Artes

Drama dos guarani-kaiowá em documentário é de se aplaudir em pé

Paula Maciulevicius | 26/09/2016 13:02
Cena do filme "Martírio". (Foto: Ernesto de Carvalho/Divulgação)
Cena do filme "Martírio". (Foto: Ernesto de Carvalho/Divulgação)

A estreia foi na quinta-feira, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Do diretor Vicent Carelli, o documentário "Martírio" estampa nas telonas o drama vivido pelos índios guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul e a luta para ficar no território que lhes faz parte. 

Em entrevista ao Correio Braziliense, Carelli explica desde o início das filmagens até o porquê da volta. “É o caso mais grave da nossa questão indígena, é urgentíssimo, uma vergonha, eu filmei de 1988 a 1999 e fiz a série Índios do Brasil. Fiquei muito tempo sem ir e volto só 15 anos depois, quando a matança começa a ficar demais”.

O documentário é o segundo da trilogia do diretor em cima da questão indígena. O primeiro foi Corumbiara e neste, Carelli se propõe a ir mais além e dizer que Martírio é o genocídio contemporâneo. Em 2011, o diretor voltou ao projeto, gravou duas temporadas e recorreu ao crowdfunding, para finalizar. Financiamento que revela a quantidade de público interessada na questão. 

O documentário - Na entrega de milhares de quilômetros de terra para os "brancos", em troca os indígenas tiveram aniquiladas sua língua e cultura e é este o tom da narrativa no documentário, que registra tudo o que foi feito pelos hectares. 

No longa, o cineasta ainda usa dados do código florestal e das "maracutaias" na afirmação dos moldes da PEC 215 e da visão dos índios como invasores —, chegando à morte do cacique Nízio Gomes.

Gravações de arquivo e até uma reportagem de TV da década de 80 remontam boa parte do passados dos kaiowá até a denúncia feita, pelo então governador, André Puccinelli, no Congresso. Na ocasião, Puccinelli exibiu o vídeo onde aparecia um proprietário rual ensanguentado, amarrado e cercado por índios.  

Fato que, checado pelo diretor do documentário, se revelou ser o contrário do que as cenas traziam. Pouco antes de começar a ser gravado, o homem amarrado estava com um revólver apontado para um grupo de mulheres e chegou até a disparar e só não as matou, porque foi imobilizado pelo índio. 

Do jornalista Rubens Valente, Martírio é recebido com palmas e classificado como um "monumento à melhor tradição do documentário brasileiro". Além de ter pleno domínio do assunto, o diretor leva para a produção o ar indígena que respira há 40 anos. 

"Ao longo de “Martírio”, há jornalismo da melhor qualidade. Carelli desfila dados fundamentados e inquestionáveis, como a cronologia de toda a errática política indigenista que impactou esses milhares de brasileiros e o tratamento omisso, quando não assassino, do Estado brasileiro", disse Rubens.

No material da Carta Capital, o texto assinado por Felipe Milanez, se concentra num diálogo que parece traduzir todo o massacre, quando um índio diz: "O que tá pegando a gente é o capitalismo."

"É um documentário que traduz uma profunda indignação que caracteriza a vida de VincentCarelli: essa imposição de gritar, de se indignar, se insurgir, uma revolta contida dentro do peito de Vincent desde a primeira vez em que ele esteve entre os Kaiowa e Guarani nos anos 1980".

Definido como um filme-evento, Felipe Milanez ainda descreve que Martírio conduz quem assiste para o coração das trevas do agronegócio, e mostra a luz e a beleza que move os Kaiowa e Guarani a lutarem para existir. "Essa luz é expressa pelas reflexões, cantos, a religiosidade sempre presente e marcante, e uma epistemologia extremamente sofisticada, uma forma de ver, analisar e pensar o mundo que é única.

Martírio traz uma profundidade inédita na cinematografia sobre a luta Guarani e Kaiowa. Um filme filmado de dentro, junto, e pelos indígenas também. E traz o que se pode chamar de o “outro lado” do genocídio através dos vômitos racistas no Congresso Nacional, cenas deploráveis de um leilão da morte, a fala mansa dos matadores". 

Em Campo Grande, ainda não há previsão de estreia. 

Diálogo em guarani, entre dois personagens do documentário.
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