Cidades

Vizinhas ao Cetremi, pessoas preferem ficar na rua, sob pontilhão

Paula Vitorino | 26/07/2011 12:53

Falta de perspectivas de vida e ajuda contribuem para acomodo nas ruas

Morador diz que não fica no Cetremi, prefere liberdade da rua. (Fotos: João Garrigó)
Morador diz que não fica no Cetremi, prefere liberdade da rua. (Fotos: João Garrigó)

Apesar dos perigos, muitos preferem continuar vivendo na rua em nome da “liberdade”, e abrir mão de auxílio em uma casa de abrigo ou apoio. As redondezas do Cetremi (Centro de Triagem do Migrante) – saída para Três Lagoas - são um retrato deste cenário.

Bem perto, cerca de 500 metros, no pontilhão da rodovia 262 há um ponto de parada dos andarilhos. Colchões, utensílios de cozinha e roupas já se acumulam no local. Mas passando pela rodovia também é possível ver muitos moradores de rua perambulando pela área.

“Lá é muito chato. Tem horário para tudo, ficam mandando na gente. Não fiquei nem uma semana lá”, enfatiza um dos moradores do pontilhão, de 51 anos, sobre por que, mesmo a poucos metros do Centro, prefere ficar na rua.

Ele e outro companheiro da vida nas ruas, de 30 anos, já passaram pelo Cetremi e contam que o atendimento no local é bom, mas a sensação de ficar morando em um lugar que não é a sua casa “é estranha, como se fosse uma prisão”.

A principal dificuldade é a adaptação às regras do Centro, como horários determinados para refeição e acordar. Mas a moradia no local também implica em uma escolha fundamental: deixar as drogas ou não.

“Aqui pelo menos posso fazer o que quiser, não tem ninguém me cuidando. O que quero mesmo é ir para casa”, diz o senhor.

Outro ponto, questionado pelos moradores, é o prazo para a permanência no Centro, que segundo eles é de 10 dias. “Depois a gente volta para as ruas mesmo”, frisam. Os dois dizem querer voltar para suas cidades, Jardim e

Goiânia, mas ainda não conseguiram as passagens.

Neste fim de semana, a reportagem do Campo Grande News também mostrou a história de 4 andarilhos que há cerca de 2 anos e meio moram na calçada da Santa Casa. Uma das moradoras garante que a Prefeitura Municipal nunca foi oferecer auxílio, como emprego e moradia digna, e que tudo que eles queriam é uma oportunidade de melhorar.

No entanto, a assessoria da administração pública afirmou que os andarilhos já foram procurados por equipes da Secretaria de Políticas e Ações Sociais e Cidadania, e, se recusaram a aceitar as opções de auxílio oferecidas.

Moradores se conheceram na rua e dividem espaço e mantimentos do pontilhão.

Dependência - Mas a permanência nas ruas em muitos casos não se trata de preferência, e sim, de dependência. O vício nas drogas, no álcool é o que “empurra” a maioria para as ruas e também os afasta da família e outras pessoas que lhe queriam bem.

“O vício estraga tudo. A maioria que está na rua é por causa disso”, afirma o rapaz.

Nesta manhã, a reportagem encontrou os dois companheiros embaixo do pontilhão, enquanto outro ainda dormia. Durante a conversa, o homem iniciou o preparo de um cigarro de maconha, mas ao ser questionado se iria fumar naquele momento garantiu que “não, vou guardar para quando vocês forem embora”.

O cigarro ficou reservado atrás da orelha e logo que nossa equipe saiu do local ele o acendeu. Os dois andarilhos são viciados em álcool e pasta base de cocaína. Mas o senhor resume o vício dizendo que “qualquer droga serve”.

Sobre o acesso as drogas, eles contam que é fácil comprar e que a cidade é a “Capital das drogas”, pela localização nas fronteiras. “Sempre aparece gente aqui vendendo ou então conseguimos em qualquer lugar”, diz.

Ele e o rapaz afirmam que nunca foram para uma clínica de tratamento para dependentes químicos e que o vício nas drogas começou já aos 12 anos. Eles ainda garantem também nunca ter recebido nas ruas algum tipo de acompanhamento para deixar a dependência.

“Às vezes tem grupos que oferecem alimentação, abrigo, mas seria bom ir para um tratamento”, contam. Eles garantem que aceitariam ser internados para tratamento, caso algum grupo de voluntários oferecesse.

O fundo do poço - Sem grandes perspectivas de vida e com a confiança da família já abalada, a saída do fundo do poço para os andarilhos é algo difícil. Mais que uma simples ajuda social, eles precisam de acompanhamento psicológico e médico, já que a maioria traz histórias de abandono e doenças.

Mostrando o exame positivo da Aids, o senhor conta que pegou o vírus nas ruas, há cerca de 5 anos, e diz ter vindo para Campo Grande depois de ser expulso de Jardim. “Morava na rua lá e começou a juntar muita gente no mesmo local, aí veio a Polícia e me expulsou”, afirma.

Na Capital desde o dia 19 deste mês, ele diz querer voltar para Jardim, mas conta que deve continuar nas ruas de lá, já que a família não aceita o vício. O homem já foi casado e tem filhos, mas diz que todos são evangélicos e não o deixam “fumar nem um cigarrinho dentro de casa”. “Não agüentei essa humilhação não”, frisa.

Pontilhão já virou moradia para andarilhos.

Já o rapaz conta que decidiu sair de casa há cerca de 2 anos, depois que a mulher também ficou viciada em drogas e álcool, e ameaçava se matar. “Decidi ficar longe pra não prejudicar mais eles”, conta.

Ele tem um filho de 2 anos e meio e outro de 8 anos. O rapaz veio para Campo Grande com a empresa onde trabalhava, mas perdeu o emprego e passou a viver pelas ruas. No entanto, ele garante que tem um canto para dormir cedido no galpão da antiga empresa.

O andarilho diz querer voltar para a cidade natal, mas também se contradiz afirmando que ainda não está na hora.

Os dois contam que na rua fazem novos companheiros a cada dia e vão “se virando” como podem. “A gente se acostuma”.

Atendimento - No Cetremi, funcionários contam que o vai e vem de moradores é freqüente. Muitos aproveitam para conseguir passagens interestaduais, andam pelo Brasil, mas depois voltam.

Os funcionários ainda confirmam a realidade retratada pelos andarilhos, a liberdade para viver na rua e continuar no vício acaba valendo mais que a oportunidade de recomeçar a vida.

“Para eles isso em uma cadeia, onde não podem continuar fumando”, revela.

A reportagem apurou que o Centro iniciou há cerca de um mês um programa diferenciado para pessoas que são de outras cidades, que recebem assistência para voltar ao local de origem, e para os andarilhos da Capital.

Antes, os moradores de Campo Grande tinham um prazo para permanecer no Centro, mas com o novo atendimento o assistido permanece no local até a conclusão do tratamento. O andarilho recebe acompanhamento psicológico, alimentação e participa de palestras.

A reportagem tentou contato com a coordenação do Centro nesta manhã para esclarecer como funciona o programa e as regras para permanecia no Centro, mas foi informada de que os responsáveis não têm autorização da administração municipal para repassar informações.

A assessoria da Prefeitura Municipal também não deu retorno até o fim desta manhã. O motivo seria a morte de um funcionário da SAS (Secretária de Assistência Social), que paralisou parcialmente as atividades na secretaria.

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