Comportamento

Amigos se reúnem após 45 anos sem se ver e revivem as “brincadeiras” de 1970

A cada encontro, o grupo fortalece a certeza de que a amizade verdadeira nunca morre

Danielle Valentim | 31/10/2019 07:54
Turma esperando a passagem do trem. (Foto: Arquivo Pessoal)
Turma esperando a passagem do trem. (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma turma de seresteiros conseguiu organizar um reencontro após 45 anos sem se ver, em Campo Grande. A primeira “brincadeira” - o nome que davam para festinha na década de 1970 - juntou oito amigos, mas a cada encontro mais gente foi encontrada. Hoje 25 pessoas que moravam na região Oeste da Capital revivem a época das serenatas e caronas de trem. A história dessa turma será contada hoje no #TBT do Lado B.

Eles não se desgrudavam. Todos os dias se reuniam para cantar e tocar violão noite adentro, mas as imposições da vida, trabalho e família acabaram afastando a turma. Alguns mantiveram contato por conta de parentesco, mas após mais de quatro décadas sem contato e com a ajuda da internet e endereços antigos, os amigos organizaram uma festa.

O ano era 1973 e um grupo de adolescentes seresteiros dos bairros Lar do Trabalhador, Santo Antônio, Vila Alba, Jardim Petrópolis, Santo Amaro e Ipanema, se reuniam para cantar até a chegada do alvorecer.

A música uniu, mas o poder da amizade não deixou que o tempo apagasse os momentos vividos por essa galerinha. A frase: “Dizem que amigos verdadeiros podem passar longos períodos sem se falar porque quando eles se encontram, parecem que se viram ontem”, nunca fez tanto sentido.

Fogareiro no acampamento. (Foto: Arquivo Pessoal)
Faziam tudo juntos.(Foto: Arquivo Pessoal)
Cachoeirão era ponto certo da galerinha. (Foto: Arquivo Pessoal)

A ideia do reencontro surgiu com a aposentada Helena Feitosa Alvares Barreto, de 62 anos, chamada no grupo de “Leninha”. Ela conta que sempre manteve o contato com o primo João Carlos Fernandes Maciel, o Carlinhos, Marilene Albuquerque, a Fátima, Isac e Aramis.

“A partir do contato que eu já tinha com eles, um foi encontrando o outro, perguntando os paradeiros, até juntar todos novamente”.

Helena conta que o primeiro encontro aconteceu na casa de Marilene Veiga, o segundo na casa de Marilene Albuquerque e o terceiro na de Neide Nogueira. “Um dia conversando com Carlinhos, vi que ele tinha postado uma foto com Joãozinho (João Roberto) e tive vontade de reunir todo mundo novamente. Joãozinho é nossa referência na música. Ele tocava violão e cantava. Os meninos sempre faziam serenatas”, lembra.

A mais velha de todo o grupo, era Angela, irmã de Carlinhos. “Como era escoteira, época de semana santa ou Carnaval ela nos acompanhava em acampamentos, organizados por nós mesmos. As meninas dormiam de um lado e os meninos do outro. Era mato mesmo, mas a gente nem dormia na verdade”, conta.

Os jovens bem anos 70. (Foto: Arquivo Pessoal)
A equipe tinha ajuda de escoteira e a mochila era caprichada. (Foto: Arquivo Pessoal)
À esquerda Nelson Capial de chapéu. (Foto: Arquivo Pessoal)
Biquini da moda em 1970. (Foto: Arquivo Pessoal)

Geração raiz – Helena garante que os jovens de hoje jamais saberão o que era um rolê saudável como antes. “Meu filho ainda quando vem, ele mora em São Paulo, reúne os amigos, mas não igual nós. É diferente”, frisa.

Helena conta que o penúltimo integrante a ser encontrado foi Pepe. “Eu consegui o telefone dele num velório que eu fui. Depois para achar Nelsinho (Nelso Capial), fui até a casa da mãe dele. Cheguei lá perguntei, com muito custo ela me reconheceu e passou o telefone dele”, lembra.

Marilene Veiga conta que muitos amigos já não moram em Campo Grande. “Alguns moram em Santa Catarina, Rolândia, Ponta Porã, Manaus... o Joãozinho, que mora em Balneário Camboriú, veio visitar a filha e a Helena encontrou com ele. Surgiu o primeiro encontro há cinco anos e foi na minha casa”, conta.

Ela lembra que estava muito frio, mas no encontro compareceram Helena, Fátima, Marilene Albuquerque, e os amigos Isac, Joãozinho, Carlinho, Carlão e Aramis.

“Depois cada um foi localizando mais integrantes e o grupo juntou 25 amigos. “Desde então nós nos reunimos sempre, na minha casa a maioria das vezes, mas a ideia partiu da Heleninha”, lembra Marilene Veiga.

A festinhas nas casas dos amigos, antigamente eram chamadas de “brincadeiras”. “Nós sempre armávamos as brincadeiras, pegava a toca disco, violão e se reunia”, lembra Marilene.

Encontros atuais. (Foto: Arquivo Pessoal)
A selfie é garantida. (Foto: Arquivo Pessoal)
Pessoal reunido. (Foto: Arquivo Pessoal)

Disposição de 17 anos - João Carlos, de 62 anos, conhecido como Carlinhos ou “Rastelo”, apelido herdado pelos fios crespos é o que mais guarda lembranças.

“Começamos por conta de música. Na verdade, João Roberto é o cara que nos impulsionou na música. Hoje ele mora em Balneário. Nos separamos diante do rumo que as nossas vidas foram tomando, mas nunca nos esquecemos. No nosso primeiro encontro, há cinco anos, percebemos que todos tinham a disposição dos 17, outra vez. Nossas reuniões viraram um tipo de oxigênio”, conta.

Carlinhos ressalta que ao chegar a uma certa idade, as pessoas entendem, definitivamente, que amizade verdadeira não acaba. “Para você ter uma ideia nos juntamos outra vez depois de 45 anos, mas mesmo no tempo de convivência, nunca discutimos, nunca nos desentendemos”, garante.

Até hoje, Carlinhos, seu filho, Aramis e Carlos Irineu Gonzales, o Carlão, se encontram para estudar música. “Começou com João Roberto, no Violão, Carlos Irineu e eu na voz e Aramis no contrabaixo. Até hoje a gente canta em 4 e 5 vozes ou pelo menos tenta”.

Naquele tempo, Carlinhos lembra que a forma de levar a vida era muito diferente. Campo Grande tinha uns 100 mil habitantes e ninguém tinha carro. “Ninguém tinha dinheiro também. O Carlão arrumava namorada do outro lado da cidade e nós saíamos do Lar do Trabalhar ao Morenão para fazer serenata”, lembra.

São nomes que não acabam mais. Carlinhos ainda lembrou de Tereza, Ingrid, Neiva e demais amigos do grupão de meninos e meninas. Ele garante que o grupo tinha liberdade e sempre foi à frente do tempo.

“Éramos livres e nunca nos envolvemos com drogas. Nossas festas eram regadas a ponche, só isso. Sobre primeiro encontro, eu posso garantir que foi melhor que há 45 anos. Porque a gente já tem certeza do que é a vida. Naquela época a gente não tinha essa certeza. Nós costumamos dizer que não somos amigos, somos uma irmandade que Deus uniu. Hoje a gente consegue ver que somos iguais e que se trata de um amor ágape. A gente chegou a um ponto de sublimação, que não consegue imaginar a vida sem uns aos outros. Eu acho que é muito mais que uma amizade”, explica.

Acampamento e caronas de trem – Carlos lembra que em frente ao Aeroporto no sentido a um conjunto de prédios tinha uma pequena estação de trem. A locomotiva não parava, mas passava às 4h numa velocidade suficiente para garantir que todos pulassem para dentro.

“Seguíamos para Cachoeirão aos domingos e só voltávamos ao fim da tarde. Nós éramos bem pobres e pegávamos carona, mesmo. Depois às 16h, o trem passava novamente e a gente voltava”, conta.

Época de feriado de Carnaval, o grupo chegava acampar por cinco dias. “Íamos na sexta e só voltámos numa quinta. A gente armava barracas e lá os divertíamos, sem sexo, porque isso era um tabu na época. Nos respeitávamos muito”, conta.

As fotos dos acampamentos são raras. Foram guardadas com muito carinho pela empresária Marilde de Oliveira Maciel, 61 anos. Assim que se casou, a campo-grandense se mudou com o marido para Manaus e lá está há 38 anos.

“Me separei, mas continuei em Manaus por causa dos filhos. Como tenho família em Campo Grande acabo ficando parte do tempo nas duas cidades. Eu nunca esqueci o grupo, nesses 38 anos que moro aqui, minha vontade sempre foi voltar. Quando minha mãe era viva ainda dava notícias de um ou de outro, mas depois só com a internet mesmo para a gente se reencontrar. As fotos eu sempre olhei. Naquela época não tinha muito a opção de tirar foto e o pessoal nem sabia que eu tinha essas”, conta.

Toda vez que se encontram, o sentimento é de volta ao tempo. “A gente volta mesmo à adolescência e dá muita risada. Todo mundo já constituiu família. É um amor de irmãos. Na verdade, chega a ser maior que de irmão, porque muitos familiares nem conviveram como nós convivemos. Deus tem um propósito para gente depois de tantos anos conseguir se reencontrar”, finaliza.

Jefferson Parra, que atualmente mora em Ponta Porã, também comentou sobre a união. "Agradeço a Deus em ter amigos verdadeiros, pois acredito que Deus em sua infinita sabedoria, muitas vezes nos traz aquilo que necessitamos. E meus amigos carinhosos são meu presente, é um prêmio de Deus em minha vida, um anjo que me carrega no colo e que não se importa com as situações que a vida nos proporciona. Verdadeiros amigos, nunca estão longe, ou distantes, mas sempre unidos pelo sentimento inigualável do Amor. Tenho por meus amigos carinhosos uma imensa gratidão.
Gratidão essa, que eu faço de ressaltar toda vez que os encontro, porque são um fortíssimo aliado a minha verdadeira felicidade. Os meus dedos escrevem, mas meu coração que direciona tudo o que ele sente, gratidão e amor, eternamente... muito obrigado!".

Curta o Lado B no Facebook e Instagram.

Confira mais fotos dos encontros do grupo.

Nos siga no