Comportamento

Chamada de doida, Maria fez da clínica psiquiátrica poesia para viver

Diagnosticada com transtorno bipolar, escritora encontrou nas palavras uma forma de se expressar e viver

Jéssica Fernandes | 26/04/2022 07:37
As passagens pela clínica psiquiátrica renderam lições e um livro de poesias intitulado “Jardim Secreto”.
As passagens pela clínica psiquiátrica renderam lições e um livro de poesias intitulado “Jardim Secreto”.

Antes da escrita, Maria Gorete de Moura, de 61 anos, descobriu que tinha talento na música. Na adolescência, começou a produzir as primeiras poesias e não demorou para se destacar nos concursos de letras e literaturas que participava. Desde cedo, a escritora sabia que era diferente, mas somente aos 44 anos recebeu o diagnóstico de transtorno bipolar e, posteriormente, vivenciou 10 anos de depressão até voltar a escrever. 

As passagens pela clínica psiquiátrica renderam lições e um livro de poesias chamado “Jardim Secreto”, que será lançado no dia 28 de abril, na Biblioteca Municipal Anna Luiza Prado Bastos. A obra é a 13º na carreira da mulher que já teve fama de doida, mas hoje, ergue a voz para falar sobre o transtorno e contra qualquer tipo de preconceito. 

Natural do Rio Grande do Norte, Maria Gorete fala que não foi ela que descobriu Campo Grande e sim, o contrário. Na década de 1980, ela veio com os irmãos para a cidade, se formou no curso de Letras e não voltou mais à terra natal. Membro da UBE/MS (União Brasileira de Escritores de Mato Grosso do Sul) desde 1987, a poeta tem o objetivo de escrever e publicar livros enquanto continuar vivendo.

Em Jardim Secreto, a escritora traz ao público uma parte de si e dos sentimentos vividos no período que esteve internada. Ao Lado B, ela comentou sobre a última passagem e o motivo que a levou a escrever as poesias. “Eu fui internada cinco vezes e na última vez, falei: 'Eu vou fazer isso diferente'. Para sair do hospital, eu tinha que mostrar que estava bem, comecei a escrever e foram saindo os poemas”, conta. 

A obra é a 13º na carreira da mulher que já teve fama de doida, mas hoje, ergue a voz para falar sobre o transtorno e contra qualquer tipo de preconceito.

Na última passagem pelo local, Maria Gorete teve um novo entendimento e olhar sobre o próprio transtorno. A escritora comenta que, desde 2015, procura ser uma referência para aqueles que têm o mesmo diagnóstico que o dela. “Eu falei para o meu psiquiatra que quero levantar essa bandeira de que o bipolar também é capaz e ser útil à sociedade”, explica.

Apesar de hoje estar bem, ela viveu situações delicadas, desde o preconceito alheio à luta contra a depressão. “Eu passei por vários vexames, já fui taxada de louca e sofri preconceito”, desabafa.  Ao recordar como recebeu o diagnóstico, Maria não esconde que ficou fragilizada. “As pessoas viam como diferentes no jeito de falar, vestir e me comportar, mas eu me via normal e era feliz. Em 2004, fui constatada como bipolar, não aceitei e fiquei dez anos em depressão severa”, expõe.

Após ficar uma década sem produzir, Maria retornou para a literatura e os poemas. A profissional fala que o regresso pôs fim ao receio de não conseguir mais escrever. “Eu acreditava que nunca mais iria voltar, porque a depressão era tão grande, que eu só queria ficar em cima da minha cama”, afirma. 

Além da escrita, as composições e a música, ela desenvolve outra função artística que é pintar quadros. Em 2015, ela descobriu a atividade na última internação e, seguindo recomendações médicas, não parou mais e hoje, faz aulas no sindicato dos professores. Embora goste de pintar, Maria vê o exercício apenas como um hobby, porém encara a música e a escrita com profissionalismo.

Por meio das palavras, a escritora quer continuar existindo e escancarando as janelas da vida.  Por essa razão, Maria sente urgência em seguir escrevendo e revela que tem planos de lançar um livro anualmente. “Eu nem sei quando a vida vai me levar, então, vai ser um livro atrás do outro. Eu tenho até o título do próximo”, adianta.

Em relação ao dia do lançamento do livro, a autora enfatiza só ter um desejo para a ocasião. “Eu gostaria que os bipolares estivessem presentes e profissionais da saúde mental. Eu ficaria muito feliz”, conclui.

Jardim Secreto será lançado no dia 28 de abril, às 15h, na Biblioteca Municipal Anna Luiza Prado Bastos, localizada no Horto Florestal. O livro pode ser adquirido através do WhatsApp da editora (67) 9. 9227-5169.

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