Comportamento

Assaltada 5 vezes, psicóloga ainda é forte defensora dos direitos humanos

Paula Maciulevicius | 11/11/2016 06:20
Andrea, psicóloga, gaúcha e professora universitária, é ela quem narra como é ser contra a corrente nesta semana. (Foto: Marina Pacheco)
Andrea, psicóloga, gaúcha e professora universitária, é ela quem narra como é ser contra a corrente nesta semana. (Foto: Marina Pacheco)

O Contra Corrente desta semana é com alguém que mergulhou de cabeça nos Direitos Humanos. Que começou o curso de Psicologia como a maioria dos acadêmicos, pensando em tratar o indivíduo e clinicar, mas descobriu no meio do caminho que pensar no contexto era ver as desigualdades que a sociedade produz e querer militar contra elas.

Andrea Scisleski é professora universitária da UCDB, mestre e doutora em Psicologia Social. Gaúcha de 40 anos e que está na Capital nos últimos cinco para nadar aqui, contra a corrente. Enquanto o discurso raso chama direitos humanos de "defesa de bandidos e vagabundos", ela resiste em um debate bem mais profundo.

São pelo menos três disciplinas trabalhadas na graduação em cima da Psicologia Social e em resumo, Andrea explica que ao invés de pensar o indivíduo como ele é, "se pensa em como a sociedade se configura para que surja uma determinada forma de ser indivíduo".

"Tu tem toda uma correnteza contrária, mas é super gratificante, quando apesar de tudo isso, a gente consegue andar alguma coisa", comemora. (Foto: Marina Pacheco)

Em termos de pesquisa e de trabalho, Andrea se pauta nos Direitos Humanos. "Trabalho sobretudo com o que acaba ficando na marginalidade: a juventude, a própria questão das drogas, com adolescente envolvido com a lei", descreve. 

E o que então são os Direitos Humanos? A começar, Andrea explica que é uma questão interdisciplinar, que não fica só na alçada do Direito.

"Vão aparecer para gente de outras áreas e tentamos pensar como algumas dessas camadas sociais, dessas fatias populacionais que acabam sendo marginalizadas ou desprezadas pela sociedade e que vão ficar fora disso. Então Direitos Humanos tem a ver com o movimento que essas pessas que pensam e reivindicam por questões que lhe são pertinentes e como tentam, de alguma maneira, se fazer visíveis e reconhecidas", detalha.

O primeiro contato com essa maneira de pensar além do indivíduo veio ainda na faculdade. Como acadêmica, Andrea conta que foi aplicar uma avaliação psicológica em crianças, alunos de uma escola pública da periferia. "Era um teste de inteligência: tinha um determinado desenho que era uma mesa de três pés e a criança tinha de dizer o que estava falando. Seriam quatro pés, era essa a resposta correta e sabe o que ela respondeu? Que faltava comida", recorda.

Se Andrea seguisse à risca a resposta, diria que a criança errou. "Mas o que eu vou levar em consideração na Psicologia Social? Esse social dessa criança, não posso ignorar e dizer que ela deu uma resposta errada no teste. Tenho de fazer o contrário, dizer que o teste é insuficiente para dar conta do contexto de uma criança", avalia. 

E é contra essa corrente que a psicóloga tem caminhado desde a graduação. "Ir contra a corrente seria um pouco dessa ideia, de dizer o que é inteligência e isso está pensado para um determinado padrão e pessoas que formularam aquele teste. Então não é uma coisa que tu pode generalizar", exemplifica. 

O jargão mais ouvido por aí em relação aos Direitos Humanos é o "bandido bom é bandido morto" e quanto a isso, a especialista diz que é difícil começar qualquer discussão com quem tem esse tipo de argumento.

"Tu pensa que é para defender o bandido? Mas não é nada disso. É muito mais para pensar que a nossa sociedade precisa e produz bandidos para que ela tenha onde botar a culpa. São os bodes espiatórios e nós temos de nos colocar como parte do problema, do que causa o bandido".

Um exemplo? "O que se passa muito é a experiência individual do sujeito. Eu mesma já fui assaltada cinco vezes e de tudo quanto é tipo de jeito. Eu poderia pensar que por causa dessa coisa pessoal, o bandido tinha que morrer, que é o que a gente escuta por aí", compara. 

Num primeiro momento, Andrea não nega que sim, a raiva faz qualquer um pensar isso. "Não é que eu vá ficar com pena delas, mas é gente de lugares muito diferentes e às vezes a estratégia de sobrevivência daquele sujeito é tentar me roubar alguma coisa. Se a gente conseguir criar outras formas de ver aquele sujeito, não como criminoso, ele também vai responder e eu acredito muito nisso", enfatiza.

Então o que é nadar contra a corrente? É, para a psicóloga, um movimento de muito esforço, mas que compensa. "Tu tem toda uma correnteza contrária, mas é super gratificante, quando apesar de tudo isso, a gente consegue andar alguma coisa. Numa sala de aula ou nas orientações, quando um aluno diz que abriu uma janela, acho que isso dá uma oxigenada. É diferente fazer a diferença, por mais que seja mínima, não vai mudar o mundo, mas o nosso dia a dia, a forma de vermos as coisas", reflete. 

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