Comportamento

AVC deixou alunas órfãs do professor de ginástica mais conhecido da cidade

Paula Maciulevicius | 29/03/2017 07:45
Helder em viagem de férias. Professor que transformava alunas em amigas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Helder em viagem de férias. Professor que transformava alunas em amigas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na aula de ginástica localizada, no Rádio Clube. (Foto: Arquivo Pessoal)

Helder Andrade não teve filhos, mas deixou uma legião de alunas e amigas órfãs quando partiu aos 52 anos. Um AVC (Acidente Vascular Cerebral), junto de um aneurisma, interrompeu as aulas de ginástica localizada no Rádio Clube, onde o professor fez tanta mulherada se exercitar durante os 26 anos em que trabalhou ali.

Já faz quase um ano desde que Helder passou mal em casa, foi socorrido pela mãe e vizinhos e ficou internado por três dias. Dona Maria autorizou a doação de órgãos do filho, o que é um alento hoje para quem ficou sozinha. "Eu sei que tem três pessoas, não sei quem são, mas elas têm uma partezinha dele".

Aos 83 anos, é à porta dela que o Lado B bate para contar a trajetória de Helder, o professor que no início dos anos 90 tinha o cabelo comprido preso num rabo e os óculos de armação grossa e preta e que não deixava aluna atrasada entrar na sala.

Ana Cristina, amiga desde o cursinho. (Foto: Arquivo Pessoal)

Helder terminou o colégio, começou a trabalhar em um banco e disse à família que não estudaria, mas acabou mudando de ideia e resolveu fazer cursinho para o vestibular de Educação Física. Foi aprovado e ainda na faculdade começou a trabalhar.

"Logo uma professora de Campinhas que tinha uma academia, chamou ele para dar aula e ele começou a trabalhar no Bela Center e também no Rádio Clube, mas tinha que escolher e ele ficou no Rádio. Este ano ia fazer 27 anos, ele nunca mais saiu", narra Maria Mungo de Andrade.

E foi nesta época entre cursinho, faculdade e início das aulas no Rádio, que Helder virou irmão de Ana Cristina. Uma de suas amigas de décadas. "Eu conheci o Helder em 1987, quando ele veio me perguntar se a gente era concorrente. Ele, daquele jeito todo sarcástico, eu só respondi: 'uma vaga já é minha, você que estude para outra'. E a gente fez amizade de cara", recorda.

Os dois foram aprovados e estreitaram amizade ao longo do curso e também no trabalho. Helder e Ana deram aulas no Rádio nos primeiros anos de 1990 e mesmo depois que ela saiu de lá, a amizade continuou exatamente a mesma.

"Tem um lugar na minha casa, perto de um balcão, que nestes quase 30 anos que a gente se conheceu, ele só sentava ali. Desde que ele morreu, ninguém quer sentar. É o cantinho do Helder", descreve a professora de Educação Física e também advogada, Ana Cristina Medeiros, de 47 anos.

Jussara, aluna que caiu de paraquedas na aula e hoje é uma das órfãs. (Foto: Arquivo Pessoal)

No Rádio Clube, a "turminha do Helder" são as alunas que se tornaram amigas no decorrer dos anos e das "broncas". Com duas décadas de trabalho, Helder também viu muitas crianças crescerem pelos corredores do clube. A idade mínima para começar as aulas era 14 anos, não adiantava pedir. Eu mesma, passei meses atormentando o professor e quando finalmente completei a idade, mal aguentei uma aula. Helder tinha um ritmo puxadíssimo. 

Foi para se enturmar na cidade que a empresária Jussara Rebetchuk, ficou sócia do Rádio e começou as aulas de ginástica do Helder, 13 anos atrás. "Caí de paraquedas e a primeira aula que fiz foi a dele. Até hoje estávamos comentando a falta que ele faz", conta a empresária de 42 anos.

Não tem aluna que não o coloque como o melhor professor do mundo. "Perfeito, assíduo, pontual e com uma turma de amigos. O que eu mais sinto falta é do humor que o tornava único. Não existe pessoa como ele, nem parecido". 

A última aluna-amiga com quem Helder conversou foi a advogada Andrea Flores. Na última década, ele ia à casa dela três vezes por semana como personal trainer e outras duas - aos finais de semana - como amigo. 

Primeiro veio a amizade e depois a relação professor e aula e somando, foram mais de 20 anos de cumplicidade que geraram um apelido entre os dois "Mel". "Toda terça-feira ele vinha aqui e depois da aula, assistir Master Chef com o meu marido. Só que aquele dia, chamaram o Lamartine para um jogo de futebol e ele foi embora", conta Andrea. 

Sem que ninguém soubesse que era uma despedida, o papo entre os dois naquela noite foi de saudade. Andrea tinha perdido o pai fazia uma semana e os amigos ficaram falando sobre perdas. "Saudade. Foi a última conversa que tive com ele. Depois ele sentou para lanchar e foi embora. Às 10h e pouco da noite, a mãe dele me ligou aos prantos. Foi repentino... Ele nunca deu uma pista de que havia uma doença, mas o aneurisma é silencioso mesmo", não se conforma. 

O amigo, irmão e professor que Andrea perdeu aquele dia deixou inúmeras lembranças de jantares, viagens e festas de Ano Novo. "Ele era uma pessoa muito marcante e tinha muitos bordões. Até hoje quando a gente reúne amigos, parece que sabemos exatamente o que ele falaria".

Antes do AVC, Helder ainda pediu "bença" para a mãe que no velório, teve a certeza do que sempre achou a vida toda. "Era um salão tão grande e ficou cheio de gente. Eu não sabia que meu filho era tão querido. Só via homens e mulheres chorando e me abraçando: 'sou aluna dele há 25 anos'".

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Parte dos amigas que ficaram órfãs. (Foto: Arquivo Pessoal)
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