Compartilhando Justiça

Plágio acadêmico: consequências jurídicas

Dr Henrique Lima | 28/01/2019 11:32
Plágio acadêmico: consequências jurídicas

Para se falar do tema, é importante partir da análise do lema do próprio plagiador: “Na vida, nada se cria, tudo se copia”. Frase esta que é, inclusive, uma cômica tentativa de um plágio mal feito da célebre “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”, cunhada pelo famoso químico francês Lavoisier, do século XVIII. Nota-se, por óbvio, que essa prática já começa mal, pois transforma um enunciado verdadeiro em uma afirmação maliciosa.

Várias circunstâncias contribuem para a prática do plágio, que, segundo muitos professores, é uma “praga” no meio acadêmico. A internet é considerada uma das maiores vilãs dessa história, pois o fácil acesso ao conteúdo torna difícil resistir à tentação do “Crtl C”, “Crtl V”. Porém, essa ferramenta não é e não deve ser considerada a única responsável. Outros fatores, como a falta de tempo diante do dia a dia atribulado, contribuem para dificultar a dedicação de horas a mais para leitura, síntese, reflexão, organização e produção. Há também a falta de preparo, consequência de um ensino que pouco estimula a leitura e a produção de textos. Tudo ainda é fomentado pela esperança da impunidade, pois salvo raras exceções, poucos professores se preocupam em efetivamente advertir e punir casos de plágio.

Assim, a facilidade de acesso a outros trabalhos, a falta de preparo para a produção de textos, a escassez de tempo (talvez o melhor seria dizer a “má administração do tempo”) e a certeza de impunidade tornam o plágio uma tentação difícil de resistir. Entretanto, a “frieza da lei” é alheia à “fraqueza da carne” e a punição é reservada para aqueles que são pegos utilizando-se desse ilegal e imoral artifício. A saber, existem consequências jurídicas cíveis, criminais e administrativas para o plagiador.

A LDA – Lei dos Direitos Autorais – garante ao autor de uma obra direitos morais e patrimoniais sobre a mesma. Os “direitos morais” são aqueles relacionados à paternidade da obra. É o caso da possibilidade de reivindicar, a qualquer tempo, sua autoria, tendo seu nome divulgado como autor. Já os direitos patrimoniais são os relacionados aos aspectos financeiros.

Dentro da seara cível, o plagiador será obrigado a publicar por três vezes em jornal de grande circulação dos domicílios do autor, do intérprete e do editor a informação de quem é o verdadeiro autor da obra, bem como pagará uma indenização pecuniária pelos danos morais causados ao plagiado, a qual será arbitrada pelo juiz a partir da análise das peculiaridades do caso concreto, tais como a abrangência do plágio, a notoriedade do plagiado, os benefícios ao plagiador etc. Apesar de ser mais difícil de acontecer no meio acadêmico, se eventualmente ocorrerem ganhos financeiros ao plagiador, este ainda será obrigado a indenizar pelos danos materiais.

O aspecto criminal do plágio está previsto no artigo 184 do Código Penal, que prevê a pena de três meses a um ano, ou multa, a quem violar direito autoral. Se houver intuito de lucro direto ou indireto, a pena aumenta para reclusão de dois a quatro anos e multa. Ainda que não ocorra o efetivo recolhimento à prisão do plagiador, as consequências são bastante danosas, pois os concursos públicos, ao avaliarem o histórico do candidato, costumam desclassificar quando há antecedentes criminais por ser a conduta incompatível com a lisura esperada do servidor público. Além disso, numa eventual outra condenação, ainda que por um crime de menor potencial ofensivo, poderá ter que cumprir a pena num regime inicial mais gravoso, além do que não poderá o plagiador valer-se do benefício da transação penal, por exemplo.

Quanto às consequências administrativas dentro da academia, o que se observa é que cada instituição de ensino adota postura diferente, sendo comum a prática de possibilitar ao estudante a correção do trabalho. Porém, há a liberdade para reprová-lo, obrigando-o a cursar novamente a disciplina. Há decisões judiciais confirmando a perda do título de pós-graduação (especialização, mestrado e até doutorado) quando posteriormente é descoberto o plágio.

Provavelmente, as ocasiões em que mais ocorrem plágios são no ensino médio e na graduação, até mesmo por conta da fase de amadurecimento do raciocínio crítico pelo qual está passando o aluno. Porém, são raras as decisões judiciais acerca dessas situações. Acredito que isso se deve à baixa publicidade dos conteúdos desses trabalhos, diferentemente do que ocorre a nível de mestrado e de doutorado, em que as dissertações e as teses costumam ser publicadas em revistas científicas e estas são consultadas e, consequentemente, fiscalizadas pelo meio acadêmico.

Situação igualmente grave a do plágio é a da aquisição do trabalho acadêmico elaborado por outra pessoa, conduta que configura crime de falsidade ideológica punido com 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa.

Evidente que, descoberto o plágio, a instituição tem o direito de reprovar o aluno e de repudiar a prática porém, isso deve ser feito dentro do princípio da razoabilidade e nos limites do necessário para o caso, evitando-se que o exercício da legítima prerrogativa de censurar a atitude se torne um abuso de direito, passível de ofensa à dignidade da pessoa humana do aluno.

Em 2011, um caso foi bastante divulgado pela mídia nacional quando a USP demitiu um professor do programa de doutorado em decorrência de plágio na utilização de imagens. Na época foi afirmado pelo então reitor acerca dos “efeitos pedagógicos” da punição. Entretanto, aquela era a “primeira exoneração do tipo em 15 anos” (conforme divulgado pela Folha de São Paulo em 20.02.2011).

Isso me faz lembrar da lição do filósofo jurista Cesare Beccaria, que afirmava que a melhor maneira de desestimular o desrespeito às leis é acabar com a esperança de impunidade. De nada adianta exonerar um professor pesquisador para que “sirva de lição” se inúmeros outros casos passam impunes. Se houvesse a certeza de que cada plágio será punido, sem exceção, certamente haveria um resultado muito melhor quanto ao respeito aos direitos autorais.

Portanto, o plágio nos trabalhos acadêmicos é uma atitude reprovável e ilegal, tanto na esfera cível, quanto na esfera criminal e também no âmbito administrativo da instituição de ensino, devendo sua prática ser coibida a partir de medidas de conscientização, de prevenção e de repressão.

O jurista J.J. Calmon de Passos afirmou: “Os gigantes de ontem só nos são úteis se permitirem que, subindo em seus ombros, possamos ver além do que foram capazes de vislumbrar” . Por isso, o plágio é triste não só pela condição de esterilidade intelectual do próprio aluno, mas também porque a comunidade científica perde a oportunidade de alcançar mais um degrau, no qual poderia subir em direção ao aperfeiçoamento do conhecimento.

HENRIQUE LIMA. Advogado (www.henriquelima.com.br)

Mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado em Direito Constitucional, Civil, do Consumidor, do Trabalho e de Família. Autor de livros e artigos, jurídicos e sobre temas diversos. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5217644664058408.

PASSOS, J. J. Calmon de. O futuro do Estado e do Direito do Estado. Democracia, Globalização e o Nacionalismo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvado, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 2, junho/julho/agosto, 2005. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 02 de dezembro de 2013.

Nos siga no