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No coração do crime, rota da cocaína nasceu para lucrar com café e whisky

“O eixo Ponta Porã/Pedro Juan é o coração do crime na América do Sul. E os grandes traficantes começaram como contrabandistas", diz autor do livro “Cocaína: A rota caipira”

Aline dos Santos | 27/03/2018 15:51
Ponta Porã faz fronteira com Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia cobiçada na logística do crime.(Foto: Helio de Freitas)
Ponta Porã faz fronteira com Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia cobiçada na logística do crime.(Foto: Helio de Freitas)

Principal rota do narcotráfico no Brasil, o crime viaja pelas estradas de Mato Grosso do Sul de acordo com o produto da moda. Na década de 1970, a primeira vocação da fronteira com o Paraguai foi o contrabando de café e whisky. Para sonegar imposto, o produto brasileiro, até hoje um dos mais importantes da balança comercial, viajava ao Paraguai. Enquanto a bebida de alto teor alcoólico fazia o caminho inverso.

“O eixo Ponta Porã/Pedro Juan é o coração do crime na América do Sul. E os grandes traficantes começaram como contrabandistas. Caso do Jorge Rafaat Toumani, do “Cabeça Branca”, Pavão e dezenas de outros”, afirma o jornalista Allan Abreu, que já morou em Mato Grosso do Sul e é autor do livro “Cocaína: A rota caipira”.

Localizada em Mato Grosso do Sul, Ponta Porã faz fronteira com Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia cobiçada na logística do crime. Entre o fim da década de 1970 e começo dos anos 80, quando o contrabando de café deixa de ser atrativo, primeiro entra em cena a maconha, já cultivada no Paraguai. Depois, a cocaína, o produto com maior valor agregado entre a origem e a venda.

De acordo com Allan, que por cinco anos reuniu 80 mil páginas de documentos e 70 entrevistas para o livro, a rentabilidade do tráfico atraiu novos interessados e mudanças no poder. A partir dos anos 1990, a chegada do Comando Vermelho, capitaneado por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, foi sangrenta.

A base foi Capitan Bado, na fronteira com a sul-mato-grossense Coronel Sapucaia. “Ele foi o pioneiro a ter influência na região, que era dominada pela família Morel. Metade da família foi assassinada”, diz o jornalista. A chacina foi em 2001.

Aviões usados no tráfico de drogas. (Foto: Divulgação/PF)

Na sequência, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) entrou na disputa pelo mercado da cocaína. Há quase dois anos, em junho de 2016, a morte de Jorge Rafaat chocou pela demonstração de poder do crime. Na execução, em uma rua de Pedro Juan, foi usado até armamento antiaéreo contra o veículo blindado.

Condenado, mas em liberdade, Rafaat também era empresário próspero, com comércios nos dois lados da fronteira. Já “Cabeça Branca”, que também começou no contrabando de café, é Luiz Carlos da Rocha.

O agora narcotraficante foi preso pela operação Spectrum, da PF (Polícia Federal), em Sorriso (MT), onde vivia com identidade falsa e com o rosto modificado por cirurgias plásticas. O flagrante foi em primeiro de julho de 2017.

A rota – Por questões climáticas, a cocaína é originária dos Andes, com cultivo em países como Peru, Colômbia e Bolívia. Os carregamentos entram em Mato Grosso do Sul por Corumbá, que faz fronteira com Puerto Quijarro. Por logística, é levada para a fronteira do Paraguai e depois será distribuída pelos mercados nacional e internacional.

A droga vai por terra e ar. No caso do avião, as muitas pistas de pousos no interior de São Paulo, destinadas originalmente para a pulverização agrícola, são de grande valia. Allan explica que o modelo de aeronave preferido é Cessna 2010, que tem autonomia de voo de sete horas. No solo, ação é rápida. “Quando desce com a droga, o copiloto começa a descarregar na caminhonete. Dura três, quatro minutos. Nem desliga o motor e decola de novo”, relata Allan Abreu.

Se o destino é o Rio de Janeiro, a geografia montanhosa não favorece o tráfico aéreo e o mais comum é o carregamento seguir pelas vias movimentadas. Se a droga for ganhar o mundo, a preferência pelo Porto de Santos, no litoral paulista e o maior do Brasil.

“O tráfico corrompe funcionários para abrir os contêineres com cargas lícitas. Abre o lacre, coloca as mochilas com cocaína dentro, fecha o contêiner, coloca o lacre falso e segue para a Europa”, afirma.

Históricas e tradicionais, as rotas do tráfico resistem ao tempo e seguem atrelada ao dinheiro fácil.

“O lucro é muito alto, dinheiro muito fácil. A corrupção policial, a polícia desonesta logo percebeu que seria simples dar o flagrante e desviar parte da droga para vender. Conto isso no meu livro”, diz.

Guerra inglória - “A cocaína tem valor agregado fantástico. Nenhuma outra mercadoria no mundo tem valor agregado tão grande entre a origem e destino final. Um quilo de cocaína na Bolívia vale 800 dólares. Quando chega na fronteira, passa para 3 mil dólares. Quando é transportado para o Rio de Janeiro, vai a 12 mil dólares. Se exportada, 50 mil dólares. É assustador e faz com que essa guerra seja inglória”, afirma o jornalista.

No ano passado, a Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) contabilizou apreensão de 2,9 toneladas de cocaína. Já a PF (Polícia Federal) apreendeu 3,6 toneladas. Num cálculo pelo preço na fronteira, toda essa cocaína vale R$ 20 milhões.

 

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