Artes

No centenário de Manoel, por que não há um museu para nosso poeta?

Naiane Mesquita | 19/12/2016 07:09
Casa do Homem Pantaneiro poderia abrigar o museu de Manoel de Barros (Foto: Marcos Ermínio)
Casa do Homem Pantaneiro poderia abrigar o museu de Manoel de Barros (Foto: Marcos Ermínio)

Foi ele quem revelou ao mundo as miudezas que tornam o Mato Grosso do Sul único, mas mesmo assim, sua homenagem por essas terras continuam escassas, esquecidas pelo tempo e pontuais ao centenário. Manoel de Barros está mais que consagrado como um dos maiores poetas do mundo, eleito primeiramente pelo amigo Carlos Drummond de Andrade, e precisa de um espaço que mostre a cada um dos passarinhos que deixou para trás o quanto sua arte é atemporal.

No dia em Manoel de Barros completaria 100 anos de vida, o Lado B propõe alternativas e busca respostas para um caminho que precisa ser desbravado pela sociedade, poder público e privado. Como manter viva a arte do nosso poeta para as velhas e futuras gerações?

Em Campo Grande há espaços ociosos que podem receber um acervo físico e tecnológico de Manoel. Seguindo os passos de grandes museus pelo País, como o da Língua Portuguesa, em São Paulo e Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, é possível utilizar a modernidade a nosso favor para criar uma atmosfera mágica e compatível ao que o poeta conta a respeito da nossa história.

Ique com a miniatura de Manoel de Barros escondida na caixa, apresentação é feita hoje para o governador (Foto: Naiane Mesquita)

A casa do Homem Pantaneiro localizada atrás do Aquário do Pantanal, no Parque das Nações Indígenas, é um dos locais abandonados na cidade que poderiam receber objetos, relíquias e instalações artísticas e tecnológicas para construir no imaginário popular, quem foi o nosso poeta.

"Com o centenário todos os olhares foram voltados para a produção do Manoel. Voltou também a preocupação de ter uma instituição que abrigue o acervo dele, assim como o fotógrafo Roberto Higa que todo mundo está falando sobre ele agora", afirma Caciano Lima, 35 anos, gerente de Patrimônio Histórico e Cultural da Sectei (Secretaria de Cultura, Turismo, Empreendedorismo e Inovação) e especialista em museologia.

Recentemente, o projeto da instalação de uma estátua de bronze feita pelo artista visual Ique foi anunciada pelo Governo do Estado. Orçado em mais de R$ 200 mil, o investimento foi questionado, mas se manteve em pé. O que poucos sabem é que a idealização de uma homenagem ao poeta por Ique é antiga.

"Eu apresentei esse projeto a Prefeitura em 2009, na época ao prefeito Nelson Trad e a outros parceiros. Nós negociamos durante um tempo, mas acabou não indo para frente. Depois eles montaram aquela instalação próxima a prefeitura com um projeto semelhante ao meu, mas que nem posso afirmar que foi uma cópia. Eu acabei deixando o tempo passar", ressalta.

Caciano Lima é especialista em museologia e acredita que a tecnologia deve estar presente no museu de Manoel (Foto: Marcos Ermínio)

Com reportagens que focam no valor do investimento, Ique acredita que as pessoas tem dificuldade em aceitar que a arte tem um custo e que a seleção do artista depende do seu trabalho. Com dois prêmios Esso de Jornalismo nas costas, como chargista e responsável por várias estátuas de personalidades pelo País e o mundo, Ique não sente o apoio da classe artística, mesmo sendo uma homenagem ao poeta.

"Eu acho que não é o primeiro passo na valorização de Manoel de Barros, mas é um grande passo. Existe um grupo dentro da cultura que reconhece o Manoel de Barros como uma figura internacionalmente famosa, reconhecida não só por quem está aqui, mas fora do País. Essa falta de homenagens é um grande problema na cultura, na política interna do Estado e da sociedade, que deveria estar participando muito mais", explica.

Provavelmente a estátua ficará na avenida Afonso Pena, em frente ao prédio do Comando Militar do Oeste que agora está sob administração do Sesc Campo Grande. O Sistema terá uma importância na conservação do patrimônio, por meio de uma parceria público-privada.

A estátua de Manoel é toda feita em bronze. A miniatura mostra um poeta sentado no sofá, uma réplica autêntica do móvel que está na casa até hoje. "Dizem que o sofá tem a marca da bunda dele", ri Ique. Um passarinho repousa ao lado e Manoel sorri, assim como nas fotos, com todos os dentes aparecendo e os olhos por trás do óculos.

Toda a concepção da escultura culmina para que o visitante se acomode ao lado de Manoel e possa se sentir mais próximo dele. "Existe um projeto apresentado para o governo e parceiros que eu quero fazer uma instalação onde as pessoas vão se aproximar do Manoel e vai ter poesia até chegar nele. Uma instalação em que o mundo inteiro possa ter um contato estreito com o poeta", explica Ique.

Para a secretária-adjunta da Sectei, Andrea Freire, a apresentação da estátua integra uma série de homenagens realizadas para o centenário de Manoel, mas, que, por enquanto, ainda não há uma previsão para a construção ou elaboração de um museu ou sala de memória do poeta. "Começamos com as atividades do centenário desde o dia 20 de setembro em vários âmbitos da educação e da cultura. Encerramos com a réplica da escultura do poeta. Por enquanto, por causa da instabilidade financeira que o País vive, um museu desse porte que nós idealizamos precisaria de um recurso muito grande e não temos condições agora. Mas, existem outras formas de homenagear o poeta", acredita Andrea.

De acordo com Caciano, a Casa do Homem Pantaneiro, no Parque das Nações Indígenas não seria o ideal por ser um ambiente rústico, que remete a uma outra época. "Eu acho que tem que ser um espaço tecnológico, porque o Manoel de Barros é contemporâneo. Embora ele fale do Pantanal a gente tem que parar com essa mania de que tudo que é do Pantanal é tuiuiú, gado, chapéu. O Pantanal não é só isso. O Manoel não é rústico, temos que partir do pressuposto de que temos que manter o tom contemporâneo", aponta.

Segundo o especialista em museologia, parcerias público-privadas podem ser a solução para, no mínimo, a construção de uma sala de memória. "Talvez no Aquário do Pantanal. Inclusive no projeto tem um museu lá dentro. Acho que não podemos esquecer as universidades, a UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) e UFMS (UNiversidade Federal de Mato Grosso do Sul) que tem cursos de letras e artes visuais que podem participar do diálogo, eles podem ajudar a pensar em um espaço para o Manoel", frisa.

Com toda a poesia de Manoel, a sutileza da tecnologia e sua beleza que é capaz de encher os olhos são a saída para contar com profundidade quem é o poeta das miudezas. "O que é tecnológico é interativo, pode até ser de longa duração, mas tem que ser interativo, tem que prender a gurizada. O que é estático não enche mais os olhos dos espectadores, tem que ser algo inovador", declara Caciano.

E você, onde acha que o museu de Manoel de Barros deveria ficar?

Foto de ensaio feito com Manoel, por Marcelo Buainain.
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