ainda assim me preocupa e muito esses “calores do momento”.

E por que falar de preconceito é tão delicado? Seja ele contra gordo, contra homossexual, contra negro, contra quem anda de skate, contra quem é transexual, é espírita, é muçulmano, é isso ou é aquilo. Para alguns é tudo “mimimi” ou “ah, estão só querendo vitimizar”. Não, é preciso falar disso. Acreditem, tem gente que morre por causa de gente preconceituosa.

Tem gente que se mata porque não aguenta a pressão de ser gorda, porque não aguenta a pressão em ser vítima de racismo ou morre porque é negro mesmo, quando é vítima da bala da polícia.

Tem gente que coloca a corda no pescoço e pula do banquinho e morre porque tem pessoas como essas mulheres que riem quando esbarram com uma pessoa gorda e acham bonito gritar “Vai para academia”.

Então, antes de ser preconceituoso e babaca, se olha no espelho e lembra: academia modela um corpo, mas não modela uma alma.

E em tempo: vou seguir o conselho, e vou para a academia, mas não porque alguém mandou, mas porque eu fico cada dia melhor para mim, e não para agradar gente que não consegue agradar nem a si mesmo e por isso precisa diminuir o outro.

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