Artes

Em oficina feita para elas, máscaras são metáforas sobre imposição às mulheres

Coletivo Clandestinas quer dar voz às mulheres no cenário artístico e realiza oficinas específicas para elas

Kimberly Teodoro | 16/10/2018 08:37
Além do passo a passo para a criação de máscaras, a oficina também foi palco para diálogo sobre feminismo (Foto: Kimberly Teodoro)
Além do passo a passo para a criação de máscaras, a oficina também foi palco para diálogo sobre feminismo (Foto: Kimberly Teodoro)

Feriadão normalmente é desculpa para muita gente dormir até mais tarde, mas para as integrantes do Coletivo Clandestinas as manhãs de sábado e domingo foram dedicadas à troca de experiências e incentivo entre mulheres. Com a proposta de atividades feitas para mulheres e ministradas também só por elas, o primeiro encontro do grupo teve a participação da atriz e estudante de Artes da Universidade Federal do Paraná, Brigitty Zelinski.

Na bagagem, Brigitty trouxe um pouco da própria vivência no teatro e no mundo artístico para uma Oficina de Máscaras, que além de divertida foi metáfora para os papéis impostos e desempenhados por mulheres na sociedade e a busca da própria identidade em um cenário hostil dominado por homens.

Ela veio do Paraná para o aniversário de 1 ano da afilhada, Maria Flôr, filha da Alessandra. Pesquisadora em Teatro Educação e desenvolve projetos sociais com crianças de 6 a 12 anos em Matinhos, onde mora. Ela ainda não é formada na área, mas trabalha com teatro há alguns anos e usa as máscaras nas performances e como um meio de trabalhar a criatividade dos alunos.

“Quando a Alessandra me fez o convite de aproveitar a visita para uma oficina, pensei nas máscaras porque elas são historicamente ligadas ao teatro. Fazem parte da construção dos personagens, principalmente antigamente, quando ainda não havia a figura do ator como personagem, era tudo em torna da caracterização. A reflexão é em torno disso, que personagens construímos para nós mesmas diariamente? Nós mulheres crescemos com vários estereótipos, com as pessoas dizendo o que devemos ou não fazer, como nos comportar, como nos vestir. É uma criação em que ouvimos muito mais ‘Não’ do que ‘Sim’, quando na verdade o que ser o e como se comportar é um decisão exclusivamente nossa”.

 

Oficina de máscara foi a atividade escolhida para incentivar a criatividade e expressão feminina (Foto: Kimberly Teodoro)

Em pauta, a sororidade é um desses conceitos que até parecem complicados na teoria, o tipo de palavra difícil, dessas que a gente só usa para enfeitar o vocabulário. Traduzindo, dá para dizer que é a união entre mulheres, baseada em empatia e companheirismo, uma aliança que torna possível alcançar objetivos em comum. O termo está diretamente ligado ao feminismo, outra palavra que pra muita gente parece apelido de bicho-papão, mas está cada vez mais presente no dia-a-dia.

Nathália Andrade, de 23 anos, é cozinheira, conheceu a doula Alessandra Mathias, de 25 anos, por causa de uma amiga em comum. O que aproximou as duas? A maternidade e o amor pelas artes. Nathália é mãe do Ravi, de 3 anos e Alessandra é mãe da Maria Flor, que acabou de completar 1 aninho. As duas relatam a solidão durante a maternidade, principalmente nos primeiros anos, em que a criança é mais dependente da mãe.

Alessandra e Nathália fazem parte do Coletivo Clandestinas, o que aproximou as duas foi a experiência com a maternidade (Foto: Brigitty Zelinski)

“Os amigos, mesmo os mais próximos e, principalmente, os que ainda não têm filhos acabam se afastando até por não saber como lidar com a situação. Às vezes é uma coisa simples, como deixar de chamar para tomar uma cerveja, deixar de fazer visitas ou convidar para ir até a casa deles porque você está com uma criança. Infelizmente, até dentro de grupos feministas isso acaba acontecendo”, conta Alessandra.

Nathália diz que os 2 primeiros anos de Ravi foram os mais difíceis, e que já chegou até a ser expulsa de apresentações de teatro porque estava com uma criança pequena. Muitas vezes as pessoas não entendem que o bebê tem necessidades e o choro, por exemplo é a maneira como ele expressa isso, elas ficam incomodadas e para evitar situações como essa ela também, por muito tempo preferiu o isolamento.

As duas fazem parte do Coletivo Clandestinas, um grupo de mulheres que assim como elas têm experiências em comum e que decidiram que já era hora de criar um cenário em que mulheres, independente serem “brancas, pretas, indígenas, santas, putas, periféricas, mães, aborteiras, casadas, solteiras, tímidas, escandalosas, calmaria, caos, caretas, loucas, da arte, do esporte, românticas, combativas, do lar e do bar”, pudessem se expressar e ganhar visibilidade por meio da arte, abrindo espaço em um ambiente em que muitas vezes a voz é masculina.

Leiliane não compartilha as mesmas experiências de Nathália e Alessandra, mas entende a importância da empatia (Foto: Kimberly Teodoro)

Leiliane Assis é fotógrafa, também é colaboradora do coletivo e encontrou no feminismo uma forma de resistência, formada em Design de moda, Leiliane chegou a estudar Artes por dois anos antes de seguir outro rumo profissional, a ligação com o mundo artístico permaneceu com a fotografia. A vivência dela foi diferente da de Alessandra e Nathália, é a empatia que gera a identificação com as colegas de coletivo que hoje são amigas, ela diz entender que durante a vida teve alguns privilégios que outras mulheres não tiveram e a criação de espaço de diálogo aberto em que não cabem julgamentos é um fator decisivo no empoderamento de outras mulheres.

Mãe e filha, Rosileia e Giovanna Nantes chegaram ao grupo procurando algo para fazer juntas durante o fim de semana, na tentativa de fugir do clichê das salas fechadas do cinema e da monotonia diurna da cidade.

Rosileia, hoje com 40 anos teve a Giovanna aos 21 anos e passou pelo divórcio quando a filha ainda tinha 7 anos, de uma geração anterior ela relata os abusos que sofreu por muito tempo sem entender que se tratavam de violência. “É muito comum sair na rua e ouvir homens comentando sobre seu corpo, passadas de mão em ônibus, elevadores, e invasões de todos os tipos e ter que ficar calada. Não fazíamos nada, sentíamos como se fosse nossa culpa e só muito tempo depois fui entender que não é. Que é uma violência e que precisa ser denunciada”.

Rosileia é mãe da Giovanna e apesar das gerações diferentes a relação das duas é muito próxima, inclusive dentro do movimento feminsta (Foto: Kimberly Teodoro)
Giovanna aos 19 anos tem a própria vida e está prestes a começar a própria família, mas segue em sintonia com a mãe (Foto: Kimberly Teodoro)

Giovanna, hoje com 19 anos, foi criada com liberdade de escolha desde pequena, muito próxima da mãe, mesmo com personalidades opostas elas contam que sempre foram abertas ao diálogo, compartilhar momentos sempre foi muito natural na relação das duas. Estudante de Educação Física, Giovanna faz de capoeira a dança do ventre e sempre foi muito ativa.

Atualmente ela mora com o noivo, o que faz das atividades na companhia da mãe momentos ainda mais especiais. Ela ainda não tem filhos biológicos, só do coração, o filho do noivo que já tem 6 anos e convive com ela desde os 2 anos.

Diferentes idades, profissões, estilos de cabelo, corpo, gostos musicais e experiências de vida, nada disso impediu que a troca de ideias fluísse naturalmente, mostrando que apesar da diversidade, são as situações diárias que formam uma ligação entre mulheres, que enfrentam o mundo nas pequenas coisas todos os dias.

Para acompanhar as atividades do Coletivo Clandestinas e ficar por dentro das próximas oficinas, siga a página no facebook.

As máscaras - A atividade até parece complicada, mas é terapêutica para quem gosta de trabalhos manuais. Elas podem ser um passatempo, um item decorativo, uma representação, um presente. O que vale é a criatividade e disposição para criar. Para quem não pôde ir na oficina ou ficou curioso, o Lado B ensina a fazer.

Para moldar o rosto é necessário um pouco de óleo de bebê ou creme hidratante para que a máscara não grude na pele e nem quebre na hora de tirar, alguns metros de gaze ortopédica moldável, aquela que vem com gesso e que você encontra em casas de produto ortopédico, o ideal é a gaze cortar em tiras finas.

As máscaras podem ser uma réplica fiel do rosto ou representações caricatas (Foto: Kimberly Teodoro)

Depois de proteger a pele com o óleo, é só molhar a gaze para que ela fique maleável e colocar as tiras no rosto, uma de cada vez até formar uma camada firme. É preciso um pouco de paciência no processo, já que movimentos bruscos e até coisas simples como falar devem ser evitados para não deformar o molde.

O formato depende muito das preferência de quem faz a máscara, o ideal é que as áreas do nariz, testa e laterais do rosto sejam reforçadas. O gesso seca o suficiente para a retirada da máscara em cerca de 5 minutos, com o óleo impedindo de grudar na pele, ela se solta naturalmente a medida em que seca. Depois disso, dependendo do tempo é necessário cerca de 12 horas até que o molde esteja pronto para a segunda etapa: a papietagem.

Literalmente é a imaginação que manda na hora de escolher os materiais: Máscara finalizada com couro de peixe (Foto: Kimberly Teodoro)

Papietagem nada mais é que rasgar papel jornal ou papel machê em tiras pequenas, umedecer em uma mistura de cola branca e água e colar no molde de gesso, a técnica serve para dar mais firmeza e impedir que máscara quebre ou rache com facilidade. Também é possível usar para dar traços caricatas como aumentar o nariz ou moldar as bochechas na criação do personagem.

Espere a camada de papel secar e utilize, literalmente, o que a imaginação mandar para decorar a máscara. O passo-a-passo você confere no vídeo abaixo.

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Cada máscara ganhou a personalidade da criadora (Foto: Kimberly Teodoro)

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