Comportamento

Contra depressão, seu Nery planta na praça e espera sentado a hora da colheita

Paula Maciulevicius | 23/09/2016 06:15
Seu Nery e dona Gilda, os vigilantes da pracinha que ele mesmo ergueu. (Foto: Alcides Neto)
Seu Nery e dona Gilda, os vigilantes da pracinha que ele mesmo ergueu. (Foto: Alcides Neto)

O verde da praça do Jardim Nova Era tem dono. Além de plantar, seu Nery acompanha sentado a colheita. Há 10 anos, o simpático senhorzinho faz o mesmo trajeto todo dia: de sair de casa até a praça, plantar e regar. Na volta, se senta à cadeira e espera. O principal adubo é a paciência, de saber que cada árvore tem seu tempo. 

"Tudo, tudo isso. Eu faço suco direto, não compro não. É da fruta daqui, até goiabada eu já fiz", se gaba o "dono" da praça. Nery Leite Bueno tem 81 anos e quando se viu em depressão no quarto, os olhos enxergaram - entre as lágrimas - que havia muito matagal diante de seu imóvel. A altura que ele narra ter chegado a 2m era esconderijo para assaltantes que até chegaram a entrar em casa. A solução então foi encher de frutas o espaço.

"Aqui, a hora que der caju, vai ser fartura para o povo tudo", completa a esposa, dona Gilda Beltrão Bueno, de 78 anos. Ela jura que não tem ciúmes da praça e quando pode, na varanda de casa, senta ao lado do marido para cuidar das árvores.

Acerolinha que ficou. Casal colheu pouco antes da gente chegar
Para presentear os vizinhos e amigos. Foram poucas as amoras que ficaram. (Foto: Alcides Neto)
Plantar, regar, adubar e colher foi saída contra a depressão de seu Nery. (Foto: Alcides Neto)

Uma pena que no mesmo dia em que o Lado B foi visitá-los, o casal tinha acabado de colher amoras e acerolas para presentear os vizinhos. "Só esse ano eu já plantei 17 pés de caju", conta todo orgulhoso.

Depois de 36 anos trabalhados na Camargo Corrêa, quando a aposentadoria chegou, seu Nery não quis parar. Construiu 17 casas do bairro todo para a venda. Assim como a sombra das árvores, ele também viu crescer muitas fachadas. "Aqui não tinha asfalto, era até a Joaquim Murtinho de terra e aqui uma chácara grande", recorda.

A praça ganhou nome que dona Gilda contesta. A prefeitura, à época, chamou de Lady Di. "Eu acho que deveria era chamar Nery", sugere sorridente.

"Eu fico sentado aqui mesmo, não tenho o que fazer", diz rindo. Quando a depressão bateu à porta, ele se trancava no quarto com ar condicionado e ventilador ligados.

Feliz da vida, casal presenteia quem quiser com acerolas. (Foto: Alcides Neto)

"Quantos anos você acha que eu tenho? 81. Não bebo, não fumo e não tenho vício nenhum. Mas você começa a pensar que sem querer, não tem explicação... Poxa, vivi a vida toda e não fiz nada nesse mundo?"

Dona Gilda trata de corrigir. "Como não? E os filhos?" E ele de cara, embarca. "Fiz mesmo, tudo formado e concursado, quatro filhos com casa própria", recorda. Para Gilda, a pracinha é a maior realização do esposo. E para a vizinhança, também.

"Quem está caminhando por aqui sempre apanha. Eu fico cuidando, quando vem menino saindo de escola e pega goiaba verde para jogar um no outro, aí não dá. Eu vou lá conversar", defende Nery.

Quem quiser apanhar frutas e cumprimentar seu Nery, a pracinha fica próximo à rua Silvio Petengil, no Jardim Nova Era.

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