Em Pauta

Jumento made in Brazil

Mário Sérgio Lorenzetto | 31/12/2015 07:21
Jumento made in Brazil

Jumento made in Brazil

O jumento vai virar commoditie. Do total abandono a que foi relegado, um dos maiores amigos do homem será exportado para a China. Marcelo Buainain, o melhor fotógrafo que o Mato Grosso do Sul já produziu, narra em seu belo livro-álbum "Era uma vez...": "Era uma vez o jumento, o jegue, o jerico, o burro, o roxinho. Era uma vez esse dócil, humilde e serviçal animal, escolhido por Jesus e louvado pelo Padre Vieira, cantado por Luiz Gonzaga e cordelistas, admirado por Victor Hugo e Dom Pedro. Era uma vez o animal que durante séculos foi responsável pela construção dos açudes e por tantos outros serviços". "Era uma vez " de Buainain, conta a história de um animal que hoje está condenado ao ostracismo. Foi abandonado por quem serviu durante séculos. Perdido nas estradas e catingas. Passando fome e vivendo de restos e do lixo.

A Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, informou que uma empresa chinesa está interessada em importar um milhão de jumentos brasileiros por ano. A informação não dá pistas do destino final desses animaizinhos - servirão para frigoríficos ou para transporte e trabalho? Apenas diz que o chinês responsável pela empresa, propõe um acordo com o nosso país para promover melhoramento genético.

Os espertalhões do Congresso Nacional colocaram "jabuti" em uma Medida Provisória, ampliando o prazo para acabar com os lixões.

"Jabuti" é o termo utilizado no Congresso Nacional para identificar alguma norma legal que está fora de contexto quando das votações. O "jabuti" desta vez foi inventado por um espertalhão de Goiás, o Deputado Jovair Arantes, líder do PTB, que fez uma salada de espertezas na votação da Medida Provisória 678/15, que deveria tão somente permitir o uso do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), um instrumento que facilita a vida dos empreiteiros, para a construção de presídios. Ele incluiu uma emenda que ampliou até agosto de 2018 o prazo para que os municípios encontrem alternativas para os lixões a céu aberto. A maioria não cumpriu o prazo, que esgotou em 2014, e os prefeitos estão sendo acionados pelo descumprimento da norma.

Rota de fuga: exportações legais e ilegais.

Números de agosto mostram que o Brasil vendeu mais de US$225 bilhões. Mas a grandiosidade do número mascara problemas. Somos apenas o vigésimo quinto maior exportador do planeta, atrás de nações como a Tailândia e Malásia. Todavia, o país não vive apenas das exportações legais. O Brasil é um dos principais entrepostos do tráfico de drogas, que movimenta US$320 bilhões ao ano, de acordo com a ONU. Só o tráfico de drogas movimenta mais dinheiro que todas as exportações brasileiras somadas. E não para aí - o Brasil também é referência na exportação de ácido clorídrico e metiletilcetona, usadas na transformação da cocaína. O tráfico de serpentes, aranhas e escorpiões para a Europa é considerado pelo Ibama um caso de biopirataria feita por laboratórios. A lista não para. Metade da madeira exportada para a Europa sai do Pará, onde 78% da área de extração desse estado corresponde a áreas de exploração ilegal. Ocorrem ainda tráfico de órgãos: a Polícia Federal desarticulou esquema que aliciava moradores do Recife para viajarem até a África do Sul para retirada de rins. Como também há um imenso tráfico de pessoas. O Ministério da Justiça indica que as principais vítimas dessa modalidade de tráfico são mulheres de 20 a 29 anos pobres e de baixa escolaridade que saem de todas as regiões brasileiras para os prostíbulos europeus. À imensidão de seu território, corresponde uma imensa rota de fuga.

Caminha a passos de tartaruga aleijada a regulamentação de autopeças.

A famosa livre iniciativa quando não é regulamentada e fiscalizada pode se tornar criminosa. O setor mais emblemático é o de autopeças. Décadas após décadas continuam vendendo livremente fluido de freio que não freia, amortecedor recondicionado que não amortece, roda de liga leve recuperada que mata cantor sertanejo e outros atentados contra a vida dos brasileiros. Pneu remoldado é o campeão da maracutaia. O governo insiste em não exigir o registro de suas características originais na banda lateral que poderia salvar milhares de pessoas. O engate-bola continua quebrando a canela do pedestre e amassando o para-choque de quem estaciona atrás. E o quebra-mato é o tiro de misericórdia em alguém atropelado por um automóvel com esse monstrengo. O Contran não enfrenta suas obrigações. Tudo continua funcionando a passos de tartaruga aleijada.

Não se iludam com a política. A origem das salsichas e das leis.

O estadista que unificou a Alemanha, Otto von Bismarck, afirmou que as pessoas não poderiam dormir tranquilas se soubessem como são feitas as salsichas e as leis. O que pode afetar estômagos mais sensíveis na produção das salsichas é saber que elas são feitas com as bochechas, vísceras e a carne que fica grudada nos ossos de bois, frangos e porcos. Essas peças congeladas são trituradas até formar uma massa homogênea. O passo seguinte é juntar doses cavalares de sal, amido de milho, temperos e conservantes que dão a típica coloração rósea.

Para muitos, uma mistura nauseabunda.

Bismarck irmana-se a Maquiavel na compreensão que tiveram da atividade política. Lamentavelmente, a popularização do pensamento de Maquiavel se tornou um adjetivo negativo: significa fazer o mal, ser falso e dissimulado. A face mais clara de Maquiavel é outra: ele mostra que a política tem uma ética própria, que não coincide com a ética cristã. A ética cristã ensina que é preciso fazer sempre o bem. Fazer o mal merece recriminação. Maquiavel demonstrou que a ética cristã pode se aplicar bem ao mundo privado, mas é de pouca valia para o mundo público. O florentino mostrou que existe uma ética pública, uma ética de Estado, que com frequência entra em conflito com a ética cristã. Pode ser tão nauseabunda quanto as salsichas e para muitos é um horror. Mas a verdade é que quem se desilude com as salsichas e com a política é porque algum dia se iludiu. O grande problema não está na política e sim na ilusão. Não se iludam com a política e com as salsichas. Sempre foram feitas da mesma massa homogênea.

Nos siga no