Interior

Cuidado contra a covid-19 falhou, mas em vida, não faltou amor a "Manoel do Pão"

Conhecido em Coxim, ele conquistou clientes com "jeito manso" e para a família, legado é de alegria e honestidade

Lucia Morel | 16/07/2020 17:36
Manoel e os filhos Thiago, Sheyla, a esposa Rosália, Joice, Maycly e Cristhian. (Foto: Arquivo Familiar)
Manoel e os filhos Thiago, Sheyla, a esposa Rosália, Joice, Maycly e Cristhian. (Foto: Arquivo Familiar)

Dos 58 anos de vida, 12 Manoel Barbosa de Souza viveu em Coxim. Comerciante, a família garante que ele tomava todos os cuidados possíveis para evitar ser contaminado pelo novo coronavírus. Mas não foi suficiente. Manoel acabou morrendo de covid-19 no último dia 12 de julho.

Forte e ainda jovem, “Manoel do Pão”, como era chamado, é lembrado pela família por sua alegria, principalmente. No entanto, filha dele, a autônoma Sheyla Barbosa de Souza, 37 anos, afirma que havia grande temor por parte dele de ser contaminado, o que, mesmo diante de sintomas evidentes de que poderia estar com a doença, o fez protelar a procura por atendimento especializado.

Manoel com o neto Matheus e a filha Sheyla. (Foto: Arquivo Familiar)

Foram pelo menos 11 dias com febre até que Manoel aceitou buscar ajuda médica, o que aconteceu em 30 de junho. Testado para covid-19, o resultado saiu no mesmo dia e deu positivo. Ele então ficou internado no Hospital Regional de Coxim, sem sinais de dificuldade respiratória.

Apesar disso, no dia seguinte à internação, 1º de julho, Manoel foi entubado, e em 2 de julho, transferido para tratamento no Hospital Regional de Campo Grande. “Meu pai era muito preocupado com doenças e como se cuidava muito em relação à covid, demorou muito pra ir buscar ajuda, por medo do resultado ser positivo, eu acho”, comentou a filha.

Com a bisneta Megan e o neto, Higor. (Fotos: Arquivo Familiar)

Para Sheyla, o sintoma prevalente em Manoel foi a febre, que controlava tomando dipirona e com chás. “Ele não sentiu dor nem falta de ar”, afirmou, enfatizando que ele “teve a febre todos os dias”, e que mesmo assim, “a primeira médica que o atendeu, disse que ele teria alta no dia seguinte, por que estava lúcido e sem gravidade”.

Mas infelizmente, não foi o que aconteceu e Manoel precisou ficar mais dias internado, tendo o quadro agravado mesmo com os cuidados dentro de unidade de saúde. “Fizeram radiografia e viram a gravidade, a extensão da infecção no pulmão. O quadro dele se agravou dentro do hospital mesmo. Mas segundo os médicos, da forma como ele estava, não seria possível fazer tratamento em casa”, comentou.

Sheyla passou dez dias em Campo Grande acompanhando a situação do pai, de longe, e recebendo as notícias dele por meio de aplicativo de mensagem. Ao final desse período, a triste notícia da morte de seu pai chegou. 

“Acredito que a demora prejudicou a saúde dele, mas pelo que conversei com os médicos, surgiu nesse período uma desconfiança de que ele já tivesse alguma doença no pulmão, devido à extensão do comprometimento, que já estava em 80% quando ele chegou em Campo Grande”, detalha Sheyla.

Essa doença não foi confirmada e acabou ficando apenas como uma possibilidade diante do agravamento do quadro, já que segundo a filha, Manoel não tinha nenhuma comorbidade que justificasse avanço da doença. “Ele tinha feito check-up recentemente e tinha uma leve arritmia, não apresentou nenhum problema grave no coração”, enfatiza.

Com isso, a filha rejeita o registro oficial da SES (Secretaria de Estado de Saúde), que ao contabilizar a morte de Manoel, o classificou como tendo doença cardiovascular crônica. “Isso nunca existiu”, rebate.

A filha Joice e os netos, Victória, Ana Júlia e Caio. (Foto: Arquivo Familiar)

Segundo Sheyla, a contaminação do pai foi uma infeliz fatalidade e “se fosse pra definir em uma frase, é de que todo cuidado é pouco, é insuficiente”. Ela lembra que com a chegada da doença, o pai passou a trabalhar de máscara e passava álcool em gel a cada cliente que atendia.

“Quando estávamos aqui, ficávamos com ele lá e vimos que ele trabalhava a todo momento de máscara e como lidava com dinheiro e com as pessoas, a cada cliente que atendia ele passava o álcool em gel e se chegava alguma pessoa sem máscara lá, ele alertava para usar. Chegava a ser inacreditável, era demais o cuidado que ele tinha”.

Com tudo isso, a família não vê de que outra forma Manoel pode ter sido infectado, senão trabalhando. “Tanto que alguns dias depois do meu pai ter os primeiros sintomas, minha mãe e meu irmão também ficaram mal, um dia de cama, mas depois melhoraram 99%. E depois de fazer testes, eles estavam positivos também”. 

Memória – Manoel do pão e a esposa foram para Coxim para poderem ficar mais perto da mãe dele, que há 12 anos atrás estava idosa e ficara viúva. Além disso, a possibilidade de novas oportunidades de trabalho também incentivou o casal a sair de Cuiabá (MT), onde alguns dos filhos ainda moram.



“Tudo o que ele construiu, ele construiu vendendo os pães dele. A cidade inteira chorou por ele, tanto que o mercado onde ele vendia, durante o cortejo, fechou as portas para que as pessoas pudessem acompanhar de longe”, revela. 

Até mesmo a imprensa local prestou homenagem a ele, afirmando que “o jeito simples, os cabelos brancos e a fala mansa conquistaram muitos clientes”. 

“Ele era um pai muito querido, excepcional. Tudo que ele pôde fazer pelos filhos e pela esposa, ele fez. Foi um marido maravilhoso, extremamente romântico, cuidadoso com a mãe, apaixonado pelos filhos”, define Sheyla.

Traços também marcantes do pai, segundo ela, eram a alegria, a honestidade e a união que ele ensinou aos filhos e família.

“Ele gostava de dançar, era extremante alegre. Sempre que tinha oportunidade de estar com os filhos, ele estava e nos poucos 58 anos que ele viveu, a família não tem culpas, nem arrependimentos. Ele só pode ser exaltado”.

Manoel deixou cinco filhos, cinco netos, uma bisneta e mais um neto que ainda vai nascer.

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