Em Pauta

Adidas e Puma, uma só família em guerra por 60 anos

Mário Sérgio Lorenzetto | 06/08/2017 09:40
Adidas e Puma, uma só família em guerra por 60 anos

A ninguém passaria desapercebido que um jovem passasse pelas ruas com uma camisa do Corinthians e calças do Palmeiras. Colecionaria olhares incrédulos. Como ocorreria também se alguém usasse camiseta do Real Madrid e calça do Barcelona. Mas ninguém notaria uma pessoa que calçasse um tênis da Adidas e camiseta da Puma. Mas essa combinação não deveria passar inadvertida. Porque a maior rivalidade da história dos esportes não é protagonizado por dois atletas, nem por dois times, nem sequer por dois países. É sim por dois filhos de um sapateiro de Herzogenaurach.
Nessa pequena cidade alemã, dividida pelo rio Aurach, residia, nos finais do século XIX, Cristoph Dassler. Era um operário de uma fábrica de sapatos na região. Havia sido o último filho de uma longa estirpe dedicada aos tecidos. A industrialização eliminou sua mão de obra especializada. Condenado a ser aprendiz novamente, Cristoph Dassler costurava calçados. Enquanto isso, sua mulher Pauline lavava roupa dos vizinhos em sua própria casa. O casal teve 4 filhos: Fritz, Rudolf (apelidado Rudi), Adolf (Adi) e Marie. Todos ajudavam a mãe na lavanderia caseira.

A Primeira Guerra Mundial muda o rumo da família Dassler.

A explosão inesperada da guerra levou os dois filhos maiores para as fileiras de combatentes. Fritz e Rudi foram para a frente belga com a esperança de viver uma guerra curta. Mas a guerra não acabou e levou para o combate o filho menor. Adi tinha dezessete anos quando virou soldado. Por sorte, em 1918, os três irmãos regressaram com vida a Herzogenaurach. Mas nada seria igual, nem na Alemanha, nem na família. O pôs guerra trouxe a miséria que obrigou a mãe a fechar a lavanderia. É ali, onde lavavam roupa, Adi montou uma oficina de sapatos, empregando peças e ferramentas que recuperava dos campos de batalha.
A oficina contou com a sabedoria do pai. Ainda que fabricasse sapatos resistentes para os vizinhos, a esperança de Adi era criar calçados para a pratica de esportes, sua grande paixão desde criança é fonte de rivalidade com seu irmão Rudi. O amigo de infância de Adi, Fritz Zehlein, filho do ferreiro local, arrumava os cravos que eram colocados nos sapatos que eram usados para correr em campos ao ar livre. Depois de um tempo, Adi se uniu com Rudi. Nascia a Gebrüder Fassler Schuhfabrik, a fábrica de sapatos dos irmãos Dassler.

O surgimento do esporte como fenômeno de massa.

Apesar da diferença de caráter entre os dois irmãos, o negócio cresceu. Adi era o artista introvertido, o criativo, e podia passar horas na oficina desenhando novos calçados. Para ele não era um trabalho, era um hobby, uma paixão. Rudi era o homem de negócios, o "charlatão", como esses homens eram tratados então, o relações públicas com grande olfato comercial, que vendia tudo que seu irmão produzia. A mesma industrialização que havia colocado no ostracismo o conhecimento de seu pai, criou o esporte como fenômeno de massa. O esporte deixou de ser uma distração burguesa para converter-se em uma via de escape para os operários que viviam em condições de trabalho penosas, que por sua vez, alteravam os equilíbrios sociais da época. Por toda parte na Alemanha nasciam novos clubes e os irmãos Dassler não perderam a oportunidade de conseguir mais clientes a cada dia. Em 1926 a oficina tinha ficado pequena e mudaram para uma maior no outro lado do rio.

Os irmãos Dassler viraram nazistas.

A vida na Alemanha nos anos 30 era turbulenta. À chegada dos nazistas ao poder foi vista pelos irmãos como uma grande oportunidade de negócios. Intuíam que a paixão dos nazistas pelos esportes comportariam um grande aumento da demanda de seus produtos. Aproximaram-se do partido de Hitler. Sua aposta deu resultado, as vendas se multiplicaram no calor do regime. O crescimento da fábrica não cessava e tinham de mudar constantemente de lugar para dar conta dos pedidos.

Os nazistas que conquistaram o corredor norte-americano Jesse Owens.

A inexplicável celebração dos Jogos Olímpicos na Alemanha nazista levou até Berlim os melhores atletas do mundo. Era um momento único e Adi não estava disposto a perder a oportunidade. Havia escutado notícias de um fabuloso velocista negro dos EUA, um tal Jesse Owens, que Adi se empenhou em conhecer. Com a ajuda do treinador da equipe alemã, Adi conseguiu entrar na inacessível Vila Olímpica para tentar seduzir Owens com seu sapato de cravos feito à medida. Com esse sapato, Owens escreveu um dos momentos mais glorioso do esporte, humilhando Hitler e sua ideia de superioridade racial, em sua própria casa. Um episódio que converteu os sapatos dos Dassler em uma lenda, e Owens em seu principal avalista. Pela primeira vez na história, a propaganda massivo de sapatos esportivos criava um mito: use os sapatos dos Dassler e seja um Owen.

A guerra dos irmãos Dassler e o surgimento da Adidas e da Puma.

Com o crescimento da empresa cresceu também a tensão entre os irmãos. Enquanto um queria vender mais e mais depressa, o outro queria dedicar-se à conquista de melhor qualidade. A vida familiar na Villa, a mansão onde residiam não era pacífica. Os conflitos pessoais e laborais pipocavam diariamente. Um coquetel raivoso que desestabilizava a família. A guerra tornou-se aberta na família. Acusações terríveis surgiam. A pior era de que Rudi, um conhecido dom Juan, seria o, pai dos filhos de Adi. Os dois reclamam o direito de ter inventado os cravos descartáveis que colocavam nos calçados dos atletas. Enquanto a Alemanha enfrentava o mundo, os irmãos estavam em guerra interna total.
Com o fim da guerra, veio o fim da fábrica dos Dassler. Surgia a Adidas, contração de Adi e Dassler. Também surgia a Ruda, contração de Rudi e Dassler que pouco tempo depois passaria a ser denominada Puma. E os irmãos jamais deixaram de ser inimigos e competidores colossais pela venda de materiais esportivos até o fim de seus dias. Eles arrastaram o micróbio todo para a guerra particular. A cidade passou a ser conhecida como aquela onde as pessoas andam com o pescoço dobrado, olhavam o que cada cidadão calçavam antes de olhar para o rosto. Era proibido um jovem que trabalhava na Adidas namorar ou casar com uma jovem operária da Puma. Famílias inteiras trabalhavam em uma ou na outra fábrica, jamais nas duas. Tinham, inclusive, uma dimensão política e religiosa. Puma era considerada católica e conservadora. Adidas era protestante e social-democrata.

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