Em Pauta

Lado sujo da limpeza. Um tempo de pestes

Mário Sérgio Lorenzetto | 10/03/2020 06:20
Lado sujo da limpeza. Um tempo de pestes

Há muitíssimo tempo a humanidade lida com os banhos, a sujeira, o lixo e os detritos com métodos de uma eficácia surpreendente. Uma casa de 4.500 anos na Índia, tinha um ótimo sistema para retirar o lixo levando-o para um monturo externo. Na antiga Babilônia havia drenos e um sistema de esgotos. Em Creta, há mais de 3.500 anos, tinham água corrente e banheiras. Em suma, a limpeza e os cuidados com o corpo, de modo geral, são importantes para tantas culturas há tanto tempo que é difícil saber onde começou.

Gymnasium, um lugar para ficar nu.

Os gregos antigos eram devotos do banho. Gostavam de ficar nus. "Gymnasium", nada tem a ver com escola, era um lugar para ficar nu e suar fazendo exercícios. No final, ocorria um banho coletivo de seus frequentadores.
Os romanos amavam a água. Uma residência quase intacta encontrada nas ruínas de Pompeia tinha 30 torneiras. A rede de aqueduto dos romanos abasteciam suas cidades com superabundância de água. Cada romano consumia 1.100 litros de água diariamente, oito vezes a mais que os romanos atuais. E iam às termas em verdadeiras multidões. Caracala tinha sempre 1.600 banhistas; as de Diocleciano, 3 mil. Todos pelados.

Com o cristianismo veio a sujeira.

É curioso como o cristianismo sempre esteve pouco à vontade em relação à limpeza. Desde o início criou uma tradição de associar santidade com a sujeira. Quando São Tomás Becker morreu, os que o enterraram observaram que suas roupas estavam "pululando de piolhos". Durante toda a Idade Média, uma maneira de ganhar honras duradouras era fazer um voto de nunca se lavar. Muitos foram da Europa a Jerusalém à pé. Mas quando um monge obscuro chamado Godric afirmou que fez percurso, que levava anos, sem se molhar uma única vez, se tornou São Godric.

E chegam os fedidos europeus....

Quando os europeus começaram a chegar nas Américas, eram tão malcheirosos que esse fato sempre chamava a atenção dos índios. Nada, porém, deixava os índios tão perplexos como o hábito europeu de assoar o nariz em um fino lenço e depois dobrá-lo cuidadosamente e colocá-lo de volta no bolso, como se fosse um valioso suvenir. Para muitos dos europeus o banho era coisa de louco, para os casos de insanidade mental, usava-se o banho com frequência assustadora.

Pestes e mais pestes.

Surgiram epidemias devastadoras na Europa. Matavam milhões. A mais famigerada e famosa foi a peste negra que na verdade eram duas doenças, a peste bubônica e a pneumônica. A última, mais mortal, destruía o sistema respiratório. Mas houve muitas outras. A "doença inglesa do suor", sobre a qual nada sabemos, atacou com quatro epidemias - 1485, 1508, 1517 e 1528. Matou milhares de pessoas, até desaparecer. Foi seguida por estranha peste denominada "Nova Doença" que matava os ricos e poderosos.

O banho a seco.

O corpo sujo continuou sendo a regra. Até que Benjamin Franklin tentou outra tática. Nos anos que morou em Londres, criou o hábito de tomar "banho de ar", aquecendo-se nu diante de uma janela aberta. Isso com certeza não o deixava mais limpo, mas deu um bom assunto de conversas.Também era estranhamente popular o costume de "lavar a seco" - esfregar a pele com uma escova para desalojar piolhos. Quase todos acreditavam que os tecidos de linho tinham qualidades especiais que absorviam a sujeira da pele.

E a água virou moda.

Tudo começou em 1702. A rainha Anne inventou de tratar a gota tomando banho. Logo começaram a surgir cidades-balneário. Todas eram cidades vizinhas do mar. A "boa água" era salgada. Muitos tomavam banho nus. E criavam contendas com os moralistas e religiosos. A água continuou a melhorar sua fama até que surgiu um grande picareta.

O picareta que fez todos tomar banho.

James Graham (1745-1794), auto-intitulado médico, sem qualificação alguma, fez enorme sucesso usando imãs, baterias e outros aparelhos vibratórios para curar todas as doenças que existiam, especialmente para curar impotência e frigidez. Ele elevou o banho ao patamar que hoje adotamos. Graham também oferecia novidades: banho de lama, de leite e com fricção. A jogada para enganar incautos era feita em um ambiente com música, perfumes e belos cenários... e, é claro, mulheres seminuas atendendo os banhistas. Mas Graham começou a exagerar. Prometia que quem seguisse seus preceitos viveria até os 150 anos de idade. Mas muitas de suas convicções sobreviveram. Banho frio, pouca comida, cama dura, janelas abertas, e, sobretudo, horror à masturbação.

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