Economia

Após 15 anos de Código, só "dor no bolso" faz consumidor se mexer

Elverson Cardozo e Viviane Oliveira | 15/03/2012 10:11

Na avaliação do superintendente do Procon, em muitos casos até a "falta de tempo" é usada como motivo para não procurar direitos

Depois de 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, que protege o cliente de diversos abusos, a maioria ainda cultiva o hábito de só procurar os direitos quando há um estrago razoável no bolso. De acordo com superintende do Procon em Campo Grande, Lamartine Ribeiro, o maior volume de reclamações no órgão é por conta de cobrança a mais em produtos e serviços.

Conforme o superintendente, o consumidor sabe dos seus direitos, mas não procura ajuda por falta de disponibilidade. “Três coisas que afasta o consumidor da reclamação: falta de tempo, deslocamento e disponibilidade para ir atrás”, afirma.

Exemplos disso são vários e um deles está em "regras" que o comércio impõe ao consumidor, como o veto ao pagamento com cartão para pequenas compras, que até hoje existe, mesmo sendo proibido em lei.

Ainda assim, o Procon só recebeu, em 2012, uma reclamação desse tipo. O Mercado responsável foi multado, em cerca de R$ 700.

Na hora de pagar a conta, dilema com a forma de pagamento. Alguns cumprem a lei, outros justificam como podem. (Foto: João Garrigó)
Na hora de pagar a conta, dilema com a forma de pagamento. Alguns cumprem a lei, outros justificam como podem. (Foto: João Garrigó)

Não é de hoje - A notificação, publicada na última segunda-feira (12) no DOE (Diário Oficial do Estado), levanta discussão antiga e é reveladora das dificuldades de fazer cumprir o Código. De um lado, os comerciantes que afirmam sair prejudicados quando “passam” pequenos valores. Do outro, os consumidores que cobram um direito garantido por lei.

O superintendente afirmou que a limitação adotada em alguns estabelecimentos é ilegal. “O comerciante não é obrigado a colocar máquina para pagamento. Se colocou, é obrigado a passar qualquer valor”, explicou. O preço do produto à vista deve ser o mesmo para cartões de crédito.

Lamartine acrescentou ainda que o pagamento do produto ou serviço, seja na função débito ou crédito, deve ser o mesmo. Só na venda a prazo é que o consumidor pode estabelecer um valor mínimo de parcelamento.

Quem desrespeitar a lei, estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, está sujeito a multa que varia de R$ 400 a R$ 4 milhões.

A reportagem do Campo Grande News procurou o mercado que foi notificado pelo Procon, mas não conseguiu falar com dono, que vendeu o estabelecimento há pouco tempo.

O atual proprietário, Josué Silveira da Silva, 43 anos, explicou que ainda não solicitou instalação de novas máquinas de cartões, mas afirma que quando dispuser do equipamento vai seguir a lei, apesar de se sentir prejudicado.

“Qualquer valor que eu passar vou pagar o custo de uma ligação, porque a máquina é interligada com a operadora telefônica”, relatou.

Segundo o comerciante, que está no ramo há pouco mais de 1 ano, muitos estabelecimentos limitam a venda para pagamento com uso de cartões de crédito porque, como o valor é baixo, a taxa pelo uso da máquina torna-se maior que a venda.

"Mas é dinheiro e vai ser debitado na conta deles”, argumentou Nájela, que sempre enfrenta problemas. (Foto: João Garrigó)
“Qualquer valor que eu passar vou pagar o custo de uma ligação”, diz Josué, dono de mercado. (Foto: Marlon Ganassin)

Para o Procon, a justificativa não convence. “A forma de pagamento não pode influenciar um serviço que ele optou e está sendo beneficiado”, afirmou o superintende do órgão.

Nájela Verlane, de 19 anos, afirma que a situação é constrangedora para o cliente. A estudante relata que já foi impedida de pagar uma conta de R$ 9,90 com cartão de crédito.

“Pediram para eu pagar em dinheiro, porque a máquina não aceitava menos que R$ 12”, disse.“Pediram para eu passar outra coisa para dar o valor”, acrescentou.

Quem já enfrentou situação semelhante foi a promotora de vendas e representante comercial, Ana Paula Martins, de 34 anos. Em um supermercado, na hora de pagar a conta, a consumidora, que na maioria das vezes utiliza cartões, também enfrentou transtornos.

A justificativa dos comerciantes é sempre a mesma: A de que a taxa pela utilização do equipamento é muito alta. “Mas é dinheiro e vai ser debitado na conta deles [comerciantes]”, argumentou a promotora”, que há poucos dias também não conseguiu pagar serviços fotográficos via cartão porque a empresa, localizada na região central, “prefere trabalhar com dinheiro”.

Para Nájela, o que falta é fiscalização para que a lei seja cumprida. “Têm uns que abusam”, finaliza.

Melhorou sim - Apesar desse exemplo de dificuldade relacionada ao Código, o superintendente diz que muita coisa mudou, para melhor. Para Lamartine, o aumento no número de atendimentos é uma mostra disso. Em 2006, eram 16 mil atendimentos e em 2011 foram 40 mil, ou seja, duas vezes e meia a mais.

O superintendente atribui o crescimento as mídias sociais e a imprensa. “Com a expansão das mídias sociais e maior interesse da mídia em divulgar os direitos do cidadão, o consumidor tem procurado mais seus direitos”, diz.

Ele afirma que o índice de solução do órgão é de 85%, como aconteceu com um proprietário de um mercado em Campo Grande, que depois de uma denúncia, foi multado em R$ 699,50 por limitar a venda para pagamentos com cartões de crédito, nesta semana.

Serviço - O disque-denúncia do Procon é o 151. Reclamações também podem ser feitas pessoalmente, na sede do órgão, que está localizado na rua 13 de junho, 930, em Campo Grande.

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