Arquitetura

Em casinha até decorada, Nelson avisa que mora na rua "calçada", número "pare"

Paula Maciulevícius | 02/05/2016 12:00
Casinha fica perto do Shopping Norte Sul Plaza.
Casinha fica perto do Shopping Norte Sul Plaza.

“Endereço? Tenho não. Aliás, sim. É rua Calçada, número Pare”, avisa o dono do lugar. No bairro Taquarussu, a largura de 1,50m foi suficiente para ele levantar uma "casa". Há cerca de um mês, Nelson ergueu as paredes do que chama de lar na calçada, sem ligar para a passagem de pessoas que foi interrompida.

Nas imediações do Shopping Norte Sul Plaza, a construção é cheia de capricho, toda pintada de branco, com um pedacinho em amarelo, como se as tábuas tivessem sido instaladas cuidadosamente para integrar as duas cores e decorar a fachada. A "obra" demonstra que foi feita por alguém que traz consigo experiência no ramo. Inspirada na casa que Nelson fez para a mãe-avó, em Dourados, cidade onde nasceu, o telhado ele diz ser “igualzinho”, embora a dela seja de alvenaria e a dele do que encontra descartado por aí.

Ventilação cruzada. Telhado levemente inclinado. Não há água empoçada e mesmo tendo 1,50x1,70m o cubículo tem uma janela de correr na lateral. A porta da frente se abre pela metade, como quem primeiro quer ver quem ali bate.

De longe, um aviso incompleto está jogado numa tábua de madeira, provavelmente sem serventia para a casa. Na verdade é uma advertência a possíveis invasores: “Se você quer adentrar em uma casa... É um breve aviso, que se você entrar, vai ficar mal viu. Isso é porque as pessoas entram na minha casa, aqui, pegam minhas coisas”, explica Nelson Cardoso Eleutério.

Nelson é mais alto que a casa.

Dos 35 anos de vida, 15 deles se passaram nas ruas. Há uma década ele deixou a prisão, onde cumpriu pena por estelionato e diz ter conhecido a Deus. “Não sei o que é roubar e nem pretendo saber”, enfatiza como quem precisa dar segurança a quem ouve.

O sorriso mostra um certo desgaste nos dentes que deixam evidente o vício. O tempo que está nas ruas é o mesmo que ronda pelo bairro. Já morou debaixo de ponte e a última “residência” era a varanda de um bar.

“Eu fiz aqui para não dormir assim, você apanha muito. Eu – senhora – já apanhei muito”. O frio que fazia no final de semana em que bati à porta do cubículo, me deixou surpresa em vê-lo sem camisa e apenas de bermuda. O segredo está no material e Nelson sabia disso quando o escolheu.

“PVC. Aqui tem 20 cm de grossura, a parede dela é como se fosse um tijolo. Não faz frio por causa que é tipo uma térmica, esquenta quando é de dia e mantém a temperatura, ela protege. Eu sou estudado senhora. Pode bater vento que não entra”, garante.

Foi de caçamba em caçamba que ele saiu juntando os pedaços da casa. O que lhe serve para a construção é deixado ali e a sucata, tem sempre outro destino. “Eu sou usuário de pasta base. Eu pego minha sucata para poder comprar de novo o que eu quero. Esse é meu vício. É só esse, mas é o mais ruim”, assume.

A casa ainda não está pronta. Falta matéria-prima, que é o PVC. Nelson corta tudo com as mãos ou com o que improvisa pelas ruas. “É ferramenta que eu faço, vou achando material e lembrando minha casa. É minha casa e minha vida, só que mais segura que a do Governo. Ventania e chuva não derruba isso aqui não”, assegura.

A comida muitas vezes é doação de vizinhos. Para fazer amizades, diz que já se apresentou por aí, falou da vida e da construção.

Nelson diz até gostar de ser simples, porque dinheiro não é tudo nessa vida. E caso lhe tirem dali, só sai se puder fazer o “barraco” onde for levado. “Sou usuário senhora. E quem não é? Todo mundo é usuário dessa vida”...E alguns, da calçada.

Essa sugestão de pauta veio da amiga, leitora e manicure Aline dos Santos que passou um tempão esperando o morador chegar na tarde do último sábado. É dela o clique da capa.

Nos siga no