Comportamento

Aos 80 anos, Carlito não abre mão da camisa social para vender água de coco

Ele está há 20 anos no mesmo local e até o pé de figo que faz sombra para a barraquinha foi ele quem plantou

Alana Portela | 23/10/2019 08:38
Carlito Barbosa oferece água de coco para as pessoas (Foto: Alana Portela)
Carlito Barbosa oferece água de coco para as pessoas (Foto: Alana Portela)

Aparência é tudo, diz Carlito Barbosa. Aos 80 anos, ele mantém o estilo e usa traje social para vender água de coco e garapa. Já virou um personagem de Campo Grande. “Estou sempre bem-arrumado porque esse tipo de trabalho precisa. A roupa é meu uniforme e já venho de casa bem-vestido. Tem de andar limpo e ser asseado porque é um produto manipulado”, diz.

Ele é vaidoso e na lateral do carrinho, colocou um espelho tanto para ele quanto para os clientes darem uma retocada no visual. “Esse espelho tem história. Há um tempo, um carro bateu e caiu o retrovisor dele, mas ninguém pegou da rua e quando vi, o espelho estava intacto. Colei no carrinho e percebi que as pessoas se levantavam e se arrumam. Aí comprei esse maior na intenção de facilitar”.

A garaparia fica na esquina da Avenida Mato Grosso com a rua João Akamine, no Jardim dos Estados há 20 anos. Cansou-se da vida de caminhoneiro quando comprou pela primeira vez uma máquina de fazer garapa.

A ideia surgiu, pois, quando criança, Carlito morava numa fazenda e via seu pai trabalhando na lavoura. Por lá, tinha muita cana e coqueiro. “Cana é fácil pegar, mas o coco precisa de muita água”, conta.

Ele usa o espelho para manter a aparência (Foto: Alana Portela)

“Deixei a estrada, comprei máquina e trouxe para esse ponto. Plantei esse pé de figo aqui, coloquei um banco de madeira em volta para os clientes se acomodarem porque quando pedi a licença na prefeitura, eles disseram que não deveria ter nada solto na calçada ou na rua”, lembra.

Na época, vendia bem e com o dinheiro que recebia, sustentava a esposa e ajudava os três filhos. “No início o copo da garapa era R$ 1. O pessoal comprava bastante porque era barato aqui nesse ponto não tinha ninguém fazendo esse serviço”, diz. Os moradores aproveitaram os dias de sol para sentar na sombra e adoçar a boca.

Contudo, duas décadas depois o preço do copo subiu para R$5 e a água de coco é vendida R$6. Carlito trabalha no local de segunda a sexta, das 9h às 17 e aos sábados das 9h às 11h. Recebe benefício da Lei Orgânica da Assistência Social, mas insiste em continuar na ativa. “É minha distração. Os idosos chegam numa certa idade e se acomodam, acho isso um erro porque é aí que aparecem as doenças e enferruja. Tenho medo de enferrujar”, brinca o garapeiro.

Ele furando o coco para vender (Foto: Alana Portela)
Garapa é servida no copo (Foto: Foursquare)

Com o passar dos anos, os produtos deixaram de ser novidade no local e o movimento caiu. Hoje, são pouquíssimas pessoas que param, cerca de um cliente a cada uma hora de trabalho. Contudo, Carlito é paciente e em sua cadeira de fio, se acomoda e aguarda.

“Tem dia que está vazio, não aparece muita gente, mas sou persistente. Gosto de ficar sentado nessa sombra e esperar o tempo passar. Compro todos os dias às mercadorias e fico até conseguir vender um pouco. Enquanto estou aqui, minha esposa Clarice fica cuidando de casa e me incentivando”, relata.

Carlito aproveita do carisma e usa a sua simpatia para conquistar cada um que passa por lá. Assim que alguém se aproxima, ele abre um sorriso no rosto e cumprimenta. “Bom dia, boa tarde meu querido. Vai um caldo de cana ou água de coco hoje? Está fresquinha”, anuncia.

Se a pessoa aceita, ele já prepara. Coloca a cana para moer e um copo perto da máquina, onde o caldo vai sair. Enquanto isso, corta um limão e pega gelo em bloquinhos e acrescenta na bebida. Se é coco, ele vai ao armazém que fica ao lado, pega da geladeira e corta a parte de cima num piscar de olhos. São anos de experiência e dedicação ao seu negócio.

Assim que o cliente recebe o que pediu, ele oferece o banco para se sentar e ainda bate-papo, para descontrair. Se deixar por ele, a conversa vai longe.

Um banco de madeira foi instalado ao redor de uma árvore (Foto: Alana Portela)
No local ficam todos os utensílios usados na hora de preparar o caldo de cana (Foto: Alana Portela)
Ele mostra como usa a máquina para moer a cana (Foto: Alana Portela)

O pouco que ainda recebe é economizado porque tem que se preparar para a compra de outra máquina. “Com o tempo, ela estraga porque é um trabalho pesado. Aí preciso comprar outra porque consertar sai muito caro. Essa minha já tenho há quatro anos”.

Nesses 20 anos, Carlito relata que decidiu manter a barraca na cor azul e amarela. “Foi essa a cor da primeira e eu gosto. Todo ano tento dar uma retocada na pintura. Fiz um teto em cima da máquina para os dias de chuva”.

Curta o Lado B no Facebook e no Instagram

Carlito corta o coco para quem quiser a castanha (Foto: Alana Portela)
Nos siga no