Em Pauta

Chamando os bois pelo nome correto

Mário Sérgio Lorenzetto | 27/11/2017 06:32
Chamando os bois pelo nome correto

Há um novo nome que é o epítome dessa tendência enervante de dar nomes diferentes às coisas para que tenham aparência mais nobre. Isto de chamar "colaboradores" aos trabalhadores, ou "parceiros" aos fornecedores, e por aí afora. Gays, afro-descendentes, povos primitivos e uma extensa lista de mudanças de nomes que não mudam coisa alguma.
Há, agora, nos Estados Unidos, uma nova invencionice: "co-living". Não passa do antigo dividir o quarto com outra pessoa. Isso é mais velho que andar para a frente ou beber água. Milhões de pessoas, especialmente estudantes, algum dia da vida já dividiram um quarto. Chamar isso de "co-living" é apenas uma forma criativa de não dizer o óbvio. Viver em um quarto com outra pessoa estranha aos 20 anos pode ser interessante. Aos 30 ou 40 anos é indesejável sob todos os aspectos. Não é "trendy", é horrível. Não há marketing que chegue para mascarar a realidade de que está cada vez mais difícil pagar casa sozinho. Chegamos ao momento que não podemos nem mesmo ter um quarto para viver. As ideias de economia compartilhada chegaram à casa. É quase insultuoso. Ter 50 anos e viver com outras 9 pessoas, dormindo em beliches, e chamar de "estilo de vida moderno". Isso é mais uma instância em que algumas cabeças que não conseguem criar algo útil, dão ao que é velho uma nova roupagem, para depois dizerem que inventaram uma coisa nova. É bom que haja alternativas em tudo, e a economia compartilhada têm muitas vantagens. O que não podemos é esquecer-nos da erosão que traz em tantos outros aspectos e achar que já não é preciso atacar a raiz de tudo isso: uma galopante iniquidade.

A deliciosa bebida de Satanás, cabras saltitantes e a primeira multinacional.

A despeito do nome "Coffea arabica", o arbusto do café originalmente crescia selvagem na Etiópia. É, portanto, africano e não árabe. Ele ganhou fama quando foi cultivado no Iêmen dos árabes, no século XV. Segundo a lenda, foi descoberto pelo pastor de cabras Kaldi. Quando o pastor foi reunir seu rebanho de cabras no final de uma tarde, as descobriu atipicamente excitadas, levantando as patas, dando cabeçadas e nada dispostas a voltar para casa. Provando os frutos vermelhos que elas haviam consumido, ele descobriu a razão. As frutas davam uma prazerosa sensação de formigamento, começando na língua e espalhando-se pelo corpo.
A descoberta da infusão está relacionada ao islamismo no Iêmen. O imã do mosteiro de Shehodet decidiu investigar o estranho comportamento das cabras saltitantes. Fez uma infusão com o grão torrado do fruto que o pastor dissera ter "enfeitiçado" as cabras. Assim é descrita essa experiência: "Em poucos instantes, o imã do mosteiro de Shehdet ficara como que encantado. Estava em um estado de embriaguez diferente de todas as conhecidas até então por seu povo. Sendo muçulmano fervoroso, o imã não tinha experiencia de embriaguez. Mas, embora tenha quase perdido a consciência do seu corpo, a mente estava atipicamente ativa, satisfeita e alerta".

Satanás bebe café.

A jornada global do café começou com a conquista do Iêmen pelos otomanos no século XVI, abrindo o império para a nova bebida. Em 1554, um empresário de Aleppo se associou a outro de Damasco para abrir o primeiro café de Istambul. Foi um fenômeno. Em pouco tempo, cavalheiros despreocupados, homens em busca de distração, professores e poetas estavam lotando o café. Eles liam, jogavam gamão e escutavam poesia, mas não frequentavam muito a mesquita. Os cafés eram chamados de "escolas do conhecimento". Também injetaram algo novo na sociedade mulçumana. Os cafés deram a todos os homens a oportunidade de sair de casa a qualquer hora e criaram novos hábitos sociais que não eram aceitos antes. Foi um hábito que se espalhou para muitas sociedades do mundo depois de conquistar a Europa.
O fascínio italiano por essa bebida amarga foi motivo de preocupação para cristãos devotos. Em 1592, o papa Clemente VIII foi convocado para resolver uma disputa entre o clero sobre o crescente vício dos cristão no chamado "vinho islâmico". Antes de dar seu veredicto, o papa tomou um gole e exclamou: "Por quê? Esta bebida de Satanás é tão deliciosa que seria uma pena deixar os infiéis terem exclusividade dela. Devemos enganar Satanás a batizando".

A primeira multinacional foi a de café.

O empreendimento que os comerciantes assírios conduziam à partir da Anatólia no terceiro milênio a.C., muito antes dos otomanos dominarem o mundo árabe, foi chamado de primeira multinacional do mundo. A definição de multinacional com substancial investimento estrangeiro direto e envolvido no comércio entre países certamente pode ser aplicado a essas formas embrionárias de empreendimentos. Mas a formação de monopólios comerciais estatais, como a Companhia das Índias Orientais inglesa e holandesa no início dos anos 1600, marcou um novo estágio e antecipou a ascensão das empresas globais. Elas eram por volta de 500 no final do século XVII, mas as multinacionais aumentaram para mais de 63 mil hoje.

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