Comportamento

Acadêmicos fazem aulão em praça para um pensamento crítico menos desmerecido

No fim de semana, aulão público e exposição de 22 trabalhos científicos movimentaram a Praça Ary Coelho

Danielle Valentim | 20/05/2019 08:09
projeto Ágora tem programação para o resto do ano nos quatro cantos de Campo Grande.(Foto: Danielle Valentim)
projeto Ágora tem programação para o resto do ano nos quatro cantos de Campo Grande.(Foto: Danielle Valentim)

Acadêmicos dos cursos de Filosofia, Ciências Sociais, História e Direito da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) movimentaram a Praça Ary Coelho no fim de semana. Um aulão público levou debate, trabalhos científicos e muitas explicações antes só discutidas dentro das paredes das universidades. Quem passou pelo Centro teve a oportunidade de “sugar” conhecimento de muita gente disposta a debater. A boa notícia é que o Projeto Ágora tem programação para o resto do ano nos quatro cantos de Campo Grande.

O professor doutor em Filosofia Weiny César Pinto coordena o projeto Ágora. Segundo ele, a aula pública fora da universidade era planejada desde o início do semestre e não possui ligação com os últimos acontecimentos políticos no Brasil.

“Esse projeto está sendo pensando desde o primeiro dia de aula eu apresentei o plano de aula e falei sobre a aula pública. Mas por circunstância histórica o projeto se agiganta nesse contexto. Não foi o objetivo do projeto trazer o tema, mas acaba se colocando nesse contexto”, disse.

"Não vamos levar a salvação cultural, mas vamos nos surpreender com a cultura que vamos encontrar no bairro” pontua Weiny. (Foto: Danielle Valentim)

Weiny foi quem deu início a aula pública na Praça Ary Coelho. Em sua fala ressaltou concentração da Filosofia dentro das Universidades e a falta de conhecimento da população sobre o que é ciência. “A filosofia contribui para o pensamento crítico. Só um pensamento muito atento pode dar conta e superar as dificuldades do acesso à informação verdadeira. Não tenha dúvida de que a Filosofia é uma atividade fundamental para contribuir para esta atenção”, disse.

Porque Ágora? Na Grécia Antiga há duas grandes instituições culturais muito simbólicas, o Olimpo que é a morada dos deuses e a Ágora que é a construção dos homens, ou seja, a praça, o espaço de reunião pública, a feira.

“Não somos um projeto olímpico, mas somos o projeto Ágora, e isso fundamenta o grande objetivo do grupo que é ir para a rua, ir para reunião pública, discutir com a população a importâncias das ciências humanas no geral. Também queremos fazer Ágora, trazer o povo para as Ágoras da cidade. Imagine essa praça? Quais são as ágoras dos nossos bairros? O projeto também traz o trocadilho no nome Ágora, que chama certa urgência, além disso temos na logo, o balão vermelho que lembra o símbolo do WhatsApp”, pontua.

O evento contou com 22 banners de acadêmicos de primeiro semestre dos cursos de Filosofia, Ciências Sociais, História e Direito, que inclusive prestou assessoria jurídica gratuita durante toda a manhã. Todos os trabalhos apresentados por calouros promoveram debates e comparações com o atual cenário, político, social e cultural em que vivemos.

O Acadêmico de Direito Victor Barbosa Pinto, de 21 anos, por exemplo, apresentou uma pesquisa sobre os direitos da sociedade sul-mato-grossense e levantou questionamentos sobre uma falha na regulamentação das audiências de custódias. Segundo ele, o simples fato do juiz ouvir presos e flagrante de segunda a sexta no período da manhã, prejudica quem é preso de forma irregular às sexta à tarde ou sábados e domingos.

“O Direito é ciências humanas na forma prática”, defendeu o acadêmico Victor. (Foto: Danielle Valentim)

O trabalho também explicou os procedimentos em uma prisão e os quantos às audiências efetivaram os Direitos Humanos. “O detido tem que de ser ouvido pelo juiz em 24 horas. Nesse momento é analisada a legalidade da prisão. Se a pessoa foi presa de forma injusta, esse e o momento dele ser liberado. Foi constatado, que em 35% dos casos de MS, foi determinada a liberdade da pessoa, então é um percentual considerável. O trabalho conclui que a audiência de custódia efetiva os direitos humanos, mas do jeito que foi regulamentado não leva igualdade a todos”, pontuou.

Victor também pontuou que a UFMS, principalmente, a Fadir (Faculdade de Direito) se empenha nas pesquisas sobre os direitos humanos. Ele ressalta que a faculdade pensa no social e precisa de fomento à pesquisa. “O Direito é ciências humanas na forma prática”, disse.

Durante toda a manhã, os alunos de maneira geral reforçaram que o debate dentro das aulas de ciências humanas, existe, mas quem precisa aprende a argumentar é quem está fora da sala. O evento que deve continuar nos bairros quer estreitar a relação acadêmica com o povo e incentivar o pensamento.

Banner da acadêmica de Ciências Sociais, Rosilene de Arruda Silva, mostrou a separação da filosofia e a religião(Foto: Danielle Valentim)
Professor Johnny defendeu que atos públicos, como o Ágora, promovem o saber de como a ciência é ampla e não se limita ao laboratório.(Foto: Danielle Valentim)

O banner da acadêmica de Ciências Sociais, Rosilene de Arruda Silva, mostrou a separação da filosofia e a religião, já que as duas se assemelham quando o assunto é pesquisa sobre o infinito, o universo. O trabalho foi baseado na obra de Introdução à história da filosofia do alemão Georg Willhel Friedrich Hegel.

“Enquanto a filosofia dá essa concepção por meio do pensamento, na religião é através de Deus. Na filosofia, o pensamento flui por si só, já na religião é via culto, eu preciso de um ritual, uma oração ou local, é nessa hora que as duas se separam. Basicamente, a filosofia explora a liberdade do espírito, enquanto a religião limita. É polêmico, será que um líder religioso vai entender e afirmar isso? Eu posso gerenciar a fé de alguém usando o nome de Deus na filosofia ninguém limita a mente de ninguém”, pontua.

O professor de cursinho Johnny Daniel, de 25 anos, participou da aula pública e defendeu que atos públicos, como o Ágora, promovem o saber de como a ciência é ampla e não se limita ao laboratório.

“Primeiro que há uma incompreensão do que seja ciência. Esse evento é importante para promover uma forma de saber e mostrar que ciência não é só formula química dentro do laboratório. Todas as áreas de saber são ciências. Precisamos entender que a ciências humanas também produz ciências, que é um sistema organizado, sistematizado, que produz observações a partir da realidade. Por exemplo, quando vou dar aula de política para os meus alunos e vamos discutir sobre democrática, eu parto do princípio do que é democracia brasileira, só depois pensamos o que ela pode ser. É normativo achar que “deve” ser”, destacou.

Acadêmicas Laura Luiza de Mendonça, de 19 anos, Maria Clarice dos Santos, de 18 anos e Ketlen Fernanda Rosa de Melo, de 19 anos. (Foto: Danielle Valentim)
Trio Maria Laura Correa, de 21 anos, Stefany Cruz Athayde, de 18 anos, e Marcela Vitória, de 18 anos. (Foto: Danielle Valentim)

As acadêmicas Laura Luiza de Mendonça, de 19 anos, Maria Clarice dos Santos, de 18 anos e Ketlen Fernanda Rosa de Melo, de 19 anos, levaram à praça o livro da filósofa brasileira Marilene Chauí, que fala da história da filosofia. O banner expôs a importância da razão crítica nas ciências humanas, já que temos de ter a atitude filosófica de questionar nossas verdades.

“Nós temos que usar essa liberdade de conhecimento para discutir e ampliar as discussões. Nós temos dificuldade de expor nossas verdades e aceitar a dos outros, mas talvez essa troca de argumentação esteja distancia para alguns e fácil para outras. Eu, particularmente, acredito que a única forma de produzir debates é no boca a boca mesmo não nas redes sociais. Ato como este aqui na praça é uma forma de fazer com que isso aconteça. As pessoas perguntar e as população pode ter acesso a esses temas que nem sempre são trabalhados nas escolas”, disse Laura Luiza.

Já o trio Maria Laura Correa, de 21 anos, Stefany Cruz Athayde, de 18 anos, e Marcela Vitória, de 18 anos, levaram ao Centro o tema “A Busca da Verdade”. O trabalho foi baseado na entrevista do Filósofo francês Michel Foucault à Le Monde, na condição que a conversa fosse divulgada de forma anônima, pois naquela época Foucault já enxergava que a mídia vendia nomes e não ideias.

“A ideia de Foucault é de que estamos rodeados de juízes que apontam nossos erros, mas a falta de quem pode argumentar com a gente. Isso está muito presente no cenário atual. Como uma presidência que critica a universidade, mas não tem um argumento. Mas olha o que está acontecendo? acabamos de entrar na faculdade e já estamos na rua, levando o que é o produzido lá dentro para a população. Viemos agora tentar conversar com a população e mostrar que a gente precisa construir nossa verdade sozinha”, pontua Marcela.

“É preciso incomodar com as nossas verdades, mas é importante que os outros tenham conteúdo para confrontar”, frisa Maria. “A gente não constrói um pensamento só conversando com quem pensa igual a nós. Mas no debate tem de haver uma troca de ideias”, pontua Stefanny.

Professor de Filosofia Daniel Rico. (Foto: Danielle Valentim)

O professor de Filosofia Daniel Rico compareceu ao evento para prestigiar. “A filosofia está bastante trancada na universidade, porque é ali que se produz bastante produto acadêmico. Esse projeto é muito importante porque leva a comunicação da universidade para o público. A população não entende a utilidade, porque não têm contato. Ela te faz pensar”, disse.

Com ou sem corte - O projeto tem efeitos políticos, como qualquer projeto, mas é um projeto de base, com cortes ou sem corte o Ágora estará nas praças. Somos um projeto de cultura.

No próximo sábado (25) às 14h30 na Biblioteca Isaías Paim, no Memorial de Cultural, haverá uma palestra sobre o livro Fahrenheit 451 e logo após a exibição do filme.

Para o segundo semestre, já costa na programação Ágoras nas quatro pontas da cidade, no Aero Rancho, Nova Lima Moreninhas e Santo Amaro. “Cada um desses bairros vai receber o projeto Ágora numa ação junto ao bairro. Não vamos levar a salvação cultural, mas vamos nos surpreender com a cultura que vamos encontrar no bairro” pontua Weiny.

Projeto incentiva a valorização dos museus e a presença da escola nos espaços históricos. (Foto: Danielle Valentim)
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