Em Pauta

Os grandes objetivos da vida mudaram para todos?

Mário Sérgio Lorenzetto | 29/05/2016 07:00
Os grandes objetivos da vida mudaram para todos?

Um estudo de economistas diz: "Os jovens redefiniram o sucesso. Antes, dizia-se que alguém bem sucedido era aquele com casa própria e, pelo menos, um carro na garagem. Agora, valoriza-se quem investe seu dinheiro em experiências, viagens e aventuras". Pode ser que em termos estatísticos essa afirmativa seja verdadeira. Mas não é bem assim.
Perante a antiga conjuntura econômica, comprar casa e carro passou a ser possível. Não é mais. Era sinônimo de independência e de emprego fixo e estável. Essa realidade está desaparecendo aceleradamente.
A conjuntura econômica alterou-se. Passamos a viver na corda bamba. Comprar casa tornou-se um mau negócio. Porque o crédito ficou mais caro, porque aprisiona a uma localização, mas, principalmente, porque a ideia de emprego para a vida toda já não existe. E se não existe um salário certo para pagar uma dívida certa, é pior que uma localização permanente. Se a procura de um novo emprego pode te obrigar a mudar de cidade, de Estado ou, talvez, de país, de que serve uma casa?
Quem são os jovens que "investem seu dinheiro em experiências, viagens e aventuras?" São aqueles a quem sobra dinheiro próprio ou de familiares e que, em regra, vivem na casa de seus pais, sem despesas obrigatórias.
Ver as viagens e as novas experiências como uma visão de sucesso, não significa que ter casa e carro deixou de ser importante. Infelizmente, está deixado de ser possível. Não somos menos materialistas, somos mais pobres.

A cachaçada no tempo dos jesuítas.

Tanto indígenas como africanos conheciam bem as bebidas fermentadas. Os primeiros tiveram as suas "cauinagens" registradas pelos padres jesuítas que condenavam os porres costumeiros. A cargo das mulheres, a preparação à base de caju, mandioca, milho, abacaxi ou de jenipapo, depois de bem mastigados para acelerar a fermentação, algumas vezes misturados ao mel de abelha, resultava em um líquido tomado em celebração tribal. Essa celebração tinha caráter religioso. A bebedeira era proibida para crianças e só admitida após a puberdade. A celebração, onde se consumia muita bebida, ocorria ao som de maracás e improvisavam-se canções, danças e assobios. Não era raro aparecer algum indígena com a cabeça quebrada por outro sob o efeito da bebida.
Com a chegada dos portugueses, os indígenas abandonaram o cauim e aderiram ao "cauim-tatá" (pode ser traduzida por bebida de fogo, a atual cachaça), e à garapa (vinho ou cerveja que ainda se bebe em Angola), tomada pelos africanos na zona açucareira.
Estes, por sua vez, produziam vinho de palma, da palmeira dendê. Também faziam o "macerato", uma infusão de sementes de sorgo e milheto. E foram de milho as primeiras cervejas, que alguns estudiosos afirmam terem adquirido fama internacional -indo desde o Senegal até o Oceano Índico.
A irritação dos jesuítas, com indígenas e africanos, era decorrente do fato de que a maior parte da mandioca colhida era sempre transformada em bebida alcoólica e não em alimento. E, para piorar as animosidades com os padres, indígenas e africanos tinham o costume de entornar de uma só vez a cachaça. E duravam dias em festas, isto é, em cachaçada. Mas os costumes eram diferentes. Indígenas e africanos só ingeriam bebidas alcoólicas durante as festas. No dia a dia, bebiam apenas água.
Já para os europeus, não era possível beber sem comer. Um sem o outro era atitude de bêbado. Vale lembrar que o português ao fundar a indústria do açúcar, criou a do álcool. A cachaça, aguardente da terra, ou jeribita, era a bebida favorita e indispensável a qualquer brasileiro pobre, independente da cor da pele. Mas tinham como debater o tema com os jesuítas. A cachaça era vista como remédio (até o século XVIII) contra vermes, "mal da vista" e erisipela. É claro que também para os homens idosos, cujos "órgãos" aqueciam.

O Reino. O Evangelho segundo Emmanuel Carrère.

Carrère é, sem dúvida, a estrela maior dentre os escritores franceses. Seu mais recente livro, "O Reino", é um fenômeno editorial, com mais de 400 mil exemplares vendidos só na França. Carrère conta as origens do cristianismo, no final do primeiro século depois de Cristo, a partir dos personagens de São Paulo e de São Lucas. O escritor discute a questão da fé no mundo atual. Ele que foi um católico fervoroso, que se dizia "tocado pela graça" e ia à missa diariamente. Hoje, é agnóstico, mas se considera um cristão.
Esse é um livro que não é reservado apenas aos que têm fé. É um assunto apaixonante, mas que é pouco conhecido. Todos conhecem a história de Jesus. Por outro lado, o que aconteceu depois, como isso começou a florescer e o surgimento dos Evangelhos é conhecido apenas pelos especialistas, mas não pelo público em geral.
Um dos eixos mais importantes do livro está no debate de qual era a força da mensagem cristã, o que ela tinha de tão inovadora a ponto de permitir que uma pequena seita judaica abalasse o fabuloso Império Romano? Segundo São Paulo, o elemento central do cristianismo é a crença na ressurreição. Muito estudiosos discordam da opinião de São Paulo. Para eles o que fez o cristianismo atravessar 20 séculos, e que ainda continua algo vivo, é a inversão total dos valores nos quais acreditamos que o mundo funciona. A maioria pensa que é melhor ser rico do que pobre ou ser forte do que fraco. O cristianismo diz o contrário, e é algo que deveria escandalizar. O ponto central é dizer que a verdade não está na força, mas sim na fraqueza. É a apologia da fraqueza. Carrère reacende esse debate narrando a força de São Paulo e a qualidade literária de São Lucas. Ele afirma que a dupla é imemorável e inseparável. Algo como Sherlock Holmes e Dr.Watson ou Dom Quixote e Sancho Pança. "O Reino" de Emmanuel Carrère é uma mostra de grande inteligência e conhecimento do período que escreve. Uma obra escrita em estado de graça.

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