Arquitetura

Sem esgoto, Tia Eva torce para tombamento federal mudar cenário

Cansada, comunidade torce para que processo constitucional faça com que sua importância seja reconhecida

Por Aletheya Alves | 24/03/2024 07:13
Busto de Tia Eva na comunidade que leva seu nome. (Foto: Arquivo/Fundação de Cultura)
Busto de Tia Eva na comunidade que leva seu nome. (Foto: Arquivo/Fundação de Cultura)

Garantia constitucional, a comunidade quilombola Tia Eva vem dialogando com o Iphan/MS (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para ser tombada em nível federal. Relatando que desde a falta de esgotamento sanitário até a longa espera por restaurações, as situações têm sido cada vez mais cansativas. Agora, os descendentes torcem para que o novo processo consiga mudar o cenário na realidade.

Fundada no início do século passado por Eva Maria de Jesus, a comunidade quilombola que leva o nome da matriarca em Campo Grande segue esperando até para que a centenária festa de São Benedito seja reconhecida como patrimônio cultural. 

É nesse contexto que o Iphan/MS (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) tem dialogado com a comunidade para que desde o espaço geográfico até suas representações culturais ganhem proteção e visibilidade através do tombamento.

“Neste ano, a gente colocou dentro do planejamento do Iphan instruir no mínimo um processo de tombamento constitucional e nosso objeto de estudo e de aproximação é a Comunidade Tia Eva. Esse é um espaço difusor de outras comunidades quilombolas em Mato Grosso do Sul”, explica o superintendente do Iphan/MS, João Santos.

Igreja de São Benedito na Rua Eva Maria de Jesus. (Foto: Arquivo/Aletheya Alves)

Para detalhar sobre o caso da comunidade Tia Eva e o que significa o tombamento constitucional, o superintendente do Iphan/MS (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) introduz relatando que esse processo é totalmente feito em conjunto às lideranças. Ou seja, o tombamento só existe caso a comunidade queira. 

Atual presidente da comunidade, Ronaldo Jeferson da Silva garante que o interesse existe principalmente porque a espera por destinação de investimentos se torna cada vez mais cansativa. 

“Há o interesse principalmente para trazermos benfeitorias para a comunidade porque são mais de 100 anos de história e não temos nem mesmo o esgoto ainda”, introduz o líder. 

Comentando sobre a igreja, o esgoto e a festa de São Benedito, ele resume que há uma sensação de esquecimento constante. “A obra da igreja, por exemplo, é de extrema importância tanto para Campo Grande quanto para Mato Grosso do Sul. Ela é a igreja mais antiga de Campo Grande e está com risco iminente de queda do teto”. 

Ainda não existir o sistema de esgotamento sanitário é um dos sinais que comprovam as reclamações da comunidade e pedidos de maior valorização. Ronaldo detalha que o espaço para escavação de fossas, por exemplo, se torna cada vez mais escasso e o resultado pode ser preocupante. 

Nós precisamos mostrar todo o nosso contexto para o Poder Público e questionar se a Tia Eva será esquecida como fundadora de Campo Grande ou se vamos receber ajuda e investimento para resolver os problemas, completa Ronaldo.

A partir do início oficial do processo, desde o recorte geográfico até as manifestações culturais, tudo é ajustado com a comunidade. “Eles podem dizer que o que está tombado é somente as ruas, a igreja e o espaço de difusão. Podem falar que um perímetro será determinado ou que o futebol também está incluso”, diz o superintendente do Iphan/MS.

Hoje, a Tia Eva tem o tombamento municipal e estadual da Igreja de São Benedito, além da comunidade estar inserida no Plano Diretor da cidade como um espaço de memória.

Diferindo desses processos, o tombamento constitucional vem como novidade tanto por ser federal quanto pela forma com que é tratado. 

“No dia 20 de novembro de 2023, foi publicada uma portaria que regulamenta o tombamento de remanescentes de quilombos. Os remanescentes e documentos históricos ligados a esses espaços, pela Constituição Federal, são automaticamente tombados, mas o Estado Brasileiro nunca regulamentou isso”, explica João. 

É com a nova regulamentação do Iphan que o tombamento da comunidade está sendo discutido. Segundo o superintendente, o que existe de claro é que as características do tombamento diferem dos tradicionais específicos quanto à materialidade. 

“Então, para além das referências materiais estão as práticas sociais, conhecimentos e manifestações tradicionais. Existem mulheres dentro da comunidade, por exemplo, que ainda fabricam doces que eram uma das especialidades da Tia Eva. Existe um conhecimento passado de geração em geração que é típico de comunidades quilombolas”, descreve o superintendente. 

Nesse sentido, João pontua que o tombamento constitucional se diferencia por levar em consideração as dinâmicas sociais da comunidade. 

Outro ponto é que além do tombamento da comunidade, a luta pelo registro da festa de São Benedito também deverá entrar em ação.

“Não é possível que uma festa centenária, uma das principais festas religiosas do Estado, uma das mais antigas presentes em território sul-mato-grossense não seja reconhecida como patrimônio cultural. Então, não é só o tombamento da igreja e da comunidade em nível federal, mas também esse registro que é extremamente importante”, completa Santos. 

Questionada sobre a falta de esgotamento sanitário nas duas ruas da comunidade, a assessoria da Águas Guariroba informou que as obras estão previstas para ocorrer no primeiro semestre deste ano.

(*) Texto atualizado para atualização de informação sobre o cronograma de obras.

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