Arquitetura

Chácara virou sonho de liberdade, cheia de técnicas ecológicas de construção

As paredes funcionam como um filtro de barro mesmo e ajudam a deixar as temperaturas do interior mais amenas

Eduardo Fregatto | 07/08/2017 06:05
Daicy e a filha, Isabela, no lugar que construíram juntas. (Foto: João Paulo Gonçalves)
Daicy e a filha, Isabela, no lugar que construíram juntas. (Foto: João Paulo Gonçalves)

A psicóloga Daicy Saldanha, de 55 anos, sempre sonhou em morar em meio à natureza, longe dos barulhos mecânicos e da vista cinzenta típicas dos centros urbanos. Por conta da rotina de trabalho, além da questão financeira, sempre adiou essa meta de vida. Até que, há três anos, chegou o momento. Ela juntou o dinheiro para construir seu recanto tão desejado e conseguiu diminuir o ritmo de compromissos profissionais.

A varanda da casa, com as mandalas e filtros do sonho. (Foto: João Paulo Gonçalves)

Adepta das terapias integrativas e alternativas em sua carreira, Daicy tem um gosto muito forte e fácil de reconhecer: o rústico e o místico dominam o espaço que criou, com a ajuda da filha arquiteta, em uma chácara no Parque dos Poderes, a 14 quilômetros do centro da cidade.

O lugar é lindo e claramente cuidado com muita dedicação. Após nos receber no portão amarelo, passamos pelos guardas, dois cachorros bem agitados, e andamos por um caminho feito de mosaicos no chão. Logo vemos a varanda da casa, cheia de mandalas e filtros dos sonhos.

O sofá natural de Daicy, com sua janela em cima, para arejar. (Foto: João Paulo Gonçalves)

A filha, Isabela Saldanha, de 30 anos, relata que a mãe fez questão de construir tudo de maneira ecológica e sustentável. As paredes da casa de 120m² foram feitas a partir de taipa de pilão, uma técnica rústica e milenar, feita com o uso de fôrmas próprias para compactar horizontalmente o barro, até que o material atinja uma densidade ideal e resistente.

As paredes são bem grossas e tem mesmo aspecto de barro. "Mais de 80% dessa parede é só solo, um pouquinho de cimento e água. A faz essa mistura e vem compactando, toda manualmente. A gente teve que trazer uma equipe de fora, porque aqui mesmo ninguém conhece", explica a arquiteta.

A vista da banheira, toda para a floresta. (Foto: João Paulo Gonçalves)

As paredes funcionam como um filtro de barro mesmo e ajudam a deixar as temperaturas do interior mais amenas. "De noite, ela absorve a temperatura, que é mais fria, e a umidade. E de dia, quando é muito quente e muito seco, vai liberando essa umidade", diz Isabela. No inverno, o material também protege e deixa o ambiente mais aquecido.

Uma das paredes da varanda apresenta outra técnica ecológica, o cordwood. "É a mesma estrutura da taipa de pilão, mas aí você vai empilhando as madeiras na parede, e a estrutura se torna autoportante, isto é, não precisa de estruturação de pilar, se segura com o próprio peso", explica.

É nesse espaço que Daicy acende a fogueira e reúne os amigos. (Foto: João Paulo Gonçalves)

O custo das técnicas ecológicas é equivalente às tradicionais, segundo a arquiteta. O que pode gerar mais despesa é mesmo buscar profissionais de fora, que saibam a maneira correta de executar.

No interior, a decoração continua com a cara de Daicy. Muitos quadros e enfeites exaltando a natureza, a cultura de diferentes povos, cores e o sagrado feminino, algo que a psicóloga cultua até com encontros nos fundos da casa. "Eu trabalho com terapias corporais, com energia", enfatiza.

Tem um círculo e um espaço para fogueira no centro. Em uma das pontas, um sofá natural, grama e terra que formam o encosto perfeito. Logo acima, Daicy providenciou grades de janela, com "vista" para o mato. "Atrás de um sofá é sempre bom ter uma janela, para arejar", ela explica.

A sala de estar da psicóloga. (Foto: João Paulo Gonçalves)
A lareira ligada e sala de jantar, com vista para a natureza. (Foto: João Paulo Gonçalves)

Depois de fazer um tour completo pela casa, incluindo a banheira com uma vista fascinante para a floresta, dá vontade de ficar ali mesmo e pedir um cantinho para Daicy, de tão aconchegante e bonito que é o lugar.

Ela mora sozinha na chácara. Pergunto se não sente medo, e a resposta é enfática: "Eu não", diz. "Eu moro sozinha e não dá medo nenhum. É uma rua distante, última rua do bairro, então só vem pra cá quem é morador".

Isabela conta que o lugar ficou tão aconchegante e bonito, que até os seus amigos acabam frequentando a chácara, sem precisar da sua presença. "Eles fazem amizade com a minha mãe, vêm aqui e eu nem fico sabendo", relata, rindo.

Casa é toda decorada com quadros e arte. (Foto: João Paulo Gonçalves)
A vista para a natureza está presente em todos os cômodos. (Foto: João Paulo Gonçalves)

Até o sistema de esgoto é 100% natural. "Chama tanque de evapotranspiração. Ele substituí o sistema de esgoto. Então a água é encaminhada para cá, tem todo um sistema, até chegar na areia e as plantas. As plantas absorvem a água e tratam", esclarece a arquiteta. Para quem vê, nem imagina que ali acontece o tratamento da água, já que são apenas um amontoado de plantas, como bananeiras. "Não dá cheiro nem nada".

A psicóloga até acende a lareira, pra gente ter um gostinho de como ela enfrenta os dias frios na sua cabana na floresta. Mas, infelizmente, temos que ir embora.

"Eu me organizei e consigo ir trabalhar na cidade três vezes na semana. Minha rotina, além de receber os amigos, é cuidar da casa, ficar no quintal, plantar, ler... Aqui é um espaço pra eu meditar e relaxar", diz Daicy, que se diz muito feliz e realizada vivendo no espaço que sempre sonhou.

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Parceria de mãe e filha tornou o projeto possível. (Foto: João Paulo Gonçalves)
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