Comportamento

Brinquedos guardados durante 30 anos fazem pai e filha serem crianças juntos

Paula Maciulevicius | 20/11/2014 08:12
Sarah tem 8 anos. Vicente tem 37. Presente e passado voltam à mesma cena através dos brinquedos. (Foto: Alcides Neto)
Sarah tem 8 anos. Vicente tem 37. Presente e passado voltam à mesma cena através dos brinquedos. (Foto: Alcides Neto)

Pelos trilhos do trem, pai e filha lidam num mesmo momento com saudade, presença, diferentes noções de tamanho e tempo. As proporções tomadas por cada um é reflexo da idade. Depois de 30 anos encaixotados, o Playmobil e o Ferrorama retornaram à sala de Vicente Barros. Mas não para si. Os brinquedos que alegravam as tardes de domingo do pai, hoje são as ferramentas para a imaginação da filha.

Sarah tem 8 anos. Vicente tem 37. Presente e passado voltam à mesma cena através dos brinquedos. Funcionário público e fotógrafo, ele guardou o que mais gostava, justamente para que os filhos se divertissem com o que lhe rendeu tanta risada na infância.

"Eu nunca preferi menino ou menina, nada disso. Guardei para eles e cheguei a deixar na caixa original. Acho que era algo sentimental, eu gostava muito desses brinquedos de uma forma que não consigo explicar...", comenta.

A decisão de guardá-los era para que ele se encantasse de novo pelos já velhos brinquedos. (Foto: Alcides Neto)

O Playmobil era uma das paixões que Vicente transferiu à filha. "Eu tinha poucos, porque na minha época eram muito caros. O Ferrorama, era minha atração do final de semana. Meu pai brincava todo domingo comigo", lembra.

A decisão de guardá-los era para que ele se encantasse de novo pelos mesmos e já velhos brinquedos, mas com um olhar novo, de criança que nunca viu trem andar pelos trilhos na sala de casa. As caixas estavam em Minas Gerais até o nascimento de Sara, estado em que Vicente nasceu e foi criado, na casa dos pais.

"Quando meus pais vieram para cá, eu que fui buscar a mudança. Muita coisa foi doada, mas o que eu mais brincava, acabei trazendo".

De início, ele ainda relutou em deixar e filha, por ser menina, brincar com os bonequinhos e soldadinhos. "Mas quando ela viu, se apaixonou. Ela tinha uns 4 anos, minha mãe abriu a caixa e mostrou. Ela gostou de um playmobil, um palhaço de circo, que não tinha mais chapéu, nem nada, mas ela gostou".

O tempo guardado - tanto fisicamente, do brinquedo na caixa - como na memória do pai, conservaram o brinquedo ao máximo. (Foto: Alcides Neto)

Desde então, Sarah passou a ganhar Playmobil e a sala de casa teve de abrir espaço para o zoológico, o hospital, o socorro que os bombeiros prestam ao acidente na rua. Todas as cenas se passam no mesmo ambiente. Na terra de imaginação de Sarah.

"O nome desse? É Juninho, porque era o nome de um amigo do papai que era pretinho e muito danado". A frase sai da boca da menina Sarah sem qualquer preconceito. O boneco, negro, é uma homenagem ao personagem das histórias que o pai conta. "Antes de dormir ela sempre me pede para contar uma história de quando eu era criança", explica Vicente.

No último domingo, na volta da casa da avó paterna, Sarah trouxe escondido no porta-malas a caixa do Ferrorama. Ela chegou a pedir, mas o pai resistiu em levar. A avó foi quem, segundo a menina, a ajudou a levar sem que ninguém percebesse.

Ao descarregar o carro, lá estava o ferrorama de 30 atrás e a vontade da criança Sarah de ver o pai voltar no tempo e botar o trem nos trilhos. O manual tem as páginas amareladas, o trenzinho tem a borracha das rodas desgastada e o mais difícil foi encontrar as pilhas. A peregrinação terminou na conveniência de um posto de gasolinas para a compra de duas pilhas médias.

"Eu achei muito legal, nunca vi para vender", revela Sarah. O tempo guardado - tanto fisicamente, do brinquedo na caixa - como na memória do pai, conservaram o brinquedo ao máximo. Volta e meia ele sai dos trilhos, mas ainda garante diversão e nostalgia.

Ao pai ela já avisou que vai guardar os mesmos brinquedos para os filhos dela. A menina só tem 8 anos. (Foto: Alcides Neto)

"Passava uma semana montado em casa e a sala era menor que essa. Hoje a gente monta com a condição de que se desmonta depois da brincadeira", compara o pai.

O tempo que antes levava a montagem da brincadeira era, na cabeça do Vicente criança, uma eternidade. "Olha, vou ser sincero, a noção de tempo, quando a gente é criança, é muito diferente. Eu achava demorava para montar, que levava horas e que era gigante", responde. "E é", completa a filha.

O pai de Vicente, avô de Sarah é quem tinha a paciência de montar e depois também desmontar. A mesma que Vicente carrega hoje. "Quando eu terminei de montar, fiquei olhando, caramba. Ela brincou mais que eu. Acho que a graça estava em montar", relembra a infância.

Ao perguntar para Sarah se ela imagina o pai, deste tamanho, brincando, ela diz que sim. "Porque ele já brincou comigo".

Além dos brinquedos de agora darem a impressão de serem mais descartáveis, parecem bem menos divertidos. Talvez pequenos, sem a proporção do passado.

"Quando é criança imagina que tudo é gigante e não é que encolhe. Eu achava meu pai um gigante, hoje ele bate no meu ombro. É que a gente cresce", enxerga o pai. Sarah ainda vê com os olhos de menina, tudo grande, demorado, intenso e talvez duradouro.

Ao pai ela já avisou que vai guardar os mesmos brinquedos para os filhos dela. A menina só tem 8 anos.

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