Cidades

Contribuição sindical gera polêmica, 4 meses após reforma entrar em vigor

Edital do Sintracom reforça “obrigatoriedade” da cobrança e gera contestação de empregador; aprovada no fim de 2017, reforma trabalhista é alvo de contestação técnica sobre forma encontrada para sua aprovação

Humberto Marques e Aline dos Santos | 15/03/2018 17:49
Edital publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial do Estado trata da "obrigatoriedade" da contribuição. (Imagem: DOE/Reprodução)
Edital publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial do Estado trata da "obrigatoriedade" da contribuição. (Imagem: DOE/Reprodução)

Inconsistências surgidas na reforma trabalhista aprovada no fim de 2017 pelo Congresso Nacional geram dúvidas no início deste ano em relação à cobrança da contribuição sindical. Enquanto sindicatos e associações de trabalhadores lançam editais comunicando sobre o desconto –inclusive reiterando sua “obrigatoriedade”–, empresários contestam a legalidade do pagamento compulsório.

Entre os dois lados dessa questão, o Judiciário já tem sido acionado para avaliar pontos técnicos sustentados para validar ou suspender o recolhimento dos valores que são os principais mantenedores dos sindicatos. Posicionamento “informal” da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) tem sido avocado para balizar o debate.

Nesta quinta-feira (15), o Sintracom (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Campo Grande) publicou no Diário Oficial do Estado edital notificando empregadores sobre a “obrigatoriedade” do recolhimento da contribuição, equivalente a um dia de trabalho dos funcionários das empresas de construção civil em geral, pré-moldados, gesso, mármores e mobiliário e de indústrias de compensados. O valor deve ser depositado na conta da entidade sindical até 30 de abril.

“Meu cliente foi acionado indiretamente em uma cobrança que é de conhecimento notório que, com a mudança na legislação trabalhista, passou a ser opcional, e não obrigatória”, afirmou o contabilista Heber Castilho Gomes, que disse ter sido questionado por um cliente sobre a exigência da contribuição. “Alguns sindicatos estão publicando edital e deixando a entender que [a contribuição] é obrigatória, o que não é verdade”.

Sob protestos, Congresso aprovou reforma em junho, na Câmara, e depois no Senado. (Foto: Luís Macedo/Câmara dos Deputados)

Questão técnica – Com a reforma trabalhista, o artigo 579 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que trata da contribuição sindical, perdeu o caráter obrigatório. Agora, o texto afirma que o desconto “está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão”.

Porém, hoje a reforma é contestada judicialmente, usando inclusive avaliação advinda da entidade que congrega os juízes trabalhistas. Em outubro de 2017, de um evento da Anamatra, saiu documento no qual se contesta a forma com a qual as mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) foram aplicadas.

Pelo texto, avalia-se que as contribuições sindicais têm natureza de tributo, tanto que 10% de seu total são revertidos para a União. Assim, não poderia ser suprimida por lei ordinária –dispositivo pelo qual a reforma trabalhista foi aplicada e que, na prática, exige menor quorum para aprovação e trata de temas fora da Constituição–, e sim por lei complementar (que versa de temas constitucionais e exige maioria absoluta para ser aprovada).

O problema é que, segundo disse o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo veiculada em 19 de fevereiro deste ano, os enunciados forma feitos apenas por discussão acadêmica. Tanto que a associação tem, segundo ele, “posição fechada contra a contribuição sindical” por ferir a liberdade de não se sindicalizar.

Abelha afasta ilegalidade em edital e garante ter realizado assembleia-geral no Sintracom. (Foto: Arquivo pessoal/Facebook)

Inconsistências – “A contribuição não é mais obrigatória, porém, há tribunais que estão deferindo ações que os próprios sindicatos estão ajuizando para cobrar a contribuição”, destacou o advogado Rogério Spotti, presidente da Comissão de Assuntos Trabalhistas da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil/Seccional de Mato Grosso do Sul).

Segundo ele, a avaliação feita pela Anamatra sobre o tipo de lei pelo qual a reforma trabalhista foi aprovada é um dos pontos contestados. “As entidades têm buscado inconsistências no texto e buscado a tutela jurisdicional”, disse Spotti. No Rio de Janeiro, cita ele, já foram expedidas decisões considerando o fim da contribuição sindical inconstitucional.

Contudo, Spotti adverte que, independentemente dessas avaliações, é necessário que a entidade busque resguardo jurídico antes de efetuar a cobrança. “O sindicato que quer fazer a cobrança compulsória deve entrar com ação e, claro, obter uma decisão. Do contrário, deve seguir o que está na lei, ou lá na frente terá de devolver os valores”, explicou.

No rito atual, a entidade deve realizar assembleia-geral com sua base sindical e a consultar se esta aceita a continuidade da contribuição. Spotti afirma que tais reuniões devem atingir um quorum mínimo e deliberar de forma coletiva sobre tais pagamentos. “Se for aprovada a manutenção da contribuição, vale para todos os trabalhadores da base”, explica.

Aprovado – O expediente vem sendo adotado por entidades sindicais do Estado por orientação de suas centrais, conforme apurou o Campo Grande News com entidades que, nos últimos dias, também publicaram editais sobre o pagamento das contribuições. Nos textos, inclusive, destaca-se a realização das assembleias-gerais extraordinárias com a aprovação da cobrança.

O próprio Sintracom afirma ter realizado reunião com esse teor em 26 de janeiro. Agora, o resultado, favorável ao desconto, vem sendo comunicado aos empregadores. “Estamos mandando via correspondência o edital e a aprovação na assembleia”, diz José Abelha Neto, presidente do sindicato.

Segundo o dirigente, o Sintracom, com outras entidades, fica com 60% do valor arrecadado com a contribuição sindical e 40% para federações, centrais e Ministério do Trabalho.

Abelha nega ainda que o aviso aos empregadores publicado nesta quinta seja irregular. Além disso, confirmou já ter recorrido à Justiça do Trabalho com pedido de liminar para efetuar a cobrança. “A reforma [trabalhista] foi por meio de lei ordinária, que segundo a Constituição não tem poder para alterar regras tributárias. E a contribuição sindical extinta nessa mudança tem natureza de imposto, por isso só poder ser mexida por lei complementar”, afirma, repetindo também os apontamentos da Anamatra.

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