Comportamento

Com dados de tratamento, psicólogo garante que "vitimizador sexual" tem cura

Papo com Maher Musleh aconteceu ontem na cidade por convite de projeto Mães Águia

Thaís Pimenta | 30/09/2018 08:17
Maher veio para ministrar palestra sobre seu trabalho com vitimizadores ontem. (foto: Thaís Pimenta)
Maher veio para ministrar palestra sobre seu trabalho com vitimizadores ontem. (foto: Thaís Pimenta)

Especialista em vitimizadores sexuais, violência doméstica e articulador da cultura da paz, o psicólogo Maher Musleh diz ser abordado por muitas pessoas que afirmam categóricas "jamais serem capazes de estuprar alguém". Sem papas na língua, ele costuma rebater com outra questão: "Você não é capaz de estuprar, mas é um patrocinador da violência. Quantos vídeos divulgados nas suas redes sociais, em seu Whatsapp divulgam a cultura da violência?".

Além de chamar as pessoas para a responsabilidade, o trabalho dele hoje é tentar mostrar que  os responsáveis por esses abusos também foram vítimas um dia e, por isso, têm tratamento.

Maher esteve ontem (29) em Campo Grande para ministrar a palestra "O desafio do trabalho - uma ação de sucesso no combate à violência sexual". Pouco mais de uma hora foram precisos para fazer o público, formado principalmente por psicólogos e assistentes sociais, mudarem de opinião e conseguirem um novo olhar para os abusadores sexuais e estupradores. Por conta de ser uma referência neste assunto tão polêmico, o Lado B fez questão de ir conferir a conversa com Maher.

E falando em polêmica, foi assim que Maher decidiu começar a palestra. "O que você faria com uma pessoa que abusou um ente querido?". Com vergonha, a plateia respondia, na medida do possível, a verdade: tortura, assassinato, e tudo que seguisse a mesma linha de pensamento. 

Refugiado de guerra, Maher é islâmico mas mora no Brasil há mais de 20 anos. Com seu histórico, ele explica que o tema lhe chamou atenção justamente quando chegou ao país e notou que o contexto do estupro era bem diferente do que ele enxergou durante a vida toda.

"No meu país de origem, a gente sabe que o abuso sexual acontece em guerra, é uma estratégia que os vencedores das batalhas usam para demonstrar sua superioridade. Os homens estupram e matam as mulheres em guerra, mas quando cheguei na favela de São Paulo e vi que, ainda que sem guerra, o contexto era o mesmo e o número de estupros tão grande quanto, e a desigualdade social imensa, fiquei sem entender: como um país tão grande e em paz como o Brasil tem essa cultura?". 

Após um mestrado no tema, ele entendeu o motivo de tantos casos de abuso no país. "Em minha pesquisa, 97,1% dos estupradores sofreram abuso na infância. Ou seja, é um ato reproduzido constantemente pelos indivíduos. Por isso, não demorou para entender que não adiantava apenas tratar as vítimas, seria como secar gelo para sempre. Era preciso arriscar e enfrentar os vitimizadores, tratar eles também".

Vitimizador, inclusive, foi uma palavra criada pelo estudioso justamente por conta da reincidência do abuso. Se quando criança, é vítima, quando adulto, reproduz a violência. "No meu mestrado estudei a identidade do vitimizador. Ele é aquele que, quando abusador sexual, se transforma em vítima sacrificial, ou seja, é um bode expiatório que tira a culpa dos outros".

Daniela, do Mãe Águia, Maher e Luiza, psicóloga especialista em psicodrama.

O psicólogo foi responsável por instituir em São Paulo, no Carnaval, a campanha do "Não é Não", contra aquela balela de que o "não" da mulher quer dizer um sim, nas entrelinhas. "É nessa que cria-se a ideia de que, inconscientemente , a mulher goste de ser estuprada", pontua ele sobre a importância de que mais campanhas como a citada sejam feitas.

Sem entrar muito no mérito de como acontece a cura, ele diz que num trabalho associado a psiquiatras e assistentes sociais, o estudo de tratamento de vitimizadores teve zero de reincidência. "Temos códigos de controle com agentes sociais e meios de pequisa para confirmar", afirma.

Ainda na palestra Maher apresentou os números, atualizados, das pesquisas sobre o vitimizadores. De acordo com ele, em nível nacional, já foram feitos 19.851 atendimentos a vitimizadores e destes quase 20 mil pessoas, 64% são homens e o restante mulheres. 

As experíências dele já foram levadas para Cuiabá, São Paulo, Manaus e agora, por meio da Associação Mães Águia, de acolhimento a vítimas de violência."Já realizamos esse trabalho há 5 anos com as vítimas e pretendemos, agora com o apadrinhamento do Maher, começar um trablaho mais amplo com os, como ele diz, vitimizadores", explica a presidente do projeto Daniela de Cássia Duarte.

Finalmente, aos olhos de Maher, a solução para acabar com a cultura da violência é uma: educação sexual dentro das escolas. "Coisa que nem hoje nós temos. Aprende-se sobre prevenção de doenças e de gravidez, não sobre sexualidade", pontua ele. Em tempos em que candidatos defendem castração química, ouvir as palavras desse estudioso da paz é mudar de visão, ao menos um pouco, e dar uma segunda chance para aquele que também foi vítima um dia.

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