Comportamento

Datilografado, pedido de casamento revelou primo apaixonado em 1980

Casal viveu junto por 30 anos e carta é guardada do dia em que foi lida até hoje

Paula Maciulevicius | 02/12/2016 08:02
Carta foi feita na máquina de escrever, em 1980 e fala muito sobre o amor que Cláudio sentia pela prima "Minha".
Carta foi feita na máquina de escrever, em 1980 e fala muito sobre o amor que Cláudio sentia pela prima "Minha".

"Anastácio, 17 de Fevereiro de 1980
Minha: De antemão quero deixar bem claro uma coisa: não se trata de nenhuma brincadeira. Mesmo sem saber qual será a sua decisão, adianto-lhe que tal decisão é espontânea e pensada. Eu quero me casar com você."

Datilografada 36 anos atrás, a carta trazia um pedido de casamento de Cláudio à "Minha", como é conhecida Severina. Primos, eles cresceram juntos e viram as brincadeiras de criança se transformarem em amor. Os dizeres foram encontrados dia desses, pela filha Ana Cláudia e até hoje emocionam quem as recebeu em fevereiro daquele ano. 

Cláudio Valério da Silva morreu aos 55 anos, prefeito de Anastácio, cumpria o quarto mandato quando infartou, em 2010. Viúva, "Minha" é quem conta a história de amor protagonizada pelo casal entre a cidade e a Colônia do Pulador, onde todo mundo era meio parente senão de nascença, por matrimônio.

"Tem seis anos que ele faleceu. Eu guardo essa carta desde o dia que eu recebi", diz Severina Maria do Nascimento Valério, de 62 anos. A frase sai trazendo consigo um passado quase preto e branco. Cenas que se repetem à mente de Minha toda vez que a saudade aperta: a infância e adolescência dela junto de Cláudio.

"Nós somos primos e na época, a gente se comunicava muito, se falava muito. Ele fazia magistério e eu faculdade, a gente morava na frente da casa um do outro e tivemos, como primos, muito contato", resume. A carta apareceu entre as páginas de um livro que ele emprestou para ela. "Comecei a ler para um trabalho que eu tinha, foi quando encontrei a carta. Estava recém datilografada. Li e guardei", conta.

Os dois conversaram depois, mas ela não disse nada e ele também não tocou no assunto. Cláudio jurava para si que Minha pensaria que era só uma brincadeira e que não teria acreditado. Os dias que se seguiram com o silêncio da parte dos dois só reforçava a ideia.

"Ele nunca me perguntava e eu também não dava resposta. Foi um tempo de mais ou menos 15 dias... Aí eu resolvi falar: peguei dentro do livro uma carta e ele me perguntou: 'o que você achou?' Eu disse: tudo bem, 'se você quiser tentar, vamos'", recorda.

Entre achar a carta e subir ao altar passaram-se apenas cinco meses e dia 5 de julho de 1980, de primos, Cláudio e Minha viraram marido e mulher. "Já existia uma grande amizade, primeiro porque eu tinha uma admiração por ele. Era muito inteligente, radialista na época e depois com os dias de namoro, foi chegando um sentimento e aconteceu..." conta Severina.

Cláudio e Minha, como é conhecida Severina.

Romântico, Cláudio era "diferente", não conseguia expressar em voz alta aquilo que a datilografia fazia tão bem por ele. "Gostava de escrever, tem livros publicados, era um poeta", descreve a esposa.

Durante 30 anos, dona Severina foi feliz junto do primo. Sentimento que fora compartilhado com a família. O casal teve três filhos, uma delas foi Ana Cláudia, que encontrou a carta entre as páginas de um livro escrito por Cláudio que não chegara a ser terminado e que a fez voltar num passado que nem era nascida ainda. 

A filha sabia da existência do pedido datilografado e também que os dois eram primos. Mas encontrar as letras do pai ali, foi o mesmo que se sentir abraçada por este amor. "Desde o início eles brincavam juntos, tiveram uma infância muito pobre. Meu pai veio para a cidade estudar, batalhar e conseguiu se erguer na vida". Fora esta a narrativa que Ana Cláudia aprendeu, desde sempre. 

O pai era vergonhoso e não tivera coragem de chegar e falar para Minha o quanto gostava dela. "Através da carta que ele expressou o amor que sentia. Ele tinha 26 e ela, minha mãe, 27, um ano a mais que ele", contextualiza a assistente social, Ana Cláudia do Nascimento Valério, de 34 anos. 

Nascidos já em Colônia do Pulador, região de Anastácio, os dois eram filhos e netos de pernambucanos, que vieram no pau de arara para as bandas de Mato Grosso. "Minha mãe era professora, meu pai fez Letras e também conseguiu passar num concurso para professor do Estado. Ele gostava muito de ajudar e se lançou prefeito, foi prefeito por quatro mandatos", conta Ana. 

Poeta e escritor, Cláudio Valério é autor do livro "Janela", só de poesias e de outros com as história da cidade de Anastácio, desde que fora povoada. "Ele quem fez a Festa da Farinha, é projeto dele, devido a história de vida dele", acrescenta a filha.

A carta, na íntegra.

"... Há muito que aprendemos a brincar e a discutir. E entre brincadeiras e discussões, nada falamos que pudesse transparecer qualquer coisa a este respeito. O que acontece é que os dias vão se passando e eu sinto e temo que a rotina possa destruir essa brincadeiras e discussões, que infelizmente não duram a vida inteira.

Sabe, Minha, eu acho que o verdadeiro amor só pode ser encontrado no seio da família. É no dia a dia do casal que se pode provar e comprovar tal sentimento. Todos nós precisamos de alguém. Quando jovem, temos os nossos pais. Mas e depois? É a mulher o orgulho da mocidade do homem e o filho, o orgulho da sua velhice. 

Não sei quais são os seus planos para o futuro. Eu não os tenho. Quem sabe juntos poderíamos tratá-los? Talvez você não acredite no que vou lhe revelar: desde que me entendi por gente, eu vivo só. Mas nunca afastei a ideia de ter um lar. Acho que mesmo o mais medíocre dos homens, por um momento qualquer, pensou nisto: ter uma família, onde ele não fosse os ramos da árvore, mas a raiz. 

Se estou contando isso em carta é porque você não leva a sério a maioria das coisas que lhe digo. Sabendo você que, na maioria das vezes, elas são verdadeiras e incontestáveis. 

É por isso que estou me peguntando neste momento: será que essa carta vai dizer uma coisa e ela vai entender outra? Por favor Minha, se você não quiser entendê-la, tudo bem. Mas uma coisa eu lhe peço: ao ler essa carta você compreenderá o fato: essa carta foi escrita por mim, a história e roteiro foram tirados de mim, portanto ela é parte de mim. 

Ah! Uma outra coisa: se você não for respondê-la, por favor, rasgue-a e queime-a e esqueça de quem a escreveu. Pois ela mais nada representa do que o desejo de um homem que um dia quis ser feliz, casando com sua prima. 

Um beijo - Cláudio Valério."

"É emocionante, porque não existe mais isso. Eu leio sempre e de vez em quando encontro na papelada, como aconteceu ontem. É algo diferente, acontece uma coisa diferente. Eu fui muito, muito, muito feliz com ele e guardo porque é um escrito bonito. Uma recordação, uma lembrança para quando meus netos forem crescidos e entenderem, ver...", explica Minha.

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A família que cresceu a partir do casamento dos primos.
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