Artes

Do abuso ao palco, Silvia estreou no teatro aos 38 anos

Negra, mãe de 4 filhos, tendo passado por um abuso na infância, Silvia subiu no palco pela primeira vez nesta quarta-feira (20)

Lucas Mamédio | 21/01/2021 07:05
Silvia e Tero em “Cérebro Edgar” nesta quarta-feira, 20 de janeiro (Foto: Henrique Kawaminami)
Silvia e Tero em “Cérebro Edgar” nesta quarta-feira, 20 de janeiro (Foto: Henrique Kawaminami)

A noite desta quarta-feira (20) foi umas das mais especiais da vida Silvia Cerqueira da Silva. Além de professora de geografia, técnico administrativo, técnico em meio ambiente, agora ela pode encher o peito para dizer que é atriz.

Aos 38 anos, mãe de quatro filhos, ela pisou nos palcos pela primeira vez ontem à noite pela peça “Cérebro Edgar”, da Teatral Falta Um, que participa da primeira edição do Prêmio Campo Grande de Teatro.

Um momento especial para qualquer ator, a estreia de Silvia carrega muito mais significados que as histórias ordinárias que vemos por aí. Primeiro, e menos importante, pela idade. Raramente estreia-se perto do 40 anos. Segundo pela própria trajetória de vida da atriz, muito difícil, e que encontrou no teatro um refúgio para um mundo tão injusto.

Logo na juventude Silvia sofreu um dos maiores traumas que uma mulher pode sofrer, o abuso sexual. Dessa “tragédia” nasceu sua primogênita, que agora atua com ela inclusive.

“Venho de família humilde, meus pais se divorciaram eu tinha três anos e segui com minha mãe e irmã,  estudei em escola pública e me  tornei mãe aos 14 anos após ter sido abusada por uma pessoa conhecida da família. Com o abuso perdi não só a virgindade como engravidei da minha filha mais velha, não me arrependo de ter ela em minha vida, mas foi um período difícil sem apoio, pois não acreditavam em mim e minha mãe nem me levou ao IML para fazer exame de corpo delito”, explica Silvia.

Silvia, a última de direira, com o grupo Falta Um (Foto: Marcos Maluf)

Como uma peça dramática, Silvia continuou atuando no papel mais difícil de sua vida: a de uma mãe, solteira, negra e pobre, mas com muita coragem. Ela ainda teve mais uma filha aos 17 e 20 anos.

“Após minhas filhas pegarem uma idade resolvi voltar aos estudos,  pois havia me mudado para o interior e lá conseguia me organizar melhor, foi então que ingressei na faculdade pública e fiz Geografia licenciatura concluindo em 2013, também fiz técnico em meio ambiente concluindo em 2015 e técnico administrativo”.

Silvia começou a atuar em 2018 (Foto: Arquivo Pessoal)

O teatro entrou na vida de Silvia junto com seu “quarto filho”, o ator Tero Queiroz, que também escreveu a peça em que ela está estreando. “No início de 2018 eu fazia parte de um projeto   Frente Favela Brasil, pois sempre trabalhei com projetos e fui convidada pelo Igor Matheus a conhecer o “Grupo Falta Um” e assim o fiz, chegando lá ouvi sobre o Grupo e falei sobre a importância da família apoiar os projetos,  conversando com Tero disse que "se sua mãe não te apoiar dificilmente dará certo,   pois a família é base". Convidada a participar comecei a frequentar e só então depois de um tempo descobri a história do Tero e me prontifiquei a ser além de integrante a "mãe" dele. Eis o motivo de serem 4 filhos que tenho”.

Uma das atrizes que fazia o papel da “coragem”, papel hoje interpretado por Silvia na peça, não pôde participar por conta da pandemia. “Ficamos sem substituto e Tero me ligou e haviam duas pessoas que conheciam o espetáculo e poderiam atuar, minha filha e eu, mas ela ficou com medo e eu não achava justo o Grupo não participar por Faltar Um, sendo assim, o Tero me ofereceu e aceitei. Aceitei pelo filho, pela arte, pelo grupo e por mim”.

Sobre a sensação de estar no palco pela primeira vez diz: “O teatro trouxe forças que eu jamais imaginei que poderia ter e se eu pudesse dizer para as pessoas o quão importante é se permitir atuar ou ao menos conhecer eu diria. A sensação de estar em palco foi única e me senti lisonjeada em poder estrear em um lugar tão incrível”.

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